Fanfic: Sanguinis Libertatem | Tema: Drama, Darkfic, Gore
Estava frio e escuro. Meu corpo, todo marcado por cortes e queimaduras, doía. Minha cabeça estava tombada para frente, fazendo com que meus longos e espessos cabelos negros escondessem meu rosto. Agradeci por isso, pois, assim, os empregados de meu pai não conseguiriam ver as lágrimas que escorriam por minhas bochechas.
Reprimi um grito assim que mais uma chibatada, ardendo em brasas, cortou minhas costas nuas. Senti meu sangue escorrer, morno, até meus quadris e, depois, paras as pernas. Minha respiração falhava e minha visão ficou turva enquanto um sorriso fraco brotava em meus lábios. Veneno. O chicote, além do fogo, estava empapado com veneno.
— Veneno, é? — ousei provocá-los. – Meu pai sabe muito bem que isso não irá me matar. Isso é patético.
Um puxão em meus cabelos fez com que eu levantasse o rosto e, segundos depois, a carranca deformada de um dos demônios encarava-me bem de perto. O cheiro forte de carne necrosada entrou em minhas narinas deixando-me com náuseas. Rapidamente prendi a respiração.
— Calada, princesa. Aqui você não tem o direito de falar nada. — sibilou ele, sorrindo diabolicamente. Dedos esguios e perigosos roçaram em meu rosto. — Oh, a garotinha está chorando. Você sabe muito bem que teremos de informar isso ao seu amado pai, não sabe?
Trinquei os dentes com força, fuzilando-os com os olhos. Sabia muito bem o que aconteceria caso eles falassem algo para meu pai. Mais castigos seriam dados. Mais chibatadas, mais torturas... Apenas para o simples desejo dele de ter uma filha sem sentimento algum.
— Maldito. Eu vou triturar você! — rosnei, tentando avançar contra ele, porém, as correntes que prendiam-me impediram que eu pulasse em seu pescoço. — Maldição... Tsc.
Minha fúria apenas aumentou assim que ouvi a risada crapulosa que escapou pelos lábios arroxeados dele. A expressão de felicidade extrema que ele exibia apenas atiçou ainda mais a vontade de esquartejá-lo lentamente.
— Continue, continue. Não sabe o quanto está me divertindo. — debochou ele, estalando o chicote no chão.
O outro permanecia atrás de mim, segurando meus cabelos com força. Em segundos, outra chibatada acertou-me. Cerceei outro grito agudo enquanto meu sangue escorria por meu queixo e pingava até o chão.
— Continue rindo, desgraçado. Eu irei te matar. — pronunciei e senti um gosto de ferrugem na boca. Logo em seguida, cuspi uma boa quantidade de sangue.
— Oh. Vai me matar? É mais fácil você morrer em minhas mãos do que eu nas suas. – ele riu, porém, logo foi cortado assim que a pesada porta de aço foi aberta. — Me-mestre...
Meus olhos consolidaram-se no homem que aparecera na porta. As roupas negras deixavam-no mais branco que o normal. Os cabelos escuros caiam, bagunçados, em seu rosto aristocrático e frio. Os olhos, que continham o tom das noites sem estrelas, fixaram-se em mim, nua e ensangüentada, enquanto seus lábios contorciam-se para o lado em uma fina linha de desdém.
— Grytel, acabou por hoje? — questionou o homem nobre, sem desviar o olhar de mim. — Leise terá que vir comigo.
Meu corpo gelou e meu coração falhou; logo estava tremendo do pé a cabeça. Era ele. O meu amado pai. Ele sorria de um modo grotesco enquanto fixava os olhos cor da noite em meu corpo nu e ensangüentado. Algo dizia-me para fugir assim que tivesse a chance. E seria exatamente isso que eu faria.
— A princesa estava chorando, Mestre. Devo...
— Eu sei que ela estava derramando lágrimas, tolo. O rosto dela está marcado por elas, é facilmente visível ver que ela estava chorando. — meu pai lançou um olhar de canto para Grytel, estalando os dedos e fazendo-o urrar de dor. — Ande. Tire as algemas dela.
— Como queira, Mestre... — sussurrou o demônio, abaixando a cabeça.
Logo, estavam os dois demônios retirando as algemas pesadas de meus pulsos, tornozelos e pescoço. Um grande alívio percorreu meu corpo enquanto, por um instante, minha respiração fluía livremente por meus pulmões.
— Levante-se, Leise. Agora. — ouvi meu pai dizer secamente. Um arrepio percorreu toda a minha espinha.
Lentamente levantei-me. Nua. Desprotegida. Completamente vulnerável; ou era isso que eles pensavam. Meus cabelos cobriam meus seios, porém, não eram o suficiente para cobrir a virilha. Estranhamente, não senti-me constrangida. Minha mente trabalhava em um modo de escapar daquele local e eu estava ocupada de mais calculando quais seriam as minhas chances de fugir com sucesso.
— Como o esperado, Leise, você se parece muito com sua mãe. — subitamente o tom de voz de meu pai mudou completamente. Novamente senti algo dizer-me para agir rapidamente. — Tão bela... Tão sedutora.
