Fanfic: Mais que confidentes | Tema: Big Brother Brasil
A campainha estridente do telefone reverberou pelas paredes do quarto escuro. O primeiro toque acordou Angela do sono profundo. O segundo fez com que se sentasse e olhasse para o marcador digital do rádio-relógio. Três e quarenta e cinco da madrugada.
Um telefonema naquele horário só podia significar uma de três coisas... O mundo desabando. Talvez aquela chuva interminável e fora de época tivesse inundado os arquivos da Vídeo Enterprise, a companhia de produções artísticas que ela fundara havia três anos.
Morte ou acidente na família. A mãe, poderia ter caído e quebrado uma costela. Ou...
Ela apanhou o telefone no terceiro toque.
— Alô?
— Angela, você estava dormindo?
Ou talvez Marcelo ficando louco com suas típicas ligações fora de horário e quisesse ouvir a voz dela, concluiu com um sorriso sonolento.
— Marcelo? — Com um bocejo, Angela afastou as longas mechas do rosto. — São três e quarenta e cinco da madrugada! Onde você está?
— Acabo de chegar. Voltei para São Paulo. Está disposta a receber uma visita?
— Já é essa época de novo? A do encontro anual dos desajustados que não tem o que fazer? — brincou.
— Isso é um "sim"? — A voz familiar soou bem-humorada, como sempre.
— O que você esperava, Marcelo? Que eu enviasse um convite numa bandeja de prata? É claro que é um "sim". Mas você sabe que transformei o segundo quarto do apartamento num escritório. Terá de dormir na sala.
— Acredite, o sofá da sala será perfeito.
— Ótimo. Minha agenda está lotada hoje. Tenho reuniões a manhã toda, mas posso esconder a chave no capacho para você entrar.
— Você tem uma reunião nos próximos cinco minutos?
— O quê? Onde você está?
— Na loja de conveniência na esquina do seu prédio. Até já.
A ligação desconectou com um ruído metálico. Somente Marcelo seria capaz de ligar durante a madrugada de uma loja de conveniência! Somente Marcelo seria pretensioso o bastante para presumir que ela não ficaria furiosa por ser acordada, e tampouco se aborreceria pela inconveniência de receber uma visita naquele horário.
Angela rolou na cama para colocar o telefone no gancho. Levantou-se, foi até o banheiro apanhar o robe e gemeu de desgosto ao ver seu reflexo no espelho. Estava exausta, o que não poderia ser diferente. Fora dormir tarde e acordara depois de duas horas de sono. Mas Marcelo não se importaria com sua aparência. Ele não a via como mulher. Para ele, ela era Angela, a antiga amiga companheira do Big Brother, lembrou-se ao lavar o rosto com água fria para despertar.
Foi para a cozinha e ligou a cafeteira elétrica. Sabia, pela própria experiência com Marcelo, que não dormiria nas próximas horas. Ele faria questão de saber todos os detalhes de tudo o que acontecera desde o último encontro. Então, passaria a relatar seus projetos, desde os já realizados até os que ainda não haviam se concretizado.
Angela sorriu. Ainda era estranho ter a companhia de Marcelo em seu apartamento.
Marcelo não esperava que estivesse chovendo em São Paulo. Afinal, estava em Belém e não chovia. Porém, a chuva parecia acompanhá-lo nas últimas semanas, tendo começado quando pusera os pés no Rio de Janeiro para continuar até que chegasse a sua casa. Portanto, não era de surpreender que tivesse feito toda a viagem até ali debaixo de água.
Estacionou a motocicleta na garagem coberta do prédio, ao lado do carro esporte de Angela, e desligou o motor. Estava encharcado, da jaqueta preta de couro às botas, que deixavam poças no chão conforme caminhava. A mochila era de tecido impermeável, mas duvidava que alguma peça de roupa estivesse seca após o dilúvio que atravessara.
Marcelo apanhou a câmera, bem protegida dentro da maleta hermeticamente fechada. Poderia naufragar no Titanic que não ficaria danificada. Parou na entrada dos fundos do prédio e relanceou o olhar para as luzes acesas na janela do apartamento de Angela. Agora que estava ali, uma onda de medo o percorreu.
Depois de três rigorosos meses trabalhando como modelo e treinando para ser ator, ele chegara ao apartamento no Rio de Janeiro e sua inteira existência de repente parecera irreal e vazia. A beira do pânico, fora incapaz de se lembrar de um só momento no passado em que havia se sentido realmente feliz. Então, recordou o passeio ao zoológico na última vez que estivera em São Paulo. Tinha sido feliz na ocasião. De fato, nunca rira tanto como nas duas semanas que passara ao lado de Angela. Lembrou-se com saudade dos dois dias inteiros em que tinham se enfiado num cinema após o outro, na mais alucinante maratona de filmes, vivendo de uma dieta de pipoca, refrigerante e sorvete. Assim como passar horas sentados na cobertura do prédio, admirando as luzes da cidade.
