Quando Anahi passou pelos portões da residência dos Puente, tentou andar o mais devagar possível até a porta, querendo adiar ainda mais aquele momento.
Passou o caminho todo pensando, com o olhar perdido, enquanto Joe dirigia calmamente pelas ruas de Seattle até chegarem ao seu destino. Para Anahi a viagem passou rápido demais, poderia passar muito tempo dentro daquele carro, até descobrir o que fazer com todos os problemas que estavam acontecendo.
Sentia-se extremamente cansada, mas além de ser um efeito colateral do remédio que tomava após o coma, qualquer "grande" esforço exigia de demais de seu corpo ainda e ela não havia parado o dia inteiro.
Abriu a porta e o que veio logo em seguida lhe atingiu em cheio.
-Anahi! Graças a Deus está em casa! - Enrique veio ao encontro dela - Filha! Meu Deus, por que não me contou do Wilde?
Anahi e Enrique não estavam bem. Ela o respondia quando ele falava algo, dizia que estava tudo bem, mas eles sabiam, a relação dos dois ainda estava quebrada. Anahi não sabia dizer se seria pelas mentiras, ou pelas consequências delas, mas tinha consciência de que não havia perdoado completamente seu pai. Até aquele momento.
Enrique a abraçou sem medo nenhum da rejeição, e logo depois a analisou da cabeça aos pés, procurando um arranhão que fosse.
Para variar, Clarisse ainda estava sumida, visitando uma amiga em Nova York, e ela era a única capaz de conter Julie e Enrique no pé de Anahi.
Ela calmamente explicou tudo o que tinha ocorrido. Para tentar aliviar as coisas disse que não era nenhuma surpresa para ela que Wilde tivesse feito tudo isso.
Tisha a observava calada, até dando uma certa bandeira, com um medo estampado no rosto. Mas Anahi não ia contar, ela não tinha esses planos. Mas do fundo de seu coração, esperava que sua mãe o fizesse em algum momento, pois não queria viver com aquilo guardado só para si.
Mas o fato era que as palavras de Poncho martelavam em sua cabeça. Se porventura em algum momento cometesse um erro, mesmo que inconscientemente, ela ia querer que isso não afetasse sua família, que Miguel não a odiasse por isso. Talvez quem sabe, ela ate fosse uma vítima.
No fim das contas, sua mãe foi uma vítima.
Só não tinha certeza sobre a noite em que Wilde dormiu na casa de seus pais. Tudo bem que sua mãe não se lembrava de nada, mas e se ela tivesse feito algo? Quem podia garantir que não houve nada? Uma pessoa sob efeito de alguma droga, bebida, pode fazer muitas coisas que não faria normalmente.
Foi quando o pior ponto dessa história bateu na sua cara... Sua mãe grávida dela na mesma época. Não seria possível que ela fosse filha dele. Não era!
Tentou espantar este pensamento de sua cabeça quando seu pai continuou - Só de pensar que eu chamava aquele homem de amigo, que o coloquei dentro da minha casa, convivendo com minha família...Até que ponto as pessoas são capazes de chegar por dinheiro, por poder? Não dá pra acreditar!
Anahi quase falou demais, quase quis se explicar. Mas se viu olhando para sua mãe, e então para uma Julie aflita.
-O importante é que ele está preso agora. Estamos todos bem. Miguel está quase vindo para casa! - disse em uma tentativa óbvia de mudar o rumo.
Julie estreitou os olhos, conhecendo a irmã como ninguém, mas não ia se intrometer, não dessa vez. Algo lhe dizia que era algo com que Anahi teria que lidar. Portanto resolveu se juntar a celebração da possível vinda de seu sobrinho para casa.
Anahi foi monopolizada por aproximadas meia hora, todos preocupados com ela e eufóricos pela melhora do pequeno Herrera. Sua mãe era mais contida, como se tentasse não chamar a atenção da filha para si, Julie parecia uma locomotiva, Brad não entendia nada e Dave fazia muitas perguntas, agora entendendo o choro da cunhada logo mais cedo. Quanto a Enrique, tinha uma preocupação tão exagerada que Anahi chegou a se preocupar, e o senhor parecia ter até esquecido que ele e a filha mais nova não estavam nada bem. Não pôde deixar se se sentir incomodada com o rumo que tudo havia tomado...Estava fora de todo seu planejamento e sonhos.
O dia não havia nem terminado e parecia que ele durava há uma semana. Ela estava complemente exausta.
Julie a obrigou a jantar quando ela tentou sair a francesa dizendo estar sem fome. Anahi ainda estava se adaptando a algumas coisas e tinha uma alimentação regrada que devia ser seguida à risca até sua melhora.