Meus olhos fixaram-se no rosto dele totalmente arregalados. Trinquei os dentes e pude ver os dois demônios montarem guarda ao meu lado, caso eu resolvesse agir.
Maldição. Preciso sair daqui.
Meu pai avançou um passo, desbloqueando a passagem para a saída. Meu peito encheu-se de esperança. Meus joelhos se flexionaram instantaneamente, minha cabeça trabalhava a mil, meus músculos ávidos por algum movimento brusco, preparados para agüentar qualquer coisa.
— Não deixem que ela escape! — gritou meu pai, porém, era tarde de mais. Meus movimentos foram mais rápidos do que qualquer um dos três.
Uma risada rasgou minha garganta quando, enfim, consegui atingir a saída. Uma lufada de ar atingiu meu rosto e pude ver, depois de seis meses, o sol. Meus pés começaram a movimentarem-se com rapidez, levando-me até uma grande torre. Assim que alcancei o último andar, adentrei em um quarto escuro e cheirando a mofo.
Estalei os dedos fazendo a porta congelar-se. Ótimo. Estava forte o suficiente para utilizar minhas habilidades. Respirei fundo novamente e peguei as primeiras roupas que vi pela frente e armas que escondia em locais secretos. Meus olhos negros voaram por todo o quarto, fixando-se na cama feita a ouro. Revirando os olhos, caminhei até ela. O dourado refletia em meus orbes negros enquanto, com uma única mão, arremessava-a pela janela de ferro e vidro.
O estrondo foi grande. Vidro e ferro caiam no chão, fazendo um barulho ensurdecedor. Gritos de dor e espanto ecoaram até meus ouvidos, vindos do lado de fora. Sorri apenas com a ideia de ter machucado – ou até matado – algum seguidor de meu pai. Entretanto, o sorriso logo transformou-se numa linha enrijecida.
Lentamente vir-me-ei em direção à porta congelada. Ela tremia, junto ao gelo, enquanto recebia as diversas pancadas. Trinquei os dentes, fechando as mãos com força. Fogo e gelo reviravam dentro de mim, assim como a sensação de matar quem quer que entrasse em meu caminho.
Fuja. Sozinha e nesse estado você não conseguirá nada. Fuja. Apenas corra como se não houvesse o amanhã. Corra, Leise, corra.
Meus olhos esbugalharam-se e senti um tremor percorrer todo o meu corpo. Sob minhas vestimentas negras, meu coração pulsou forte. Aquela voz... Eu não a conhecia, entretanto, ela causava-me certo alívio. Ela transmitia um sentimento que eu nunca antes houvera sentido; era algo tão... Inovador que me fazia ter a certeza de que seguir o que tal voz dizia era o certo.
Girando os calcanhares, avancei até a janela totalmente arrebentada e pulei no instante em que a barreira de gelo estourou, fazendo blocos congelados voarem por todos os lados. Fechei os olhos com força, despencando por mais de vinte andares.
Olhe para o chão. Concentre-se. Lute por sua liberdade. Eles vão tentar roubá-la de você a qualquer custo. Lute, Leise!
Novamente a voz em minha mente, dessa vez, porém, mais firme e encorajadora. Abri meus olhos e fixei-os em um arqueiro que mirava a ponta de uma flecha flamejante em mim. Um sorriso brotou em meus lábios, totalmente tenebroso e macabro. Saquei, rapidamente, um pequeno punhal de osso e, inclinando o corpo para frente, despenquei ainda mais rápido. Segurei firme a arma em minha mão direita, arremessando-a certeiramente no meio da testa dele quando iria soltar a corda do arco.
Rolei pelo chão e levantei-me logo em seguida, pulando para o lado no exato momento que um enorme Jakrix lançava um enorme machado de guerra em minha direção. Reprimi um gemido de agonia – as feridas das chicotadas estavam ardendo como fogo em contato com a pele – e ignorei o monstro com o machado, começando a correr em direção ao portão principal.
Uma dor aguda atingiu minha perna esquerda. Senti o sangue escorrer por ela, porém, continuei a correr. Minha liberdade dependia disso. Outras pontadas de dor atingiram-me e minha visão começara a ficar turva, impedindo-me de ver algo com total clareza.
Continue, Leise. Continue. Só mais um pouco. Venha em direção a minha voz, venha em direção à canção.
Um cântico, somente escutado por mim, deu-me determinação para continuar a correr. Para continuar firme. Fechei as mãos com força, fazendo a unha fincar-se na carne e o líquido escarlate escorrer.
Estreitei os olhos assim que vários guardas montaram uma linha, bloqueando a saída da fortaleza. Permiti que um sorriso de canto florescesse enquanto reunia o restante de minha energia e transformava-a em labaredas dentro de mim. Então, liberei as chamas, fazendo o fogo consumir os demônios que bloqueavam a passagem. Logo, o incêndio avançou para as laterais do grande castelo, roubando, então, a atenção dos lacaios de meu pai.
— Finalmente... — sussurrei assim que alcancei o lado de fora da grande construção de pedras negras. — Finalmente, liberdade...
Tudo começou a ficar escuro. Meu corpo todo doía e meus joelhos fraquejaram. Em instantes, senti meu rosto bater contra o chão e, então, tudo ficou negro.
Autor(a): VihTurbiani
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