Fanfics Brasil - 62 A Madiadora aya adaptada

Fanfic: A Madiadora aya adaptada | Tema: Ponny AyA


Capítulo: 62

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Capítulo 17


Dulce estava no meu quarto quando voltei da visita a Dunga. Mas Poncho e Spike tinham ido embora. O que para mim era ótimo.


— Ei — disse Dulce erguendo o olhar da unha do pé que estava pintando. — Aonde você foi?


Passei por ela e comecei a tirar as roupas com que tinha ido à escola.


— Ao quarto de Dunga. Olha, cubra a minha saída, certo? — Vesti uma calça jeans e comecei a amarrar as botas Timberland. — Vou dar uma volta. Só diga que estou na banheira. Vai ajudar se você deixar a água correr. Diga que é cólica outra vez.


— Eles vão começar a achar que você tem endometriose, ou sei lá o quê — Dulce ficou olhando enquanto eu enfiava pela cabeça uma blusa preta de gola rulê. — Aonde você vai de verdade?


— Sair — peguei o casaco que tinha usado na outra noite na praia. Desta fez enfiei um gorro no bolso, com as luvas.


— Ah, claro. Sair — Dulce balançou a cabeça, parecendo preocupada. — Any, você está bem?


— Claro que estou. Por quê?


— Você está com uma espécie de... bem, um olhar maluco.


— Estou legal. Eu descobri, só isso.


— Descobriu o quê? — Dulce pôs a tampa no vidro de esmalte e se levantou. — Any, do que você está falando?


— O que aconteceu hoje — subi no banco da janela. — Com a mangueira de freio. Foi Michael.


— Michael Meducci? — Gina me olhou como se eu estivesse pirada. — Any, tem certeza?


— Tanto quanto de que estou aqui falando com você.


— Mas por quê? Por que ele faria isso? Eu achava que ele estava apaixonado por você.


— Por mim, talvez — falei dando de ombros enquanto abria a janela ainda mais. — Mas o cara tem um tremendo ressentimento contra Brad.


— Brad? O que Brad fez contra Michael Meducci?


— Ficou parado e deixou a irmãzinha dele morrer. Bem, quase. Estou saindo, certo, Dulce? Explico tudo quando voltar.


Em seguida passei pela janela e desci no telhado da varanda. Lá fora estava escuro, frio e silencioso, a não ser pelo barulho dos grilos e o som distante das ondas batendo na praia. Ou seria o tráfego pela via expressa? Não dava para saber. Depois de prestar atenção por um minuto para ter certeza de que não havia ninguém lá embaixo para me ouvir, desci pelo telhado inclinado até a calha, onde me agachei, pronta para pular, sabendo que as agulhas de pinheiro no chão iriam suavizar a queda.


— Any! — Uma sombra bloqueou a luz que saía da janela do meu quarto.


Olhei por cima do ombro. Gina estava inclinada para fora, me olhando ansiosa.


— A gente não deveria... — Notei, em alguma parte distante da mente, que ela parecia apavorada. — Quero dizer, a gente não deveria chamar a polícia? Se esse negócio do Michael for verdade...


Encarei-a como se ela tivesse sugerido que eu... bem, pulasse da ponte Golden Gate.


— A polícia? De jeito nenhum. Isto é entre mim e Michael.


— Any... — Dulce balançou a cabeça e seus cachos parecidos com molas se sacudiram. — Isso é sério. Quero dizer, esse cara é um assassino. Eu acho mesmo que a gente deveria chamar os profissionais...


— Eu sou uma profissional — falei ofendida. — Sou mediadora, lembra?


Gina não pareceu reconfortada com essa informação.


— Mas... bem, o que você vai fazer, Any?


Dei um sorriso tranquilizador.


— Ah. Isso é fácil. Vou mostrar a ele o que acontece quando alguém tenta matar alguém de quem eu gosto.


E então pulei do teto para a escuridão.


 


 


 


Não consegui me obrigar a pegar o Land Rover. Ah, claro, eu estava perfeitamente disposta a cometer o que era praticamente um assassinato, mas dirigir sem carteira? De jeito nenhum!


Em vez disso peguei uma das muitas bicicletas de dez marchas que Andy havia colocado junto à parede da garagem. Alguns segundos depois estava voando morro abaixo, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Não porque estivesse chorando nem nada, mas porque o vento estava frio demais enquanto eu voava para o Vale.


Liguei para Michael de um telefone público perto do supermercado. Uma mulher mais velha – acho que a mãe dele – atendeu. Perguntei se podia falar com Michael. Ela disse “Sim, claro” daquele jeito agradável que as mães usam quando os filhos recebem o primeiro telefonema de alguém do sexo oposto. E eu conheço muito bem. Minha mãe usa a mesma voz sempre que um garoto me liga e ela atende. Não se pode culpá-la. Isso é muito raro de acontecer.


A Sra. Meducci deve ter dito a Michael que era uma garota, porque a voz dele soou muito mais profunda do que o normal quando disse alô.


— Michael? — falei, só para ter certeza de que era ele, e não seu pai.


— Any? — respondeu ele na voz normal. — Meu Deus, Any, estou tão feliz que é você! Recebeu meu recado? Devo ter ligado umas dez vezes. Acompanhei a ambulância até o hospital, mas não me deixaram entrar na emergência para ver você. Disseram que só se você fosse internada. E não foi, certo?


— Não. Estou ótima.


— Graças a Deus. Ah, Any, você não faz ideia de como fiquei apavorado quando ouvi a batida e percebi que era você...


— É — interrompi. — Foi de dar medo. Escuta, Michael, estou com outro tipo de dificuldade, e queria saber se você pode me ajudar.


— Você sabe que eu faria qualquer coisa por você, Any.


É. Tipo tentar matar meus meios-irmãos e minha melhor amiga.


