Fanfic: DARK PARADISE | Tema: Lana Del Rey
O automóvel cantou pneus na ponte e, descontrolado,atravessou as duas pistas antes de arrebentar violentamente a balaústre de proteção e cair em direção ao mar bravio abaixo. Dentro do carro, Gustavo não reagia. De mãos presas no volante, encarava assustado a imensidão azul que se aproximava do para-brisa. No momento em que tocou a água, seu corpo foi lançado para frente e a cabeça atingiu a porta lateral, abrindo um rasgo no alto da testa de onde o sangue vazava profusamente e sem reservas, misturando-se à água salgada que começava a invadir o carro. Abriu a boca para gritar, mas um jato salgado sufucou-o, afogando-o. Só então, percebeu que morreria se não tentasse salvar a própria vida.
O carro era engolido rapidamente pelas ondas vorazes do mar, e a bolha de ar que ainda permitia a Gustavo respirar extinguia-se com uma velocidade tamanha. A dor latejante na testa impedia que ele raciocinasse direito, e isso dificultava as suas ações para a fulga. O despero começou a dominá-lo e, mais uma vez, tentou gritar. Desta vez, o grito não saía, agrilhoado na garganta, rasgando a suas entranhas como o sal do mar. Debatendo-se dentro do automóvel, comaçava a perder forças e já se esforçava para conseguir respirar o pouco de ar que ainda sobrara no bolsão. O sinto de segurança parecia também querer levá-lo para o fundo do mar, pois não abria, por mais que Gustavo tentasse. Agora, já apavorado, Gustavo esmurrava o vidro lateral e implorava por socorro, os litros de água salgada sofocando cada grito dele, a visão tornando-se turva e embaçada, os pulmões queimando cada vez que aspirava uma nova porção da água do mar.
O bolsão de ar que ainda restara, foi-se, e o carro afundava numa velocidade que não permitia a Gustavo pensar. Então, tudo tornou-se negro quando o rapaz perdeu a consciência.
Em sobressalto, Gustavo acordou com a respiração ofegante, o corpo suado e as pernas dormentes. Olhou ao redor do quarto, desesperado, os olhos estavam em alerta e ele conseguia ouvir qualquer mínimo barulho. Depois de constar que estava seguro em seu quarto, relaxou os músculos e soltou um suspiro de alívio. Desviou o olhar para a janela por onde podia ver o mar, o dia já clareara e sol ia alto no céu. Constatou ser tarde, provavelmente, tinha perdido o horário para se encontrar com o corretor de imóveis que avaliaria a situação do legado que o tio Elísio tinha lhe deixado.
No entanto, antes que pudesse levantar da cama e organizar os pensamentos, a campainha tocou, assustando-o. A portaria não havia interfonado para avisar que tinha visita à sua espera. Rapidamente, vestiu uma camiseta e saiu do quarto, sentindo a cerâmica frio sob o seus pés quentes. Chegando à porta, esfregou os olhos ainda embaçados e tentou parecer apresentável, mesmo tendo acabado de acordar. Abriu-a e viu Yury parado do lado de fora, encarando-o com doçura, visivelmente abalado e segurando uma caneca vermelha. Um sorriso de alegria tentou romper os lábios de Gustavo, mas ele mante-se firme, esperando.
- Você não atendeu as minhas ligações ontem… - disse Yury, pigarreando, a voz saindo baixa, porém audível.
- Estava na casa da minha mãe, fiquei dando apoio a ela - Gustavo respondeu monocórdio. - Acho que não ouvi o celular tocar.
Mentira. Gustavo tinha visto todas as dezessete ligações que Yury tinha feito para ele desde o momento em que deixara o restaurante até o minuto em que fora dormir. Porém, orgulhoso, não atendeu nenhuma delas.
- Fiquei preocupado com você - Yury deu um passo para frente, em direção a Gustavo, e ele sentiu seu corpo estremesser diante da aproximação do namorado. - Não sabia se você tinha se alimentado direito, se tinha tomado o seu café...por isso, eu trouxe isso. Esqueceu na sua casa de Petrópolis ontem - o rapaz estendeu a caneca vermelha e Gustavo, não podendo disfaçar o encantamento, tomou a caneca em suas mãos.
- Obrigado - respondeu, não dando espaço para que o diálogo continuasse.