Como não percebera antes que só poderia ser feliz ao lado dela?
Angela era sua melhor amiga, sua confidente, seu porto-seguro. A bela e iluminada Angela, com um sorriso tímido e os olhos mais puros que ele já vira. Era inteligente, espirituosa e talentosa, mas totalmente incapaz de acreditar em si mesma. Ela não fazia ideia de como era especial. Desenvolvera grande senso de humor, mas a insegurança que sentia nunca tinha desaparecido.
Apoiando a maleta da câmera no chão, ele tocou a campainha. A porta se abriu de súbito, e a luz do sorriso de Angela iluminou o corredor. Porém, o brilho dos olhos dela desapareceu rapidamente para se transformar em descrença e horror.
— Marcelo, você está péssimo! — Percorreu-o com o olhar da cabeça aos pés e se deteve na poça de água que se formara sob ele. — Não se mova!
Aflita, apanhou a câmera, tirou a mochila das mãos dele e atravessou rapidamente a cozinha para colocá-las na lavanderia, onde a água que respingou no chão poderia ser enxugada mais facilmente.
— Tire a roupa — ordenou ao voltar. — Tire tudo. Você vai diretamente para o chuveiro.
Marcelo se apoiou à porta e cruzou os braços.
— Angela, minha amiga, você quer mesmo que eu tire a roupa aqui, no corredor?
— É exatamente o que quero. — Ela também cruzou os braços com um sorriso. — Passei horas fazendo faxina no apartamento, meu querido amigo.
Ele sorriu, sentia falta de ser enfatizado como amigo por ela, uma ironia que eles tinham arranjado para dispersar o conflito que eles já tiveram na relação, e com medo de se afastar, arranjaram uma maneira de descontrair.
Os cabelos de Angela caíam em desalinho sobre os ombros, e o rosto não revelava o menor vestígio de maquiagem. Ela parecia muito mais jovem do que seus vinte e seis anos. Do ponto de vista de um artista, aquele rosto chegava à beira da perfeição. E os olhos...
Eram de um castanho-claro, que te vigiavam como se quisesse descobrir os segredos mais profundos que você tivesse.
Diferente da maioria dos olhos, como os dele mesmo, os de Angela não tinham rajadas douradas ou verdes nas íris. Eram puros e transparentes. Fabulosos.
Marcelo havia procurado outros olhos como os dela, mas nunca os encontrara. Naquele momento, fitavam-no com um brilho de interrogação.
— Você está ótima, Angela — ele disse com um rápido sorriso enquanto se apoiava ao batente para tirar as botas.
— E você está péssimo. E essa barba?
Era difícil dizer como ele estava quando tomou tanta chuvas. Os cabelos empapados colavam-se à cabeça numa mancha negra que descia pelos ombros, e parte do rosto bonito estava coberto por barba e bigode espessos. O nariz era definitivamente de Marcelo, reto e afilado. Angela o estudou por alguns segundos. Sim, o nariz era o de um deus grego, o traço dominante no rosto dele... Até que sorrisse. Então, tudo nele se harmonizava numa aura de luz, como se aquele sorriso tivesse o poder de iluminar uma noite escura.
Ele sorriu de novo, e os dentes pareceram ainda mais brancos em contraste com os pelos negros da barba. Parecia cansado e havia profundas olheiras sob os olhos claros. Além disso, refletiam um estranho brilho que chamou a atenção dela.
— Eu passei meses trabalhando mais que condenado — Marcelo explicou enquanto tirava a jaqueta.
— Em outras palavras, esqueceu de colocar a lâmina de barbear na mala.
Ele sorriu, sem negar, enquanto tirava a camiseta molhada.
— Mas não é você que prefere caras com barba?
Angela ignorou mais preocupada em vigiar Marcelo sem camisa.
Músculos. Marcelo sempre fora privilegiado nesse quesito, mesmo quando se conheceram no programa, sempre ficava admirada com as qualidades corporais que ele proporcionava. Porém, Angela logo se tornara imune ao corpo perfeitamente esculpido. Podia sair em público com ele e ignorar a reação entusiasmada das mulheres que cruzavam o caminho.