— Eu estou a pé — falei. — No supermercado. É uma história meio longa. Imaginei se você poderia...


— Já estou indo — disse Michael. — Chego em três minutos.


E desligou.


Chegou em dois. Mal tive tempo de colocar a bicicleta entre dois latões de lixo atrás da loja antes de vê-lo chegar com seu sedã verde alugado, espiando pelas vitrines iluminadas do supermercado como se esperasse me ver lá dentro montando aquele estúpido cavalo mecânico, ou sei lá o quê. Aproximei-me do carro vinda do estacionamento e me inclinei para bater na janela do carona.


Michael girou bruscamente, espantado com o som. Ao ver que era eu, seu rosto – mais pálido do que nunca à luz fluorescente – relaxou. Ele se esticou e abriu a porta.


— Entre — disse animado. — Cara, você não sabe como fico feliz em ver que você está inteira.


— É? — Entrei no banco do carona e bati a porta. — Bem, eu também. Quero dizer, me sinto feliz por estar inteira Haha.


— Haha — o riso de Michael, em vez de sarcástico como o meu, foi nervoso.


Ou pelo menos optei por achar isso.


— Bem — disse ele enquanto ficamos parados diante do supermercado, com o motor ligado. — Quer que eu leve você... hã... para casa?


— Não.


Virei a cabeça para olhá-lo.


Você pode estar imaginando o que eu estava pensando num momento daqueles. Quero dizer, o que se passa na cabeça de uma pessoa quando sabe que está para fazer uma coisa que pode resultar na morte de outra?


Bem, vou contar. Não muita coisa. Eu estava pensando que o carro alugado de Michael tinha um cheiro curioso. Estava imaginando se a última pessoa que o havia usado tinha derramado alguma colônia dentro, ou sei lá o quê.


Então percebi que o cheiro de colônia vinha do próprio Michael.


Aparentemente, ele havia borrifado um pouco de Carolina Herrera For Men antes de vir me pegar. Que lisonjeiro!


— Tenho uma ideia — falei, como se só tivesse pensado nisso na hora. — Vamos ao Ponto.


As mãos de Michael caíram do volante. Ele se apressou em ajeitá-las, colocando-as na posição dez para as duas, como bom motorista que era.


— O quê?


— Ao Ponto.


Achei que talvez eu não estivesse sendo suficientemente sedutora, ou sei lá o quê. Por isso estendi a mão e a pus em seu braço. Ele estava usando uma jaqueta de veludo. Embaixo dos meus dedos o veludo era muito macio, e embaixo do veludo os bíceps de Michael estavam rígidos e redondos como os de Dunga.


— Você sabe — falei. — Por causa da vista. Está uma noite linda.


Michael não perdeu mais tempo. Engrenou o carro e começou a sair do estacionamento antes que eu tivesse tempo de tirar a mão.


— Fantástico — disse ele com a voz talvez um pouco insegura, por isso pigarreou e continuou com um pouquinho mais de dignidade: — Quero dizer, é uma ideia legal.


Alguns segundos depois, seguíamos pela Estrada Pacific Coast. Eram apenas umas dez horas, mas não havia muitos outros carros na estrada. Afinal de contas, era uma noite de meio de semana. Imaginei se a mãe de Michael, antes de ele ter saído de casa, tinha dito para ele voltar num determinado horário.


Imaginei que, quando o filho não aparecesse na hora marcada, ela iria se preocupar. Quanto tempo esperaria antes de ligar para a polícia? Para a emergência dos hospitais?


— Então ninguém se machucou de verdade, não foi? — perguntou Michael. — No acidente.


— Não. Ninguém se machucou.


— Isso é bom.


— É? — Fingi estar olhando pela janela do carona. Mas na verdade estava olhando o reflexo de Michael.


— O que você quer dizer? — perguntou ele rapidamente.


Dei de ombros.


— Não sei. É só que... bem, você sabe. Brad.


— Ah — ele deu um risinho. Mas não havia nenhum humor verdadeiro. — É. Brad.


— Quero dizer, eu tento me dar bem com ele. Mas é tão difícil. Porque algumas vezes o Brad consegue ser um tremendo babaca.


— Dá para imaginar — disse Michael. Em tom bastante afável, pensei.


Virei-me no banco de modo a estar quase de frente para ele.


— Tipo, sabe o que ele disse esta noite? — perguntei. Sem esperar resposta, fui em frente: — Disse que estava naquela festa. Aquela em que sua irmã caiu. Você sabe. Na piscina.


Não creio que tenha sido minha imaginação. Michael apertou o volante com mais força.


— Verdade?


— É. E você devia ter ouvido o que ele falou sobre isso.


De perfil para mim, o rosto de Michael estava sério.


— O quê?


Brinquei com o cinto de segurança preso em volta do meu corpo.


— Não. Eu não deveria contar.


— Não, verdade — disse Michael. — Eu gostaria de saber.


— Mas é maldoso demais.


— Diga o que ele falou — a voz de Michael estava muito calma.


— Bem. Certo. Ele basicamente disse... e não foi tão sucinto assim, porque, como você sabe, ele é praticamente incapaz de formar frases completas. Mas basicamente falou que sua irmã teve o que merecia porque, para começar, não deveria ter ido àquela festa. Disse que ela não foi convidada. Que só pessoas populares deveriam estar lá. Dá para acreditar?


Michael ultrapassou cuidadosamente uma picape.


— Dá — respondeu em voz baixa. — Na verdade dá.


— Quero dizer, pessoas populares. Ele realmente disse isso. Pessoas populares — balancei a cabeça. — E o que define popular? É o que eu gostaria de saber. Quer dizer, por que sua irmã não era popular? Porque não era atleta? Não era líder de torcida? Não tinha as roupas certas? O quê?