- Sei que você ficou chateado por ontem, Gu - Yury aproximou-se um pouco mais. - E você não imagina como eu estive depois do que aconteceu no Fasano. Procurei você em todos os lugares: na sua livraria favorita, na sorveteria em Copa, no nosso café no Leblon. Não encontrei você em nenhum deles. Procurei você desesperadamente para te pedir desculpas...dizer que sinto tanto...sinto tanto a sua falta, e que eu quero estar com você no momento pelo qual está passando agora. Me deixa ficar perto de você…?
- Eu sempre soube, mas não esperava que você agiria daquela forma comigo caso nos encontrássemos na presença do seu pai - Gustavo vacilou quando Yury tocou a sua mão.
- Eu sei, eu agi de uma maneira imbecil fingindo que não te conhecia - Yury apertava carinhosamente a mão de Gustavo. - Podia ter dito que você era um conhecido, um amigo...o meu melhor amigo - uma pausa prolongada abateu-se sobre ele enquanto os profundos olhos verdes de Yury mergulhavam nos olhos de Gustavo. - Não foge de mim assim…
- Até quando nós vamos ficar nessa situação…? Você fingindo que eu sou nada sempre que a gente se encontra em público? - a voz de Gustavo era uma súplica por resposta que tocou como gelo o peito de Yury.
- Eu prometo a você que não por muito tempo - Yury puxou Gustavo para os seus braços, pressionando a cabeça dele contra o seu peito, afagando-o. - Não por muito tempo, meu amo, eu prometo.
Terno, Yury ergueu o queixo de Gustavo e selou seus lábios no dele, sorvendo-lhe em um beijo quente e demorado, ali mesmo, à porta o apartamento, no corredor, enquanto o vizinho do apartamento ao lado se preparava para sair e levar o cachorro para o passeio matinal. Olhou-os de relance e logo desviou o olhar, sentindo-se invasivo no beijo alheio.
As mãos de Gustavo percorreram a extensão das costas retesadas de Yury, enquanto Yury, por sua vez, emaranhava as suas nos cabelos escuros de Gustavo, puxando-os vagarosamente para trás para poder beijá-lo no pescoço. Em passos sincronizados, os dois entraram no apartamento e fecharam a porta. Gustavo guiou Yury para o sofá da sala, tirado a camisa dele e, sorrindo, sentando-se em seu colo para beijá-lo novamente, agora com mais fervor.
- Eu amo você - sussurrou Yury, entre suspiros prazerosos.
- Eu também amo você - Gustavo respondeu, e aquela era a única certeza da vida que ele tinha naquele momento.
***
- É, realmente, o local não é dos melhores - ponderou o corretor, analisando com cautela o teto em ruínas do bar abandonado.
Havia vigas soltas por todos os lados e outras prestes a cair. O assoalho de madeira configurava-se uma paneira esburacada e instável, com tábuas soltas e puídas, onde ratos faziam ninhos. As paredes, com infiltrações assustadoras, descascavam o que um dia havia sido pintura. O velho e amplo balcão de madeira agora era um amontoado de cupins, espalhando pelo chão uma poeira amarelada e constante. As luminárias com cúpulas de vidro penduradas nas paredes peiam quebradas e sem lâmpadas. Parte da fiação estava exposta e, vez ou outra, balançava ao sabor dos ventos que entravam no local pelas crateras no teto. Ao lado de Yury, Gustavo observava impressionado a decadência do lugar, estava pior do que se lembrava.
- O senhor pretende vender o lugar? - indagou o corretor, fazendo algumas anotações na prancheta que trazia. - Querendo ou não, imóvel é imóvel, e essa é uma região que promete ser valorizada aqui no Rio.
- Mas até lá eu faço o quê? Não posso esperar a valorização chegar com o lugar nesse estado. Se eu permitir, isso vai cair e virar um monte de entulho.
- Uma reforma é uma boa solução - sugeriu o corretor. - Deixá-lo em melhores condições, valorizá-lo.
- Reformar isso aqui acabaria com todas as minhas economias. Olha como está. Não tem nada de pé, só as quatro paredes. Os banheiros estão em petição de miséria - Gustavo trejeitou a boca, contrário à idéia da reforma. - E é provável que eu nunca tenha retorno, assim como o meu tio, e tudo volte a ruir outra vez. É muito arriscado.
- Todo negócio é arriscado - Yury pronunciou-se, afastando com o pé uma cadeira quebrada. - Acredito que valha a pena, sim, reformar isso aqui. Há grandes possibilidades de reformar, tornar o lugar mais moderno e chamativo, com uma iluminação planejada.
