Fanfic: Crônicas da Mana - Um Conto Esquecido | Tema: Legend of Mana
Nove séculos atrás, a Árvore de Mana queimou até as cinzas. O poder de Mana sobreviveu dentro de pedras de Mana, instrumentos encantados, e artefatos. Sábios lutaram uns contra os outros pelo controle destes últimos restos de Mana.
Então, depois de centenas de anos de guerra, conforme o poder de Mana começou a desaparecer, aqueles que a buscavam escassearam-se, e o mundo retornou à paz.
Depois disto, a humanidade teve medo de desejar. Seus corações se preencheram com emoções vazias, e se distanciaram de minhas mãos. Eles viraram seus olhos para longe de meu poder infinito, e sofreram com suas fúteis disputas.
Lembrai-vos de mim! Precisai de mim! Posso prover-vos com tudo! Sou o amor. Encontrai-me, e andai junto comigo.
CAIXA DE CORREIO
“Algumas cartas por mês podem representar muito para uma casa distante e solitária.”
Era cedo. Não havia muito que o sol havia surgido no horizonte, trazendo a luz do dia à pequena colina. Situada em um campo vazio, com apenas uma trilha levando a lugar nenhum, sua única característica peculiar era a grande árvore frondosa que cobria tanto a colina em si, como uma pequena casa logo abaixo de seus galhos, construída junto à árvore.
A casa em si não tinha muitas características que a tornasse incomum, tendo sido construída com madeira e tendo um teto de palha, com várias janelas e uma porta amigável, tendo um toldo de hera sobre si. Logo adiante estava uma caixa de correio elegante, tendo um par de asas decorativas, uma pintura que a deixava similar a uma casa, e uma sineta presa que tilintava sempre que alguma carta fosse posta.
A sineta tilintou, brevemente, quando uma mão pousou sobre o topo desta.
— Dezoito anos, já faz... — o dono desta mão comentou, enquanto olhava para a caixa de correio. — Acho que já tá na hora de me encontrar com eles. Já devem tá maduros o bastante.
Com mais alguns passos, ele dirigiu-se até a porta, aguardando por sua abertura. Não demorou muito; em alguns momentos, ele podia ouvir o som de passos, vindo de dentro da casa, conforme seus habitantes moviam-se em velocidade. Os sons aumentaram conforme eles iam se aproximando, até que enfim a porta se abriu rapidamente.
— Ah... tio! — disse o rapaz que estava à porta, um jovem de cabelos loiros e olhos verdes, vestido de forma muito peculiar; seu capuz vermelho possuía um broche verde com um par de asas, suas luvas que subiam até os ombros eram feitas do mesmo material, e o pouco de armadura que trajava – um peitoral de couro, que só cobria o tórax em si, e proteções laterais também feitas de couro, para seus quadris e pernas – não pareciam dar muita proteção. A única coisa a mais que trajava era um par de calças especiais, do mesmo estilo que uma túnica, e um par de botas grandes, mas ainda assim um tanto inúteis no quesito proteção. — Já faz tanto tempo!
— Faz mesmo, né? — o estrangeiro disse, com um sorriso maroto. Apesar de parecer mais novo em aparência, dada sua estatura menor, ele tinha um ar de experiente, auxiliado pelos cabelos e olhos de cor cinza. Suas próprias roupas eram estranhas; um cachecol azul e outro branco, luvas marrons, um colete sobre uma camisa leve e um par de shorts, e botas presas com fivelas brancas em vez de cordões. — Como que cê tá, Totó? Treinando duro? — ele adicionou, enquanto esfregava o cabelo do rapaz.
— Pôxa! Eu não sou um bichinho de estimação, tio! — ‘Totó’ retrucou, franzindo as sobrancelhas. — E tem mais
— TIO! — gritou outra voz, vinda lá de dentro.Esta pertencia mais claramente a uma garota, que correu até o Tio e o abraçou com força. — Eu tava com tanta saudade, tio...
— É... dá pra ver que sim, Imu! — ele respondeu, demorando um pouco para sair do aperto que ela estava causando. A garota tinha longos cabelos loiros, partidos em quatro partes, e olhos tão verdes quanto os de ‘Totó’, se com um tom mais forte. Ela trajava um vestido curto e roxo, sem mangas, com um peitoral de faixas vermelho, proteções vermelhas para os antebraços, e botas verdes e felpudas. Três caniços cresciam de cada lado da cabeça, e mais caniços prendiam seus cabelos nas pontas de trás e da frente. — Cê ficou forte, pelo visto!