— Todas essas coisas — disse Michael na mesma voz baixa.


— Como se alguma dessas coisas importasse. Como se ser inteligente, compassiva e gentil com os outros não contasse para nada. Não, só o que importa é se você é amiga das pessoas certas.


— Infelizmente isso é o que geralmente acontece.


— Bem, eu acho besteira. E falei isso. Ao Brad. Falei tipo: “Então todos vocês ficaram ali parados enquanto a garota quase morria porque ninguém a convidou?” Ele negou isso, claro. Mas você sabe que é verdade.


— É — disse Michael. Agora estávamos passando por Big Sur, com a estrada se estreitando ao mesmo tempo em que ficava mais escura. — Sei. Se minha irmã fosse... bem, Kelly Prescott, por exemplo, alguém iria tirá-la imediatamente, em vez de ficar rindo enquanto ela se afogava.


Era difícil ver a expressão dele, já que não havia lua. A única luz era o brilho do painel de instrumentos.


Michael parecia doentio, e não somente porque a luz era esverdeada.


— Foi isso que aconteceu? — perguntei a ele. — As pessoas fizeram isso? Riram enquanto ela se afogava?


Ele assentiu.


— Foi o que um dos caras da emergência disse à polícia. Todo mundo achou que ela estava fingindo — ele soltou um riso sem humor. — Minha irmã... só queria isso, sabe? Ser popular. Ser como eles. E eles ficaram ali parados. Só ficaram rindo enquanto ela se afogava.


— Bem — falei. — Ouvi dizer que todo mundo estava bastante bêbado.


Inclusive sua irmã, pensei, mas não falei alto.


— Isso não é desculpa. Mas, claro, ninguém fez nada a respeito. A garota que deu a festa... os pais dela receberam uma multa. Só isso. Minha irmã pode nunca mais acordar, e eles só receberam uma multa.


Vi que tínhamos chegado à curva do ponto de observação. Michael buzinou antes de virar. Não havia ninguém do outro lado. Ele entrou facilmente no estacionamento mas não desligou a ignição. Em vez disso ficou parado, olhando para o negrume que era o mar e o céu.


Fui eu que estendi a mão e desliguei o motor. A luz do painel se apagou um segundo depois, mergulhando-nos na escuridão absoluta.


— Então — falei.


O silêncio no carro era ensurdecedor. Não havia veículos na estrada atrás de nós. Se eu abrisse a janela, sabia que os sons do vento e das ondas entrariam num jorro. Em vez disso continuei parada.


Lentamente, a escuridão em volta do carro ficou menos completa. À medida que meus olhos se acostumavam, pude até mesmo ver o horizonte onde o céu preto se encontrava com o mar mais preto ainda.


Michael virou a cabeça.


— Foi Carrie Whitman — disse ele. — A garota que deu a festa.


Assenti, sem afastar o olhar do horizonte.


— Eu sei.


— Carrie Whitman — repetiu ele. — Carrie Whitman estava naquele carro. O que voou pelo penhasco na noite de sábado.


— Quer dizer — falei em voz baixa — o carro que você empurrou pelo penhasco na noite de sábado.


A cabeça de Michael não se moveu. Olhei para ele mas não pude ver sua expressão.


No entanto pude ouvir a resignação na voz.


— Você sabe — era uma declaração, e não uma pergunta. — Eu achei que talvez soubesse.


— Quer dizer, depois de hoje? — Soltei o cinto de segurança. — Quando você quase me matou?


— Sinto muito — ele baixou a cabeça e finalmente pude ver seus olhos. Estavam cheios de lágrimas. — Any, não sei como é que eu...


— Não houve nenhum seminário sobre vida extraterrestre naquele instituto, houve? — Encarei-o. — Quero dizer, no sábado passado. Você veio até aqui e afrouxou os parafusos da grade de proteção. Depois ficou sentado esperando por eles. Você sabia que eles viriam para cá depois do baile. Sabia que eles viriam, e esperou. E quando ouviu aquela buzina estúpida, bateu neles. Empurrou o carro pela lateral do penhasco. E fez isso a sangue frio.


Então Michael fez uma coisa surpreendente. Estendeu a mão e tocou meu cabelo no ponto em que ele se enrolava saindo do gorro de tricô que eu estava usando.


— Eu sabia que você iria entender — disse ele. — Desde o momento em que te vi, soube que, de todo mundo, seria a única a entender.


Senti vontade de vomitar. De verdade. Ele não sacou. Não sacou absolutamente nada. Quero dizer, será que o cara nem pensou na mãe? Em sua pobre mãe que tinha ficado tão empolgada porque uma garota ligou para ele? Na mãe que já estava com uma filha no hospital? Não tinha pensado em como a mãe iria se sentir quando ficasse claro que seu único filho era um assassino? Não tinha pensado nem um pouco nisso?


Talvez tivesse. Talvez tivesse pensado que ela ficaria satisfeita. Porque tinha vingado o que aconteceu com a irmã. Bem, quase. Ainda havia algumas pontas soltas na forma de Brad... e de todos os outros que tinham estado na festa, acho. Quero dizer, por que parar no Brad? Imaginei como ele havia conseguido a lista de convidados, e se pretendia matar todos ou apenas alguns poucos escolhidos.


— Mas como você soube? — perguntou ele no que eu acho que pretendia ser sua voz mais suave. Mas que só me deu mais vontade ainda de vomitar. — Sobre a grade de proteção. E sobre a buzina do carro deles. Isso não saiu nos jornais.


— Como soube? — Afastei a cabeça do alcance de Michael. — Eles me contaram.


Michael pareceu meio magoado por eu afastar a cabeça.


— Eles contaram? Quem?


— Carrie. E Josh, Felicia e Mark. O pessoal que você matou.