- Estou vendo que você já tem idéias para isso aqui - sorriu Gustavo, vendo o olhar interessado de Yury pelo bar.
- Muitas - respondeu Yury, fascinado.
- De qualquer forma, não tenho como bancar essa reforma.
- Como não? Sua família tem dinheiro suficiente para realizar essa reforma e mais trezentas - Yury exclamou.
- Não quero pedir dinheiro ao meu pai. Ontem tivemos uma discussão pelo mesmo motivo de sempre e não que ele volte a jogar na minha cara que ainda sou sustentado por ele.
- Entendo...uma pena, porque o lugar é extraordinário - disse Yury.
- Você é a única pessoa que enxerga alguma perspectiva nesse bar, Yury - Gustavo voltou-se para o corretor. - O que me diz? Quanto valeria isso se eu quisesse vender hoje.
- Quase nada - o corretor foi direto. - Nas condições em que o imóvel se encontra, ele vale pouquíssima coisa. Aconselho, de verdade, que o senhor planeje uma reforma e, só então, cogite vendê-lo.
- Que belo presente de grego tio Elísio deixou para mim - bufou Gustavo, insatisfeito.
- E, não sei se o senhor sabe, mas a adega no subsolo está completa - o corretor acrescentou, para surpresa de Yury.
- Como é que é?
- Sim, senhor. A adega estava lacrada, não sofreu a ação dos vândalos que invadiram o local durante todo esse tempo abandonado. E devo dizer que o senhor tem vinhos raros lá dentro.
- Por essa, você não esperava - disse Yury, erguendo a taça para realizar o brinde.
Depois que o corretor fora embora, tinham descido até o porão e aberto a adega, a chave fora deixada junto com as outras do imóvel entregues pelo advogado. A quantidade de garrafas raras, com safras de qualidade, armazenadas ali era assombrosa. Embora todas estivesse cobertas por uma espessa camada de poeira, permaneciam intocadas e corretamente guardadas, com os vinhos respirando. As paredes da adega encontravam-se cobertas de garrafas, assim como as dezenas de prateleiras e gavetas.
- Senhor, que não tenha avinagrado - rezou Gustavo, brincalhão, antes de tomar um gole do vinho aberto por Yury. Quando provaram o sabor doce da bebida, explodiram em gritos de satisfação e uma alegria incontida. Gustavo pulou nos braços de Yury, gargalhando e derramando um pouco de vinho nos lábios do namorado para depois beijá-lo.
- Talvez meu tio não tenha sido tão ruim assim como eu pensei - exclamou Gustavo, comemorando. - Esse acervo de vinhos é maravilhoso. Precisamos avaliar quanto ele vale o mais rápido possível.
- Espera, - Yury ponderou - você está pensando em vender as garrafas?
- Claro! Ou você achou que eu fosse beber tudo isso?
- Não, mas isso pode ser o chamariz do bar, quando você reabri-lo, Gu.
- Você está parado nessa idéia de reabrir esse bar, não é? Já pensou o montante de dinheiro que eu posso ganhar organizando leilões dessas garrafas de vinho? São raras, das melhores safras, amor. Nunca mais vou precisar do dinheiro dos meus pais para nada.
- Acredito que você deve pensar melhor antes de fazer qualquer coisa, você tem ouro nas mãos.
- Não. Eu tenho vinhos, que são muito mais valiosos que ouro - Gustavo passou a mão no celular e discou um número rapidamente.
- O que está fazendo? - quis saber Yury.
- Providenciando uma segurança particular para esse lugar e alguém que catalogue todos esses vinhos ainda hoje. Isso não é uma coisa que possa deixar para amanhã - respondeu, visivelmente excitado. - Droga, não tem sinal aqui embaixo - Gustavo queixou-se, olhando o visor do celular. - Espera um minuto, já volto. Vou tentar subir um pouco e ligar do salão principal.
Rapidamente, Gustavo saiu a adega suja e mal iluminada, galgando os degraus de pedra que levavam para o andar de cima. Alcançando a luz do dia que penetrava no salão principal pelos vitrais quebrados da janela, Gustavo discou novamente os números e aguardou. Entretanto, antes que a ligação completasse, sentiu uma forte pancada na sua nuca que o lançou violentamente de encontro ao chão. O seu mundo apagou-se no mesmo instante.
Continua...
Autor(a): tiagofsantos
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