Bem, talvez ela não fosse totalmente indiferente, pensou... Caso contrário, não estaria parada ali, observando-o despir a calça e revelar as pernas fortes, fazendo-a se lembrar de que fazia quatro meses que tivera contato físico com um homem pela última vez.
Angela sorriu. Com alguma sorte, sua vida amorosa mudaria em breve.
— Qual é a graça? — Marcelo perguntou, deslizando a calça pelos tornozelos.
— Minha vida. Primeiro tome banho, e depois vou lhe contar todos os detalhes.
Ela espiou o corredor do andar, imaginando o que a Sra. Silva, do apartamento da frente, pensaria se olhasse pelo olho mágico naquele momento e visse Marcelo só de cuecas parado à sua porta.
— Tem certeza de que quer que eu tire tudo? — ele questionou com um sorriso como se estivesse zombando dela, fazendo menção de descer a roupa íntima.
Angela revirou os olhos.
— Não é preciso. Entre.
— Não lave a jaqueta de couro — ele advertiu, desaparecendo no corredor do banheiro.
— Claro que não vou lavar a jaqueta de couro — Angela resmungou, meneando a cabeça enquanto recolhia as roupas sujas. Colocou-as na máquina de lavar e estendeu a jaqueta no varal.
Não podia negar, Marcelo era magnífico trajando apenas roupas íntimas...
Logo se obrigou a afastar o pensamento. Era ridículo começar a ter fantasias logo agora que sua relação com Marcelo tinha amenizado. Além disso, um homem que costumava sair com modelos e atrizes jamais olharia duas vezes para ela.
Com um suspiro, foi para o quarto e apanhou o robe cor-de-rosa, o maior que encontrou.
Entrou no banheiro envolto pelo vapor e gritou acima do ruído do jato forte de água:
— Vou deixar o robe atrás da porta e uma toalha limpa no gabinete.
— Está bem. Mas sabe do que eu realmente gostaria?
— Tenho até medo de perguntar — Angela murmurou. — Do quê?
Marcelo afastou a cortina, e ela não identificou a expressão no rosto bonito. Os olhos tinham um brilho que ela nunca vira. Na verdade, aquele era o olhar de um predador... Talvez fosse a barba, que conferia certo ar selvagem ao rosto viril, Angela pensou.
— Marcelo, você está bem?
— Eu... gostaria de uma cerveja gelada — ele disse, como se não tivesse escutado a pergunta. Em seguida, fechou a cortina e enfiou a cabeça sob o chuveiro.
— Vou providenciar — Angela gritou ao sair do banheiro.
Marcelo fechou os olhos, deixando que a força da água o relaxasse. Era óbvio que não estava bem! Agora, que se encontrava ali, não conseguia ter coragem de dizer por que fora vê-la. Deveria ter saído do chuveiro e tomado-a nos braços. Provavelmente, Angela estava usando sob o robe um daqueles pijamas divertidos com estampa de ursinho... De repente, nada pareceu ser mais sexy. Ele gemeu, mas logo voltou a pensar no seu problema. Tinha de dizer a ela. Aquela era a razão por ter ido até lá, não era?
Fechou o chuveiro e se enrolou na toalha pensando no que faria a seguir. Ele se vestiria, iria para a sala, tomaria uma cerveja e reuniria coragem enquanto escutava Angela contar as novidades. Então, respiraria fundo e diria a ela que...
O quê? Que precisava dela? Que a desejava mais do que jamais desejara alguém? E que... Sim, teria de dizer... E que a amava, completou, incerto se poderia enunciar as palavras em voz alta.
Uma garrafa de cerveja aberta esperava por ele na mesa de centro da sala. Angela estava sentada no sofá com os joelhos dobrados e uma caneca de café nas mãos. Ele apertou o cinto do robe e se sentou perto dela.
— Definitivamente, cor-de-rosa é a sua cor — ela provocou com um sorriso. — Então, você passou meses fazendo o que? Conte-me tudo! Estou ansiosa para ouvir.
Marcelo meneou a cabeça e tomou um longo gole de cerveja.
— Primeiro você.
— Eu? — Angela suspirou e tomou um gole de café. — Consegui fechar um contrato sensacional! — Os olhos dela brilharam. — Você conhece Simon Harcourt?
Marcelo olhou para a garrafa de cerveja com ar pensativo e franziu o cenho.
— Não.
— Ele é um bilionário que patrocina as artes e o meio ambiente. Está envolvido com programas educacionais e campanhas preventivas contra a Aids... — Ela balançou a cabeça em sinal de admiração e respeito. — Enfim, Harcourt é candidato a governador e me contratou para fazer toda a campanha publicitária.