Sua expressão magoada ficou diferente. Passou de confusa a espantada, depois a cínica, tudo em questão de segundos.


— Ah — disse ele com um risinho. — Certo. Os fantasmas. Você tentou me alertar sobre eles antes, não foi? Na verdade, aqui mesmo.


Só fiquei olhando para ele.


— Ria o quanto quiser. Mas o fato, Michael, é que eles já estão querendo matar você há um tempo. E depois do que você fez hoje com o Rambler, estou pensando seriamente em deixar.


Michael parou de rir.


— Any. Fora sua estranha fixação com o mundo espiritual, eu lhe disse: hoje foi um acidente. Você não deveria estar naquele carro. Deveria ir para casa comigo. Era o Brad. Era o Brad que eu queria morto, e não você.


— E quanto ao David? Meu irmão mais novo? Ele tem doze anos, Michael. E estava naquele carro. Você queria o David morto também? E Jake? Jake provavelmente estava entregando pizzas na noite em que sua irmã se machucou. Será que ele deveria morrer pelo que aconteceu com ela? Ou minha amiga Dulce? Acha que ela merece morrer também, mesmo nunca tendo ido a uma festa no Vale?


O rosto de Michael estava branco de encontro aos pedaços do céu que dava para ver pela janela atrás de sua cabeça.


— Eu não queria machucar ninguém — falou em voz inexpressiva. — Quero dizer, ninguém a não ser o culpado.


— Bom, você não fez um bom trabalho. Na verdade fez um péssimo trabalho. Fez uma tremenda besteira. E sabe por quê?


Vi suas pálpebras se estreitarem por trás dos óculos.


— Acho que estou começando a perceber.


— Porque tentou matar algumas pessoas de quem, por acaso, eu gosto — engoli em seco. Alguma coisa dura, que doía, estava crescendo na minha garganta. — E é por isso, Michael, que a coisa vai parar. Aqui. Agora.


Ele continuou a me encarar com as pálpebras apertadas.


— Ah — falou na mesma voz inexpressiva. — Vai parar mesmo. Acredite em mim.


Eu sabia onde ele queria chegar. Quase ri. Se não fosse o calombo doloroso na garganta, teria rido.


— Michael. Nem tente. Você não sabe com quem está mexendo.


— Não — disse ele em voz baixa. — Acho que não sei, não é? Pensei que você era diferente. Pensei que, dentre todo mundo na escola, você poderia ver as coisas pelo meu ponto de vista. Mas agora dá para notar que é apenas como todos os outros.


— Você não faz ideia do quanto eu gostaria de ser.


— Sinto muito, Any — disse Michael soltando seu cinto de segurança. — Eu realmente achei que nós poderíamos ser... amigos, pelo menos. Mas estou tendo a nítida impressão de que você não aprova o que andei fazendo. Ainda que ninguém, ninguém, vá sentir falta daquelas pessoas. Elas realmente eram um desperdício de espaço, Any. Não tinham nada de importante para contribuir. Quero dizer, olhe só o Brad. Seria uma tragédia tão grande se ele simplesmente deixasse de existir?


— Seria, para o pai dele — falei.


Michael deu de ombros.


— Acho que seria. Mesmo assim creio que o mundo seria um lugar melhor sem todos os Josh Saunders e Brad Ackermans. — Ele sorriu para mim. Mas não havia nada de caloroso naquele sorriso. — Mas você discorda, dá para ver. Parece até que está pensando em tentar me impedir. E realmente não posso admitir isso.


— Então o que você vai fazer? — Dei-lhe um olhar muito sarcástico. — Me matar?


Então ele estalou os nós dos dedos. Será que posso dizer que achei isso bem arrepiante? Bem, fora o fato de que estalar os nós dos dedos na frente de alguém é arrepiante, esse gesto foi especialmente perturbador porque atraiu minha atenção para o fato de que as mãos de Michael eram bem grandes, e estavam ligadas àqueles braços que, pelo que eu me lembrava da tarde na praia, eram notavelmente musculosos e cheios de cartilagens grossas. Eu não sou exatamente uma flor delicada, mas mãos ligadas a um par de braços daqueles podiam causar sérios danos a uma garota como eu.


— Acho que você não me deixou muita escolha, não é? — Michael replicou.


Ah, claro. Por que não culpar a vítima?


Não sei se falei as palavras em voz alta ou se simplesmente pensei. Só soube que um segundo depois que pensei/falei “Esta seria uma boa hora para Josh e seus amigos aparecerem”, Josh Saunders, Carrie Whitman, Mark Pulsford e Felicia Bruce apareceram, parados no cascalho ao lado da porta do carona.


Ficaram ali piscando por um segundo, como se não soubessem o que tinha acontecido. Depois olharam para além de mim, para o garoto atrás do volante.


E foi então que o inferno se abriu ao meio.


Capítulo 17


Dulce estava no meu quarto quando voltei da visita a Dunga. Mas Poncho e Spike tinham ido embora. O que para mim era ótimo.


— Ei — disse Dulce erguendo o olhar da unha do pé que estava pintando. — Aonde você foi?


Passei por ela e comecei a tirar as roupas com que tinha ido à escola.


— Ao quarto de Dunga. Olha, cubra a minha saída, certo? — Vesti uma calça jeans e comecei a amarrar as botas Timberland. — Vou dar uma volta. Só diga que estou na banheira. Vai ajudar se você deixar a água correr. Diga que é cólica outra vez.


— Eles vão começar a achar que você tem endometriose, ou sei lá o quê — Dulce ficou olhando enquanto eu enfiava pela cabeça uma blusa preta de gola rulê. — Aonde você vai de verdade?


— Sair — peguei o casaco que tinha usado na outra noite na praia. Desta fez enfiei um gorro no bolso, com as luvas.