— Não tanto quanto a mim, porém! — o rapaz declarou, de imediato, antes de exibir sua espada, segurando-a com uma mão. — Já consigo segurar não só esta espada, como também um escudo de verdade! Posso enfrentar qualquer inimigo!
— Também não exagera, Toto! — Imu retrucou, pondo as mãos na cintura. — Você sabe que eu pratiquei muito, pra provar pro tio que eu posso lutar! E eu posso lutar tão bem quanto você!
— Haaaaaah... então é assim? — o Tio perguntou, cruzando os braços. — Quero ver se cês dois melhoraram, então. Cês já tomaram café?
— Sim! — ambos responderam, de imediato. Aumentando o sorriso, o garoto de cabelos cinzentos tomou alguns passos de distância, antes de entrar em sua própria pose de combate – pernas separadas, corpo posicionado lateralmente, uma mão à frente num estado defensivo e a outra mais atrás, para poder atacar. Um par de adagas decoradas, com uma lâmina brilhante e escura, formou-se em suas mãos como a espada de Toto havia se formado nas mãos de seu dono.
— Então vem cá, Totó! Quero ver se cê consegue me tirar do sério! — ele desafiou o rapaz, que sorriu com fervor.
— Com toda a certeza! — foi a declaração em resposta, Toto tomando sua própria posição, uma mão adiante para servir de contrapeso para o braço da espada.
Após um momento, o Tio sorriu com mais afinco, ao ver o rapaz louro correndo em sua direção, soltando um grito de guerra. As lâminas se encontraram num golpe, as duas adagas trabalhando juntas para deter a arma.
— Cê está um pouco melhor, Totó... — ele comentou, sem desdém. — Da última vez que treinamos, cê não conseguia manter a sua espada em suas mãos, depois de sete golpes... este foi o meu primeiro!
— Vou te provar que eu consigo... — foi a resposta, retrucada. — ...que eu consigo te derrotar, tio!
No próximo golpe, Toto pôs mais força no ataque, bloqueado uma vez mais pelas adagas; no entanto, desta vez elas não conseguiram detê-lo tão completamente.
— Isso! — o rapaz celebrou, sorrindo mais. No entanto, o Tio não perdeu seu sorriso.
— Este... foi o segundo. — ele respondeu, antes de retirar as adagas do caminho; no entanto, seu próximo movimento foi detê-la com uma das facas, a segunda seguindo em direção à mão de Toto. O rapaz teve de deter seu golpe para escapar da armadilha, forçado em uma posição defensiva. — E o terceiro já passou. Faltam quatro.
— Ora, seu... — Toto rosnou, usando a espada para bloquear uma seqüência de ataques com ambas as adagas, vendo bem seus movimentos. — Essa sua contagem pode ir pro
— Quarto golpe. — Com a interrupção, o Tio usou um chute para ganhar distância, girando uma de suas armas com o dedo. — E com este... será o quinto!
Toto reteve um gemido, tendo sido chutado no joelho, usando outro golpe forte para se defender do próximo golpe; quando a adaga se encontrou com a espada, ele se pressionou contra o oponente, não só bloqueando mas também conseguindo atacar. — Nem vem... que não tem!
— Meu sexto golpe. — Em um movimento, o garoto se jogou para trás, caindo ao chão e evitando a lâmina. Seu próximo chute foi direcionado ao braço de Toto, impedindo-o de continuar; as forças estavam iguais, naquele movimento. Ambos tiveram de recuar, uma vez mais, mas Toto não havia perdido seu controle desta vez. Ele apenas verificou seu braço, em um momento, sentindo um pouco de dor. — Cê agüenta mais um?
— Manda ver... — o rapaz retrucou, com a respiração um pouco cortada, enquanto via seu oponente erguer-se novamente. — Eu vou conseguir te atingir! Te garanto isso!
O Tio sorriu marotamente. — Cê que pediu!