Depois do jantar, do qual ela tentou sair ilesa, com os pensamentos longe em mil e uma outras coisas, ela decidiu subir para seu quarto, mas não antes de passar na biblioteca em busca de algum livro para lhe distrair.
A porta estava aberta e Anahi entrou dando de cara com seu pai, que já havia subido há algum tempo, mas ao contrário do que ela pensava, ele não estava no quarto. Ele estava sentado no sofá, com seu óculos de leitura e um livro nas mãos que calmamente fechou ao se dar conta da presença da filha.
-Eu vim pegar um livro. - disse calma. Quando estavam somente os dois, as coisas ficavam esquisitas. Enrique olhava para Anahi e se lembrava de sua filha em uma cama de hospital, apagada, por conta de algo que ele havia causado e isso o retraia de forma que quando ela o olhava daquele jeito, o analisando, como fazia naquele momento, ele não sabia como agir.
-Tentando se distrair? - perguntou tentando ser cordial. Anahi apenas assentiu procurando algo, virada de costas para o pai, até se se virou de súbito e fitou o pai, totalmente série.
Anahi tinha pensado em seu pai o dia todo. Lembrou-se de todos os olhares cheios de raiva que ela já via lançado a ele, lembrou-se das brigas e principalmente do momento em que estavam vivendo.
Apesar de todas as turbulências, aquele homem era tudo o que ela sabia sobre "ser pai". E ela odiava a idéia de alguém ter enfiado na sua cabeça que aquele homem, que cuidou dela durante todos aqueles anos, não fosse seu pai.
-Quer se sentar? - perguntou ele gentil, apontando para o sofá - Anahi, por favor. Foi um longo dia.
Anahi foi até o pai e se sentou ao seu lado. Não dando tempo para que ela pensasse, Enrique pega as mãos da filha, tentando mantê-la ali, de alguma forma.
-Eu conheço essa carinha. O que você não nos contou?
Anahi engoliu em seco. Pediu aos céus para que pudesse sair ilesa daquela conversa. Não podia entregar sua mãe e estragar sua família. Ela teria que fazer isso. - Eu falei tudo pai eu só estou um pouco cansada, muito tempo no hospital.
-Eu conheci alguém que fazia exatamente essa expressão quando algo estava errado, geralmente nesses momentos ele não tinha com quem contar. - Anahi o olhou desconfiada - Anahi, você não precisa esconder nada de mim, eu te conheço como a mim mesmo. Está para nascer alguém tão parecido comigo como você filha.
Aquilo foi demais para Anahí. Ouvir uma frase dessas depois de tudo o que ela descobriu foi a gota d'Água para fazer Anahi ter seus olhos embaçados por lágrimas que se formaram. Não podia mentir...
-As coisas não estão fáceis pai. Eu sou muito fraca e no meio disso, por minha própria causa, estou me perdendo do Poncho! Eu estou ficando desesperada! - disse não mentindo, mas omitindo alguns fatos.
Uma expressão de entendimento e solidariedade tomou conta de Enrique que apertou as mãos de Anahi, lhe dando forças.
-Anahi, nunca tive muitas certezas nessa vida, mas se tem algo que tenho certeza nessa vida é que quando duas pessoas se amam, elas acabam voltando uma para o coração da outra. Seja lá o que acontece entre vocês haverá perdão. Deve haver o perdão, acima de qualquer coisa.
Perdão, Anahi tinha pensado tanto nessa palavra, no ato de perdoar, que perdeu a oportunidade de dá-lo a Alfonso. Ela que buscava o perdão dele agora, por todas as suas dúvidas, por todos seus medos.
-Pai...- disse Anahi voltando a chorar copiosamente.
- Magoa e rancor são sentimentos que não vingam. Não importa se Alfonso tem outro filho, se seu ex quer você de volta ... - Anahi ergueu as sobrancelhas ainda chorosa enquanto caiam as lágrimas - Sim, eu estou no escanteio, mas sou bom observador, sei de tudo o que acontece nessa história. - disse divertido - Não desista do Alfonso minha filha, vocês vão dar um jeito. Sempre deram.
- Pai, caso minha mãe errasse com você, seria capaz de perdoar dessa forma?
Anahi aguardou a resposta em silêncio, mas ela veio tão rápida que não houve tempo para Enrique titubear.
- Mas é claro! Filha, eu não sou homem de muitas palavras mas eu sou o homem mais completo desse mundo! Tenho a família que pedi a Deus e eu e sua mãe nos amamos. Tudo isso que tenho, eu devo a ela e sou muito grato por isso. Eu a perdoaria porque ela é única, especial, e eu a amo.