— Ah, claro. Sair — Dulce balançou a cabeça, parecendo preocupada. — Any, você está bem?


— Claro que estou. Por quê?


— Você está com uma espécie de... bem, um olhar maluco.


— Estou legal. Eu descobri, só isso.


— Descobriu o quê? — Dulce pôs a tampa no vidro de esmalte e se levantou. — Any, do que você está falando?


— O que aconteceu hoje — subi no banco da janela. — Com a mangueira de freio. Foi Michael.


— Michael Meducci? — Gina me olhou como se eu estivesse pirada. — Any, tem certeza?


— Tanto quanto de que estou aqui falando com você.


— Mas por quê? Por que ele faria isso? Eu achava que ele estava apaixonado por você.


— Por mim, talvez — falei dando de ombros enquanto abria a janela ainda mais. — Mas o cara tem um tremendo ressentimento contra Brad.


— Brad? O que Brad fez contra Michael Meducci?


— Ficou parado e deixou a irmãzinha dele morrer. Bem, quase. Estou saindo, certo, Dulce? Explico tudo quando voltar.


Em seguida passei pela janela e desci no telhado da varanda. Lá fora estava escuro, frio e silencioso, a não ser pelo barulho dos grilos e o som distante das ondas batendo na praia. Ou seria o tráfego pela via expressa? Não dava para saber. Depois de prestar atenção por um minuto para ter certeza de que não havia ninguém lá embaixo para me ouvir, desci pelo telhado inclinado até a calha, onde me agachei, pronta para pular, sabendo que as agulhas de pinheiro no chão iriam suavizar a queda.


— Any! — Uma sombra bloqueou a luz que saía da janela do meu quarto.


Olhei por cima do ombro. Gina estava inclinada para fora, me olhando ansiosa.


— A gente não deveria... — Notei, em alguma parte distante da mente, que ela parecia apavorada. — Quero dizer, a gente não deveria chamar a polícia? Se esse negócio do Michael for verdade...


Encarei-a como se ela tivesse sugerido que eu... bem, pulasse da ponte Golden Gate.


— A polícia? De jeito nenhum. Isto é entre mim e Michael.


— Any... — Dulce balançou a cabeça e seus cachos parecidos com molas se sacudiram. — Isso é sério. Quero dizer, esse cara é um assassino. Eu acho mesmo que a gente deveria chamar os profissionais...


— Eu sou uma profissional — falei ofendida. — Sou mediadora, lembra?


Gina não pareceu reconfortada com essa informação.


— Mas... bem, o que você vai fazer, Any?


Dei um sorriso tranquilizador.


— Ah. Isso é fácil. Vou mostrar a ele o que acontece quando alguém tenta matar alguém de quem eu gosto.


E então pulei do teto para a escuridão.


 


 


 


Não consegui me obrigar a pegar o Land Rover. Ah, claro, eu estava perfeitamente disposta a cometer o que era praticamente um assassinato, mas dirigir sem carteira? De jeito nenhum!


Em vez disso peguei uma das muitas bicicletas de dez marchas que Andy havia colocado junto à parede da garagem. Alguns segundos depois estava voando morro abaixo, com lágrimas escorrendo pelo rosto. Não porque estivesse chorando nem nada, mas porque o vento estava frio demais enquanto eu voava para o Vale.


Liguei para Michael de um telefone público perto do supermercado. Uma mulher mais velha – acho que a mãe dele – atendeu. Perguntei se podia falar com Michael. Ela disse “Sim, claro” daquele jeito agradável que as mães usam quando os filhos recebem o primeiro telefonema de alguém do sexo oposto. E eu conheço muito bem. Minha mãe usa a mesma voz sempre que um garoto me liga e ela atende. Não se pode culpá-la. Isso é muito raro de acontecer.


A Sra. Meducci deve ter dito a Michael que era uma garota, porque a voz dele soou muito mais profunda do que o normal quando disse alô.


— Michael? — falei, só para ter certeza de que era ele, e não seu pai.


— Any? — respondeu ele na voz normal. — Meu Deus, Any, estou tão feliz que é você! Recebeu meu recado? Devo ter ligado umas dez vezes. Acompanhei a ambulância até o hospital, mas não me deixaram entrar na emergência para ver você. Disseram que só se você fosse internada. E não foi, certo?


— Não. Estou ótima.


— Graças a Deus. Ah, Any, você não faz ideia de como fiquei apavorado quando ouvi a batida e percebi que era você...


— É — interrompi. — Foi de dar medo. Escuta, Michael, estou com outro tipo de dificuldade, e queria saber se você pode me ajudar.


— Você sabe que eu faria qualquer coisa por você, Any.


É. Tipo tentar matar meus meios-irmãos e minha melhor amiga.


— Eu estou a pé — falei. — No supermercado. É uma história meio longa. Imaginei se você poderia...


— Já estou indo — disse Michael. — Chego em três minutos.


E desligou.


Chegou em dois. Mal tive tempo de colocar a bicicleta entre dois latões de lixo atrás da loja antes de vê-lo chegar com seu sedã verde alugado, espiando pelas vitrines iluminadas do supermercado como se esperasse me ver lá dentro montando aquele estúpido cavalo mecânico, ou sei lá o quê. Aproximei-me do carro vinda do estacionamento e me inclinei para bater na janela do carona.


Michael girou bruscamente, espantado com o som. Ao ver que era eu, seu rosto – mais pálido do que nunca à luz fluorescente – relaxou. Ele se esticou e abriu a porta.


— Entre — disse animado. — Cara, você não sabe como fico feliz em ver que você está inteira.


— É? — Entrei no banco do carona e bati a porta. — Bem, eu também. Quero dizer, me sinto feliz por estar inteira Haha.


— Haha — o riso de Michael, em vez de sarcástico como o meu, foi nervoso.