— Isso é ótimo, Angela! O que você fará? Produção ou vai desfilar?
— As duas coisas. E, na verdade, também vou ficar por trás das campanhas.
— Você? — Ele franziu a testa. — É muita coisa para uma pessoa só. Tenho algum tempo livre. Se quiser, posso ajudá-la.
Ela o encarou, incrédula.
— Você está brincando? — quase gritou, entusiasmada. — Esqueça. Eu não poderia pagar nem um quarto do que você costuma receber por seu trabalho.
— Pague o preço de tabela. Parece divertido e...
Angela colocou a caneca na mesa de centro e passou os braços ao redor do pescoço dele, num abraço afetuoso. Ainda segurando a garrafa de cerveja, Marcelo a envolveu e fechou os olhos, inalando o perfume dos cabelos sedosos. Ela era doce, quente e suave. Por que havia esperado tanto tempo para perceber que tudo o que queria estava bem ali?
— Está contratado! — Angela se afastou com um sorriso. — Vamos precisar de três ou quatro semanas para terminar o trabalho.
— Não tenho nada em vista por enquanto. — Marcelo fitou os olhos castanhos. Podia sentir o coração acelerado. Respirou fundo. — Ouça, Angela...
— Espere... Há mais uma coisa que quero lhe contar. Estou apaixonada.
Ele encarou-a.
— Apaixonada?
Angela sorriu, com os olhos transbordando de felicidade.
— Finalmente encontrei o homem dos meus sonhos. Eu o conheci na semana passada. O nome dele é Gabriel Valentin. Você acredita? É advogado, inteligente, alto... Quase tão alto quanto você. É incrivelmente bonito, tem cabelos negros e olhos castanhos, doces e gentis. E solteiro, tem trinta e três anos e...
Angela continuou falando, mas Marcelo não registrava mais as palavras. Ela estava apaixonada. Por outro. O desapontamento se confundiu com uma onda de raiva. Por que não chegara uma semana antes?, recriminou-se. Fúria, mágoa e choque se agitavam dentro dele, provocando uma violenta contração no estômago. Sentiu-se ferido até a alma. Lentamente, colocou a garrafa com cuidado sobre a mesa, surpreso por suas mãos não tremerem sem controle.
— Ele está aqui? — perguntou abruptamente, interrompendo-a.
— O quê?
— Seu príncipe encantado está aqui agora?
Quando entendeu o que ele queria dizer, Angela abaixou o rosto para esconder o rubor.
— Claro que não!
— Por que não?
— Eu o conheci na semana passada...
— Se está mesmo apaixonada, Angela, o que está esperando?
Ela fugiu do olhar penetrante e se levantou, inalando com força. Meneou a cabeça devagar, afastando os cabelos do rosto.
— Se quer saber a verdade, Gabriel nem sabe que eu existo.
Por que ele não se sentia aliviado com a revelação?, Marcelo se perguntou. Ela não estava ainda de fato envolvida com o homem. Porém, o advogado inteligente, bem-sucedido, rico e aristocrático na certa era o par perfeito para ela, uma pessoa com quem seria bem mais fácil conviver, alguém mais adequado do que ele jamais seria.
— Chega de falar a meu respeito — Angela determinou, sentando-se. — Conte-me sobre como anda sua vida.
— Podemos falar sobre isso amanhã? Estou exausto.
Ela arregalou os olhos, surpresa.
— Sim, é claro. — Observou-o com atenção. — Você está bem mesmo, Marcelo? Parece um pouco pálido.
— Deve ser uma virose ou algo parecido — ele mentiu. Ela fitou-o com seriedade.
— Zagonel, você me diria se estivesse com algum problema, não é?
— Claro. Você é minha melhor confidente. Acredite, estou só cansado.
Angela sorriu, e ele se esforçou para retribuir, tentando ocultar a forma como seu coração tinha se estilhaçado em mil pedaços.
Autor(a): anceloprasempre
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Marcelo havia planejado tirar a barba quando chegasse em São Paulo. Porém, quando viu seu reflexo no espelho do banheiro naquela manhã, duvidou que pudesse expor o rosto e a expressão triste e frustrada que os pelos negros escondiam. Angela havia programado o relógio para despertá-lo às dez horas. Isso lhe deu tempo suficient ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 2
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nay_lovato Postado em 19/06/2014 - 00:44:34
Tô amando a sua web, você escreve super bem. Espero ansiosa o próximo cap. Kisses *-*
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natalia_cyreno Postado em 15/06/2014 - 19:53:26
Adoreei. Cade o capítulo 2?