Ambos correram até o outro, atacando-se com vigor; vários ataques eram lançados de uma vez, com aparas similares por parte das lâminas. Toto conseguia bloquear a maior parte deles... mas sua energia estava começando a se exaurir; ele havia posto força demais naqueles primeiros golpes, acostumado como estava em usar golpes devastadores nos primeiros momentos. Um inimigo que não conseguisse resistir ao primeiro golpe se tornaria indefeso, afinal, como os espantalhos nos quais praticara.
Os golpes se detiveram, e Toto respirou fundo, devagar; não conseguira a vantagem, neste caso.
— Já foram sete... ou seja! — o Tio contou, antes de cruzar os braços. Energia concentrava-se dentro de si, notável aos dois, devido ao seu treinamento. — Será o seu fim!
— Nem pensar! — o rapaz gritou, tomando impulso por um segundo, antes de saltar no ar. Enquanto estava lá, ele tentou executar um giro como o que vira a muito tempo, usado por seu inimigo atual – uma técnica praticada por anos a fio. Ele segurava a espada com ambas as mãos agora, para dar mais suporte no golpe.
A espada conseguiu se encontrar com as lâminas gêmeas por um momento, faíscas saindo do encontro. No entanto, o golpe do garoto foi mais forte, forçando a espada para longe e arrastando consigo Toto. Ambos foram em direção à casa, Toto sendo arremessado contra a parede enquanto o Tio parava próximo a ele.
— ...parabéns.
Com aquelas palavras, o Tio ergueu-se de pé, soltando as adagas. As armas desapareceram na luz, momentos depois. Ele estava sorrindo.
— Oito golpes, e segurou... nada mal. — O garoto falava calmamente, embora fosse possível ver uma incrível vontade em seus olhos. — Cê conseguiria lutar mais um pouco?
Apesar de estar preso à parede, Toto acenou com a cabeça. — Com toda a certeza... — ele gemeu, bravamente. — Eu... eu ainda posso lutar!
—Bom saber. — O Tio cruzou os braços, neste momento. — Mas por enquanto já chega... podemos brincar mais depois. Agora... é a vez da Imu tentar a sorte.
Ao olhar em direção à moça, eles podiam ver que ela já havia trazido sua própria arma à tona, uma partisan com lâminas muito afiadas, segurando-a com tanta segurança que era claro o quanto ela havia treinado com a arma.
— Estou pronta, tio! — ela declarou, bravamente. — Pode vir!
— Uma lança de distância... distante será! — o garoto disse, erguendo uma das mãos, formando sua própria arma. Um cajado surgiu com uma luz forte, uma jóia brilhante presa à ponta. — Portanto, me meterei bem dentro!
— Um cajado de madeira simples não pode contra a minha lança! — foi a resposta, e Imu preparou sua posição de batalha, segurando em dois pontos eqüidistantes da lança; assim, ela podia manter sua arma equilibrada, mesmo com esta apontando em direção à cabeça do Tio.
— Subestimar seus oponentes é um perigo, Imu... este cajado não é só um cajado, afinal. — Correndo em direção à moça, ele segurou sua arma com uma mão só, a jóia cintilando contra a luz.
— Não duvido... mas não importa! — Imu reagiu com vontade, contra-atacando de imediato; seu golpe foi dirigido adiante, mais baixo que a direção inicial. A lâmina da lança encontrou-se com o cajado, o impacto sentido por ambos. — É só acertar uma vez, e eu... eu consigo!
— Pode até ser... mas precisa acertar primeiro! — o Tio gritou, praticamente, os dois se pressionando no processo. Ele estava usando ambas as mãos para empurrar o cajado, retendo a partisan com seu movimento. — Cê consegue entender?
— Sim... sim, melhor que o Toto! — ela disse, baixando o ângulo de ataque ainda mais. Então, pondo toda a sua força no golpe, ela rapidamente girou a lança ao contrário, lançando-o para o alto. — Com isto, você voa!
— Vôo? Termo engraçado... — o garoto respondeu, antes de se virar no ar, em uma espécie de pirueta. — Se eu quisesse voar, eu voava sem ajuda!
— Tio... ora! — Imu declarou, preparando-se para executar um ataque certeiro; no entanto, quando ela forçou a partisan ao alto para que o penetrasse, o Tio bateu contra a arma com tudo, forçando-a a mudar o ângulo.