Ou pelo menos optei por achar isso.


— Bem — disse ele enquanto ficamos parados diante do supermercado, com o motor ligado. — Quer que eu leve você... hã... para casa?


— Não.


Virei a cabeça para olhá-lo.


Você pode estar imaginando o que eu estava pensando num momento daqueles. Quero dizer, o que se passa na cabeça de uma pessoa quando sabe que está para fazer uma coisa que pode resultar na morte de outra?


Bem, vou contar. Não muita coisa. Eu estava pensando que o carro alugado de Michael tinha um cheiro curioso. Estava imaginando se a última pessoa que o havia usado tinha derramado alguma colônia dentro, ou sei lá o quê.


Então percebi que o cheiro de colônia vinha do próprio Michael.


Aparentemente, ele havia borrifado um pouco de Carolina Herrera For Men antes de vir me pegar. Que lisonjeiro!


— Tenho uma ideia — falei, como se só tivesse pensado nisso na hora. — Vamos ao Ponto.


As mãos de Michael caíram do volante. Ele se apressou em ajeitá-las, colocando-as na posição dez para as duas, como bom motorista que era.


— O quê?


— Ao Ponto.


Achei que talvez eu não estivesse sendo suficientemente sedutora, ou sei lá o quê. Por isso estendi a mão e a pus em seu braço. Ele estava usando uma jaqueta de veludo. Embaixo dos meus dedos o veludo era muito macio, e embaixo do veludo os bíceps de Michael estavam rígidos e redondos como os de Dunga.


— Você sabe — falei. — Por causa da vista. Está uma noite linda.


Michael não perdeu mais tempo. Engrenou o carro e começou a sair do estacionamento antes que eu tivesse tempo de tirar a mão.


— Fantástico — disse ele com a voz talvez um pouco insegura, por isso pigarreou e continuou com um pouquinho mais de dignidade: — Quero dizer, é uma ideia legal.


Alguns segundos depois, seguíamos pela Estrada Pacific Coast. Eram apenas umas dez horas, mas não havia muitos outros carros na estrada. Afinal de contas, era uma noite de meio de semana. Imaginei se a mãe de Michael, antes de ele ter saído de casa, tinha dito para ele voltar num determinado horário.


Imaginei que, quando o filho não aparecesse na hora marcada, ela iria se preocupar. Quanto tempo esperaria antes de ligar para a polícia? Para a emergência dos hospitais?


— Então ninguém se machucou de verdade, não foi? — perguntou Michael. — No acidente.


— Não. Ninguém se machucou.


— Isso é bom.


— É? — Fingi estar olhando pela janela do carona. Mas na verdade estava olhando o reflexo de Michael.


— O que você quer dizer? — perguntou ele rapidamente.


Dei de ombros.


— Não sei. É só que... bem, você sabe. Brad.


— Ah — ele deu um risinho. Mas não havia nenhum humor verdadeiro. — É. Brad.


— Quero dizer, eu tento me dar bem com ele. Mas é tão difícil. Porque algumas vezes o Brad consegue ser um tremendo babaca.


— Dá para imaginar — disse Michael. Em tom bastante afável, pensei.


Virei-me no banco de modo a estar quase de frente para ele.


— Tipo, sabe o que ele disse esta noite? — perguntei. Sem esperar resposta, fui em frente: — Disse que estava naquela festa. Aquela em que sua irmã caiu. Você sabe. Na piscina.


Não creio que tenha sido minha imaginação. Michael apertou o volante com mais força.


— Verdade?


— É. E você devia ter ouvido o que ele falou sobre isso.


De perfil para mim, o rosto de Michael estava sério.


— O quê?


Brinquei com o cinto de segurança preso em volta do meu corpo.


— Não. Eu não deveria contar.


— Não, verdade — disse Michael. — Eu gostaria de saber.


— Mas é maldoso demais.


— Diga o que ele falou — a voz de Michael estava muito calma.


— Bem. Certo. Ele basicamente disse... e não foi tão sucinto assim, porque, como você sabe, ele é praticamente incapaz de formar frases completas. Mas basicamente falou que sua irmã teve o que merecia porque, para começar, não deveria ter ido àquela festa. Disse que ela não foi convidada. Que só pessoas populares deveriam estar lá. Dá para acreditar?


Michael ultrapassou cuidadosamente uma picape.


— Dá — respondeu em voz baixa. — Na verdade dá.


— Quero dizer, pessoas populares. Ele realmente disse isso. Pessoas populares — balancei a cabeça. — E o que define popular? É o que eu gostaria de saber. Quer dizer, por que sua irmã não era popular? Porque não era atleta? Não era líder de torcida? Não tinha as roupas certas? O quê?


— Todas essas coisas — disse Michael na mesma voz baixa.


— Como se alguma dessas coisas importasse. Como se ser inteligente, compassiva e gentil com os outros não contasse para nada. Não, só o que importa é se você é amiga das pessoas certas.


— Infelizmente isso é o que geralmente acontece.


— Bem, eu acho besteira. E falei isso. Ao Brad. Falei tipo: “Então todos vocês ficaram ali parados enquanto a garota quase morria porque ninguém a convidou?” Ele negou isso, claro. Mas você sabe que é verdade.


— É — disse Michael. Agora estávamos passando por Big Sur, com a estrada se estreitando ao mesmo tempo em que ficava mais escura. — Sei. Se minha irmã fosse... bem, Kelly Prescott, por exemplo, alguém iria tirá-la imediatamente, em vez de ficar rindo enquanto ela se afogava.


Era difícil ver a expressão dele, já que não havia lua. A única luz era o brilho do painel de instrumentos.


Michael parecia doentio, e não somente porque a luz era esverdeada.


— Foi isso que aconteceu? — perguntei a ele. — As pessoas fizeram isso? Riram enquanto ela se afogava?