O coração de Anahi se encheu de amor e remorso ao mesmo tempo. Mas também sentiu um alívio inexplicável em ser filha daquele homem que embora tenha feito tudo o que fez ela o amava e o respeitava. Ele era seu pai e não ambicioso como Jonathan Wilde.
Quando criança, Enrique a chamava de princesa, lhe ensinou a andar de bicicleta, deixava ela pentear seu cabelo e colocar presilhas nele, levava ela para a empresa e a deixava fazer a maior algazarra nos corredores da PHMotors, só para sua mãe colocá-la de castigo quando eles chegavam em casa, e então, ele contrabandeava doces e levava para a filha, mas não antes de rir da cara dela por ser pega. Anahi sorriu se lembrando que isso a deixava possessa.
Pensando isso ela não aguentou e chorou dessa vez com toda a vontade que tinha segurado ao ver seu pai naquele fim de tarde. Chorou nos braços dele até se sentir segura.
- Eu te amo pai, juro! Amo muito! Saiba que eu vou sempre estar do seu lado que eu perdoaria o senhor por qualquer coisa, você sabe. Me desculpe por ter sido tão egoísta.
- Oh meu anjo, espero que pense sempre assim - disse afagando seus cabelos - Você é minha pequena e tudo o que eu faço é pensando no melhor para você mesmo que as vezes tenha utilizado dos meios errados. Me perdoe por ter te causado tanta dor filha, eu achei que estava fazendo o certo.
- Eu sei pai, está tudo bem.
Anahi aperta e parece desmoronar a cada soluço.
- Não chora amor. Não chora por favor ... Isso eu não posso aguentar. -desesperado, Enrique seca cada uma das lágrimas da filha e lhe dá um beijo na testa enquanto a abraçava tão apertado como se assim pudesse juntar os pedacinhos dela e juntar naquele abraço.
-Pai, não precisamos brigar mais, nunca mais! Não importa o que eu faça, p que você faça - disse ainda chorando - você é minha família, você é o meu pai! Temos que permanecer juntos, sempre! Me desculpa por tudo.
Enrique não soube o que responder, pois sentia que a única pessoa que deveria ser perdoada ali era ele.
Anahi sempre fora a menina dos seus olhos, sua companheira. Não que tivesse por preferência por alguma de suas filhas, mas não importava o quanto dissessem que Julie era sua cara, pois ele via em Anahi sua cópia mais próxima da realidade.
Gostava de reparar no jeito que ela ficava em silêncio e observava uma pessoa por minutos a fio desconfiada, gostava do jeito como ela enrugava o nariz às vezes fazendo graça e admirava a sua filha.
Anahi sempre fora cheia de vida. Sonhadora até mais do que deveria, ele acompanhou cada uma das mudanças da filha, que ao invés de montar um chá da tarde com suas bonecas, sempre às faziam de pacientes ou de crianças que ela precisava salvar de algum perigo.
Depois de Kevin, as coisas mudaram, porque ele deixou de apoia-la em suas decisões e ela deixou de ser a companheira dele.
Quando Kevin foi embora, não conseguiu se arrepender do que havia feito quando ela em uma noite qualquer, disse a ele, depois de muito tempo que o amava.
E então foi só ver Anahi olhar para Alfonso uma única vez que ele soube...Não tinha errado. Sua filha precisava de uma chance de conhecer outra vida. A vida não girava só em torno do Dustin.
Só sentiu a culpa tomar conta de si quando Kevin o procurou no início de maio com todo o dinheiro que ele julgava ter sido usado com sua vida na África.
Aquilo foi um choque porque de alguma forma, a intenção dele não era comprar Kevin, ele não o odiava, só não achava que ele era homem para Anahi. Ele sempre quis algo melhor para sua filha.
Foi por isso que quando Kevin finalmente o reencontrou depois de sua volta a Seattle que ele disse a única coisa que poderia ter dito.
-Eu nunca quis te comprar rapaz.
-Mas me queria longe de sua filha.
-Ela está feliz, está noiva, vocês não foram feitos um para o outro.
Aquela foi uma cruel verdade que ele se sentiu obrigado a dizer, e depois daquele dia pensou que o assunto estaria encerrado. Até agora.
Anahi estava lhe dando o seu perdão, lhe dando a chance de fechar esse ciclo ruim, e neste caso, ele seria muito tolo se não agarrasse a oportunidade com todas as forças.
-Eu te amo filha. Eu estou aqui pequenina...
Anahi viu naquele momento que ela errava, chegava a ser egoísta por ver só o seu lado, mas que ela amava o pai, seu único pai Enrique Puente, e ela ia precisar passar por cima de muita coisa pela felicidade de sua família.