— Cê tem força, com certeza... não é alguém que usaria um cajado como este. — A declaração foi simples, mas as palavras ecoavam enquanto ele caía em direção a ela. — Em vez de uma espada, a sua lança convém mais às suas habilidades, e por isso cê a mestrou, não é?
— E se foi?! — ela perguntou, quase zangada. — Você é mais forte que nós dois, mas usa essas armas fraquinhas! O que é que isso tem a ver com a nossa luta?
— Nada que te importe... — foi a resposta, pouco antes do garoto atacar as pernas dela com um golpe rasteiro de pernas. — Mas se a espada do Totó só tem coisas boas, o mesmo não posso dizer da sua lança! Perto assim, cê não pode fazer nada contra mim!
— Posso sim! Eu posso e posso e posso! — Com a declaração, veio uma tentativa de giro por parte da moça, usando a lança para deter seu movimento; as lâminas prenderam-se no chão, garantindo-lhe estabilidade. — Foi isso... foi isso que eu treinei por anos a fio!
— Foi mesmo... agora me diz se funcionou! — foi a resposta, pouco antes do Tio ser atingido por um chute direto no ventre. Imu sorriu com vontade, ao sentir o impacto que fizera.
— Funcionou sim! Eu vou te derrubar, tio, com toda a certeza! — ela declarou, vitoriosa... mas momentos depois, a sensação de vitória deu lugar a choque. — Mas o quê
— Me derrubar? Me empurrar até vai, mas... — Embora tivesse recuado graças ao golpe, o garoto ainda tinha um sorriso cínico no rosto. Seu cajado não fora solto – em vez disso, estava pressionado contra a perna de Imu, o garoto usando ambas as mãos para prendê-la com a arma. A posição retirara a estabilidade da moça, que não conseguia se posicionar melhor. — Cê não prestou atenção o bastante no seu alcance!
— Essa não!
— Essa sim! — o Tio gritou, antes de jogá-la longe ao retorcer seus braços na posição normal, forçando a perna a girar; foi só o fato de Imu ter girado junto que impediu que o ferimento fosse grave. Ainda assim, ela caiu ao chão, sua partisan perdida na grama e longe de suas mãos. Ela precisou de alguns momentos para se recuperar, mas ainda assim manteve-se no chão. — Cê ainda tem problemas pra segurar a sua arma... isso não é bom. Mas se eu não tivesse te segurado, cê provavelmente conseguiria se recuperar rápido.
— ...nada mal, né? — ela chegou a perguntar, soando envergonhada. O garoto riu.
— Nada mal mesmo! Se cês dois conseguirem cobrir suas diferenças, não acho que haverão problemas em seu caminho! — ele disse, o cajado desaparecendo pouco depois com um brilho. — Seria bem melhor se cês aprendessem a usar outras armas, mas... bom, pra crianças de dezoito anos, saber usar uma bem é bom igual.
— Crianças... a gente já não é adulto, tio? — Toto resmungou, um tanto chateado. — A gente já pode lutar de igual com o senhor, o senhor viu!
— De igual ainda não. — O Tio fechou os olhos, com um sorriso. — Ainda tem muito tempo pra cês poderem lutar de igual a mim. Cês sabem se proteger, e isso é o que vale.
— Que seja! Eu e a Imu podemos lutar com qualquer um que aparecer na nossa frente! Eu garanto!
— Ah, que confiança... espero que não seja demais pro seu gosto. — A risadela de Imu quanto à piada só deixou Toto mais chateado, mas o Tio simplesmente avançou em direção à casa. — Bom, agora que o treino da manhã acabou, que tal irmos pra dentro? Eu estou faminto, pra falar a verdade!
— F-faminto!? — a moça deixou escapar, chocada.
— Isso! Vou querer uma refeição bem legal, também!
...%D
A pilha de pratos parecia crescer mais e mais a cada vez que era olhada, embora Toto e Imu não prestassem tanta atenção assim. Na verdade, o que tomara a atenção deles era a forma como o Tio devorava a refeição que havia sido preparada. Cada mordida equivalia a três, de tão rápido que ele mastigava, e os talheres desapareciam de vista com os movimentos súbitos e rápidos que ele usava. A pilha já passava dos quinze pratos, tigelas, e copos, e ainda assim nada dele parar de comer, até onde parecia.