Ele assentiu.


— Foi o que um dos caras da emergência disse à polícia. Todo mundo achou que ela estava fingindo — ele soltou um riso sem humor. — Minha irmã... só queria isso, sabe? Ser popular. Ser como eles. E eles ficaram ali parados. Só ficaram rindo enquanto ela se afogava.


— Bem — falei. — Ouvi dizer que todo mundo estava bastante bêbado.


Inclusive sua irmã, pensei, mas não falei alto.


— Isso não é desculpa. Mas, claro, ninguém fez nada a respeito. A garota que deu a festa... os pais dela receberam uma multa. Só isso. Minha irmã pode nunca mais acordar, e eles só receberam uma multa.


Vi que tínhamos chegado à curva do ponto de observação. Michael buzinou antes de virar. Não havia ninguém do outro lado. Ele entrou facilmente no estacionamento mas não desligou a ignição. Em vez disso ficou parado, olhando para o negrume que era o mar e o céu.


Fui eu que estendi a mão e desliguei o motor. A luz do painel se apagou um segundo depois, mergulhando-nos na escuridão absoluta.


— Então — falei.


O silêncio no carro era ensurdecedor. Não havia veículos na estrada atrás de nós. Se eu abrisse a janela, sabia que os sons do vento e das ondas entrariam num jorro. Em vez disso continuei parada.


Lentamente, a escuridão em volta do carro ficou menos completa. À medida que meus olhos se acostumavam, pude até mesmo ver o horizonte onde o céu preto se encontrava com o mar mais preto ainda.


Michael virou a cabeça.


— Foi Carrie Whitman — disse ele. — A garota que deu a festa.


Assenti, sem afastar o olhar do horizonte.


— Eu sei.


— Carrie Whitman — repetiu ele. — Carrie Whitman estava naquele carro. O que voou pelo penhasco na noite de sábado.


— Quer dizer — falei em voz baixa — o carro que você empurrou pelo penhasco na noite de sábado.


A cabeça de Michael não se moveu. Olhei para ele mas não pude ver sua expressão.


No entanto pude ouvir a resignação na voz.


— Você sabe — era uma declaração, e não uma pergunta. — Eu achei que talvez soubesse.


— Quer dizer, depois de hoje? — Soltei o cinto de segurança. — Quando você quase me matou?


— Sinto muito — ele baixou a cabeça e finalmente pude ver seus olhos. Estavam cheios de lágrimas. — Any, não sei como é que eu...


— Não houve nenhum seminário sobre vida extraterrestre naquele instituto, houve? — Encarei-o. — Quero dizer, no sábado passado. Você veio até aqui e afrouxou os parafusos da grade de proteção. Depois ficou sentado esperando por eles. Você sabia que eles viriam para cá depois do baile. Sabia que eles viriam, e esperou. E quando ouviu aquela buzina estúpida, bateu neles. Empurrou o carro pela lateral do penhasco. E fez isso a sangue frio.


Então Michael fez uma coisa surpreendente. Estendeu a mão e tocou meu cabelo no ponto em que ele se enrolava saindo do gorro de tricô que eu estava usando.


— Eu sabia que você iria entender — disse ele. — Desde o momento em que te vi, soube que, de todo mundo, seria a única a entender.


Senti vontade de vomitar. De verdade. Ele não sacou. Não sacou absolutamente nada. Quero dizer, será que o cara nem pensou na mãe? Em sua pobre mãe que tinha ficado tão empolgada porque uma garota ligou para ele? Na mãe que já estava com uma filha no hospital? Não tinha pensado em como a mãe iria se sentir quando ficasse claro que seu único filho era um assassino? Não tinha pensado nem um pouco nisso?


Talvez tivesse. Talvez tivesse pensado que ela ficaria satisfeita. Porque tinha vingado o que aconteceu com a irmã. Bem, quase. Ainda havia algumas pontas soltas na forma de Brad... e de todos os outros que tinham estado na festa, acho. Quero dizer, por que parar no Brad? Imaginei como ele havia conseguido a lista de convidados, e se pretendia matar todos ou apenas alguns poucos escolhidos.


— Mas como você soube? — perguntou ele no que eu acho que pretendia ser sua voz mais suave. Mas que só me deu mais vontade ainda de vomitar. — Sobre a grade de proteção. E sobre a buzina do carro deles. Isso não saiu nos jornais.


— Como soube? — Afastei a cabeça do alcance de Michael. — Eles me contaram.


Michael pareceu meio magoado por eu afastar a cabeça.


— Eles contaram? Quem?


— Carrie. E Josh, Felicia e Mark. O pessoal que você matou.


Sua expressão magoada ficou diferente. Passou de confusa a espantada, depois a cínica, tudo em questão de segundos.


— Ah — disse ele com um risinho. — Certo. Os fantasmas. Você tentou me alertar sobre eles antes, não foi? Na verdade, aqui mesmo.


Só fiquei olhando para ele.


— Ria o quanto quiser. Mas o fato, Michael, é que eles já estão querendo matar você há um tempo. E depois do que você fez hoje com o Rambler, estou pensando seriamente em deixar.


Michael parou de rir.


— Any. Fora sua estranha fixação com o mundo espiritual, eu lhe disse: hoje foi um acidente. Você não deveria estar naquele carro. Deveria ir para casa comigo. Era o Brad. Era o Brad que eu queria morto, e não você.


— E quanto ao David? Meu irmão mais novo? Ele tem doze anos, Michael. E estava naquele carro. Você queria o David morto também? E Jake? Jake provavelmente estava entregando pizzas na noite em que sua irmã se machucou. Será que ele deveria morrer pelo que aconteceu com ela? Ou minha amiga Dulce? Acha que ela merece morrer também, mesmo nunca tendo ido a uma festa no Vale?