Os dois mal tinham acabado de olhar um para o outro, novamente, quando os ruídos pararam. O Tio sorriu. —Hahaha! Obrigado pela comida, crianças! Cês se superaram hoje!
— ...você comeu toda a comida da nossa casa... — Toto reclamou, com uma das sobrancelhas tremendo de irritação. — Quando que foi a última vez que você comeu, tio!?
— Ah, já faz um tempo. — o garoto respondeu, dando de ombros. — Mas é sério que cês usaram toda a comida nessa refeição?
— Você não parava de comer, tio! — Imu explicou, cruzando os braços. — O senhor pediu uma refeição bem legal, a gente tentou, mas você vivia pedindo mais, e daí
— Tá bom, tá bom, já entendi. Relaxem. — Empurrando a cadeira de madeira para trás, o Tio pegou os pratos sem muito cuidado e ergueu-os ao ar. Cada prato, copo e tigela que ele estava mantendo em posição começou a balançar precariamente, enquanto ele andava ao redor da mesa e mais próximo da lareira acesa. — Uma hora cês iam ficar sem comida, de qualquer jeito.
— ...hã? — os dois deixaram escapar, enquanto olhavam para ele. O garoto soltou uma risadela traquina enquanto se aproximava da cozinha, passando pelas cortinas cor-de-rosa e pela cortina de caniços de madeira posta logo após. Imu decidiu falar primeiro, enquanto ele estava fora. — Como assim, tio?
— Ah, nada de mais, nada de mais... escuta, como que cês têm passado, afinal? — ele perguntou, enquanto o som de água sendo usada nos pratos começou a soar pela casa. — Eu não visitei cês já faz muito tempo, então tô curioso. A última vez foi... uns dez anos atrás, né?
— Nossa, tio, você já esqueceu? — Toto perguntou, um pouco chateado. — Foi dez anos atrás, sim! A gente só tinha oito anos, afinal!
— Não esqueci tanto assim, dá pra ver. — o Tio respondeu. — Mas bom, eu lembro bem daquela luta... cê foi com tudo pra cima de mim, e mesmo assim agüentou todos aqueles golpes!
— O senhor que não pegou mole comigo... puxa vida, eu ainda sinto a dor daquele dia! — o rapaz comentou, resmungando um pouco. — Mas como o senhor viu, tio, eu tô forte! Tô super forte! Tô forte mesmo!
— Você tem que ficar se mostrando, Toto? — Imu perguntou, tirando a graça dele. — Eu aprendi a lutar também... a gente tá indo muito bem naqueles espantalhos, e tudo o mais! A gente finalmente pode se defender!
— Então cês praticam um contra o outro? — o Tio perguntou, enquanto o barulho de água diminuiu. — Nossa, Totó! Vê se não fica subindo nas pernas da Imu, tá bom?
Aquilo fez o rapaz ficar todo vermelho, tanto quanto seu capuz. — T-Tio!!! Qual é! Pra quê que eu ia subir nas pernas da Imu?! — ele reclamou, deixando a moça embaraçada.
— Toto! Seu sem graça! — ela reclamou, virando pro outro lado. — Tô de mal!
— Calma aí, cês dois! Não é hora de ficarem brigados nem nada assim! — o garoto interrompeu, logo quando Toto ia falar alguma outra coisa. Afastando os caniços, ele entrou no aposento novamente. — A gente tem coisa melhor pra fazer hoje, afinal de contas.
— ‘A gente’? — Toto repetiu, surpreso. — Como assim, tio?
— Bom, como é que dá pra dizer... — o Tio disse, pensando um pouco; uma das suas mãos estava coçando o queixo, neste ponto. — Sabe, eu vou ficar por aqui. Minhas viagens acabaram, e eu tô de férias. Decidi visitar as minhas crianças favoritas, daí, mas isso quer dizer que eu vou ficar nesse patamar por um tempo, sabe como é.
Os dois sorriram abertamente. — Nossa, tio! O senhor quer mesmo ficar com a gente? Que coisa mais da boa! — Toto disse, e Imu abraçou-o com vontade.
— Viva, tio! A gente tá tão sozinha aqui que nós vamos adorar passar tempo com o senhor! — ela disse, praticamente fazendo o garoto girar com o abraço. O Tio riu enquanto semi-voava pelo ar, até que ele pisou firme no chão.
— É, solidão é uma tristeza. Desculpa eu não ter feito companhia pra cês nos últimos dezoito anos, mais do que eu pude fazer... — ele disse, escapando do abraço. — Mas bom, esse aí que é o fim da picada, então vamos fazer uma mudança geral de ares.
— ‘Mudança... de ares’? — Toto repetiu, surpreso de novo. — Como assim, tio? Pra onde é que a gente iria?
— Ver o mundo.
Aquilo que ele disse com um sorriso maroto completamente tomou os dois de surpresa, fazendo o rapaz cair da cadeira e a moça perder sua pose de esperta.
— O... o mundo? — ela repetiu, em estado de choque. — Mas... mas não tem perigo lá fora? A... a gente... não é pra ir pra longe, e...
— Ué, cês já não são adultos? — o Tio perguntou, seu sorriso virando mais travesso ainda. — Tudo bem que a maturidade não vem da idade e sim de outras coisas, mas...
— É... é sim, a gente já é adulto sim! – Toto declarou, com muito orgulho, surpreendendo Imu. Ele mal tinha acabado de se levantar, mas estava com muita confiança no rosto. — Eu não tô com medo! Eu quero ir ver o mundo que o tio conhece! E mais, eu quero conhecer todo o mundo que o tio não conhece!
— É assim que se fala, Totó! — o garoto disse, aplaudindo. — Cê fazendo isso... posso até acreditar que um dia cê vai me derrotar!
— Eu vou te derrotar, sim! — foi a resposta do rapaz, antes dele olhar para Imu. — Não é mesmo, Imu?
A moça estava um tanto calada, pensando no que havia sido dito. Alguns momentos se passaram, Toto franzindo suas sobrancelhas ao perceber a demora, e como ela estava evitando o olhar dos dois. — Imu!
— Ah! E-eu... bom... — ela hesitou, ao deixar escapar estas palavras, antes de assentir rapidamente. — S-sim! A gente vai ficar mais forte, e vai conhecer o resto do mundo! E um dia, a gente... a gente consegue!
A tentativa de soar confiante trouxe de volta aquela risadela traquina de antes. — Muito bom, Imu! E é verdade que quando cês conhecerem o resto do mundo, cês vão se tornar guerreiros mais experientes... mas até lá, temos outras prioridades, aquelas que cês não entenderiam.
— ...hein? — Toto perguntou, surpreso. — Que... que prioridades?
— Bom, por ora acho que já discutimos o bastante. Que tal darmos uma saída por aí? — o Tio disse, ignorando a pergunta. — Quanto mais cedo sairmos, melhor pra gente.
Aquilo foi o bastante para encorajar os dois; em pouco tempo já estavam saindo da casa, na maior correria possível, falando sobre como o mundo lá fora devia ser. Ele soltou mais uma risadela, ao ver essa vontade.
— Dezoito anos... bom, já chegou a hora, tia. Os seus filhos vão descobrir o mundo que a gente abandonou. — ele comentou, numa voz quieta. — Mas não se preocupa, tá? Eles são gente boa. Eu te garanto, tia; eles vão fazer a escolha certa. Quando a hora chegar... tudo vai dar certo. Eu te prometo, tia.
...%D
Do lado de fora da casa, o garoto viu que Toto e Imu ainda estavam lá, parados e próximos de alguém. Ele os observou por alguns momentos, antes de se aproximar. — E aí, como vamos?
— Tio, você conhece essa coisa? — o rapaz perguntou, olhando para ele. Com um polegar, ele indicou uma criatura próxima.
— Toto! Olha como fala! — Imu o censurou, antes de virar-se. — Nós temos uma visita. Será que podemos mesmo ir embora hoje?
O garoto olhou para a criatura, com um pouco de cuidado. Era uma pessoa quase da mesma altura que ele, mas trajada com folhas quase que completamente. Até mesmo sua pele parecia ser feita de folhas, e suas orelhas e pés tinham o mesmo estilo. Já as mãos eram diferentes; elas pareciam mais com os estames de flores, tendo dedos longos e finos terminando em pontos mais grossos. Uma das folhas parecia uma capa, de tão grande que era, e a seguia por trás. Uma flor mantinha tudo preso, num ponto acima do coração, e a criatura olhava para eles com grandes olhos vermelhos. Era difícil dizer se isso era um macho ou uma fêmea, afinal de contas.