O rosto de Michael estava branco de encontro aos pedaços do céu que dava para ver pela janela atrás de sua cabeça.


— Eu não queria machucar ninguém — falou em voz inexpressiva. — Quero dizer, ninguém a não ser o culpado.


— Bom, você não fez um bom trabalho. Na verdade fez um péssimo trabalho. Fez uma tremenda besteira. E sabe por quê?


Vi suas pálpebras se estreitarem por trás dos óculos.


— Acho que estou começando a perceber.


— Porque tentou matar algumas pessoas de quem, por acaso, eu gosto — engoli em seco. Alguma coisa dura, que doía, estava crescendo na minha garganta. — E é por isso, Michael, que a coisa vai parar. Aqui. Agora.


Ele continuou a me encarar com as pálpebras apertadas.


— Ah — falou na mesma voz inexpressiva. — Vai parar mesmo. Acredite em mim.


Eu sabia onde ele queria chegar. Quase ri. Se não fosse o calombo doloroso na garganta, teria rido.


— Michael. Nem tente. Você não sabe com quem está mexendo.


— Não — disse ele em voz baixa. — Acho que não sei, não é? Pensei que você era diferente. Pensei que, dentre todo mundo na escola, você poderia ver as coisas pelo meu ponto de vista. Mas agora dá para notar que é apenas como todos os outros.


— Você não faz ideia do quanto eu gostaria de ser.


— Sinto muito, Any — disse Michael soltando seu cinto de segurança. — Eu realmente achei que nós poderíamos ser... amigos, pelo menos. Mas estou tendo a nítida impressão de que você não aprova o que andei fazendo. Ainda que ninguém, ninguém, vá sentir falta daquelas pessoas. Elas realmente eram um desperdício de espaço, Any. Não tinham nada de importante para contribuir. Quero dizer, olhe só o Brad. Seria uma tragédia tão grande se ele simplesmente deixasse de existir?


— Seria, para o pai dele — falei.


Michael deu de ombros.


— Acho que seria. Mesmo assim creio que o mundo seria um lugar melhor sem todos os Josh Saunders e Brad Ackermans. — Ele sorriu para mim. Mas não havia nada de caloroso naquele sorriso. — Mas você discorda, dá para ver. Parece até que está pensando em tentar me impedir. E realmente não posso admitir isso.


— Então o que você vai fazer? — Dei-lhe um olhar muito sarcástico. — Me matar?


Então ele estalou os nós dos dedos. Será que posso dizer que achei isso bem arrepiante? Bem, fora o fato de que estalar os nós dos dedos na frente de alguém é arrepiante, esse gesto foi especialmente perturbador porque atraiu minha atenção para o fato de que as mãos de Michael eram bem grandes, e estavam ligadas àqueles braços que, pelo que eu me lembrava da tarde na praia, eram notavelmente musculosos e cheios de cartilagens grossas. Eu não sou exatamente uma flor delicada, mas mãos ligadas a um par de braços daqueles podiam causar sérios danos a uma garota como eu.


— Acho que você não me deixou muita escolha, não é? — Michael replicou.


Ah, claro. Por que não culpar a vítima?


Não sei se falei as palavras em voz alta ou se simplesmente pensei. Só soube que um segundo depois que pensei/falei “Esta seria uma boa hora para Josh e seus amigos aparecerem”, Josh Saunders, Carrie Whitman, Mark Pulsford e Felicia Bruce apareceram, parados no cascalho ao lado da porta do carona.


Ficaram ali piscando por um segundo, como se não soubessem o que tinha acontecido. Depois olharam para além de mim, para o garoto atrás do volante.


E foi então que o inferno se abriu ao meio.



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Autor(a): ponnymym

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Capítulo 18 Era isso que eu pretendia que acontecesse o tempo todo? Não sei. Certamente houvera um momento no quarto de Dunga em que fui tomada por uma espécie de fúria. Foi a fúria, e não os pedais da bicicleta, que me levou para o Vale, e foi a fúria que me fez colocar uma moeda naquele telefone público e ligar para ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 39



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  • maryangel Postado em 20/03/2015 - 17:15:12

    Continuaaaaa! Amooo essa fic, leio á muito tempo e é uma das minhas prediletas.

  • colucciwake Postado em 19/08/2014 - 19:51:29

    Continua pf eu n tive muito tempo essa semana e entro sempre que posso :)

  • colucciwake Postado em 08/08/2014 - 23:34:49

    ñ exclui ññññññnññññ ;~continua pf

  • bedlens Postado em 08/08/2014 - 19:59:56

    NÃOOOOOOOOOO!!! NÃO EXCLUA, POR FAVOR!!! EU AMO ESSA FIC <3

  • bedlens Postado em 04/08/2014 - 20:41:01

    Pressinto fortes emoções... POSTE MAAAAIS

  • bedlens Postado em 30/07/2014 - 21:55:04

    Por favor, poste maaaaais

  • bedlens Postado em 28/07/2014 - 23:31:20

    AAAAAAH! EU AMO O PONCHO <3 Algo me dizia que ele iria aparecer. Adeus Tad! Olá possível possibilidade de Ponny finalmente acontecer! Estou ansiosa para saber o que vai acontecer durante essa temporada da Dulce na Califórnia

  • colucciwake Postado em 28/07/2014 - 20:08:38

    eeeeee !!!! Dulce vai vim agora ss começa a ficar interessante

  • bedlens Postado em 28/07/2014 - 14:51:00

    Esse cara é um psicopata O.O Cadê o Poncho para salvar a Any? Cadê? Cadê?

  • bedlens Postado em 27/07/2014 - 16:41:46

    E eu que pensava que o Marcus era bonzinho. Cadê o Poncho para salvar a Any do tio maluco do Tad? Posta maaaaaais


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