Ele sorriu. — Encontraram um Brotinho? Bom começo de viagem!
— Brotinho? — Toto repetiu, confuso. — Mas o quê qué isso?
— Por que não perguntam pra ele? — Com a resposta, o Tio deu uma risadela marota. — Pode falar aí, criaturinha.
— Eu sou um Brotolinho. O mundo pode ser moldado por sua imaginação. — A voz do Brotolinho era bem fina e andrógina, dando uma impressão às vezes de que esta criatura era uma fêmea da espécie. — Vocês sabiam disso?
Tanto Toto como Imu sacudiram a cabeça. — Nem me passou pela cabeça, na verdade... — o rapaz disse, um pouco desconfortável. — Como é que nós íamos fazer uma coisa dessas, afinal? Não tem nada aqui que tenha poder...
— Não é preciso poder para imaginar as coisas, Totó. — o Tio comentou, rindo consigo mesmo. — Mas já te explico. Continua aí, Brotinho.
— O poeta Pokiehl me disse que a vila de Domina existe porque eu a imagino. As pessoas dizem que este mundo não é uma ilusão, mas os Brotolinhos sabem! — Embora estivesse cheio de boa vontade ao dizer estas palavras, não havia emoção o bastante na voz do Brotolinho. Aquilo estava deixando os dois mais preocupados. — Se vocês não conseguem encontrar Domina, usem sua imaginação para encontrá-la.
Então, ele pôs suas mãos dentro de seu traje e pegou algo de dentro dele. — Aqui, usem isso. — Em suas mãos estavam vários blocos coloridos, com muitos formatos diferentes e distintos. Triângulos, retângulos, quadrados, círculos... — Esta é a vila de Domina.
Imu pegou os blocos, olhando para eles com cuidado. — ...isso é mesmo sério? — ela perguntou ao Tio, enquanto o Brotolinho começava a andar pelo terreno. — Ele realmente acha que esses brinquedos são uma vila?
— Bom, se cê construir certo, porque não seriam? — o garoto respondeu, e Toto franziu as sobrancelhas.
— Ah não, tio! Não vem com essa agora! — o rapaz retrucou, cruzando os braços. — Não tem como isso funcionar!
— Tudo bem, então. — O Tio deu de ombros. — Se não quiserem visitar essa vila, é só não montarem isso aí. Eu vou tirar uma soneca.
Aquilo surpreendeu os dois. — Ei, espera aí, tio! — Imu chamou, preocupada. — Você não pode estar falando sério!
— Falo sim. É algo super fácil de fazer. Só montem aí uma coisa qualquer e pronto. — Ele foi caminhando até a casa. — Pensem bem no que é uma vila, se forem montar. Afinal, cês não gostariam de ir pro lugar errado, né?
Os dois se olharam por alguns momentos, antes de verem os blocos coloridos, ainda nas mãos de Imu. Toto resmungou. — O tio tá bem esquisito hoje...
— Bom, ele quer que a gente monte alguma coisa com isso, né? Vamos ver no que vai dar. — A moça seguiu de volta para casa, seguida por Toto. Os dois foram para o último andar, onde os seus quartos ficavam, seguindo em direção a um baú que ficava entre as portas dos dois quartos.
— Esses blocos são bem grandes, né? Será que tem espaço aí? — o rapaz se perguntou, enquanto abria o baú. Dentro dele estava uma espécie de mapa, com várias marcas e cruzamentos, embora sem legenda nem sentido. A única coisa de interessante era a pequena caixa de correio montada no meio do mapa, num ponto em específico.
— Bom, eu acho que sim… mas não importa muito, né? — Imu respondeu, pondo os blocos no chão. — O tio disse pra gente montar uma vila. Não deve precisar de todos esses bloquinhos.
— Pode ser… — Os dois se sentaram próximos ao baú, cada um pegando alguns blocos. — Mas afinal… o que é uma ‘vila’, hein?
Autor(a): Soujiro Mafuné
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