Fanfic: Leis do Destino | Tema: Portinon

Quando Dulce acordou ainda no sofá da sala teve a sensação de que sua cabeça estava sendo triturada por um moedor de carne. Incerta sobre a segurança de abrir os olhos sem virar pó com a luz do sol que lhe agredia como se ela fosse uma vampira, Dulce ousou sentar-se no sofá com as mãos protegendo a visão. 


A boca amarga, a tontura que a fez acreditar estar em alto mar atestaram para Dulce a ressaca colossal que ela não experimentara há tempos. Para piorar seu mal-estar não encontrou Anahi ao seu lado, aquela sensação de amnésia era uma das piores memórias da fotógrafa da sua fase de vício. 


A sua angústia crescia ao tentar recobrar o que acontecera na noite anterior e nada vinha à mente, exceto o momento no qual não teve coragem de revelar à Anahi o porquê de não aceitar a bebida que a namorada lhe oferecia. O remorso por ter cedido e bebido mesmo sabendo dos riscos também lhe consumia, mais do que a sede que a fez beber um litro de água inteiro de uma só vez.


Anahi chegou carregada de sacolas de compras, equilibrando-as com dificuldade enquanto abria a porta.


-- Dul! Já de pé meu amor? Pensei que demoraria um pouco mais...


Se por um lado Dulce sentia um profundo alívio por não ter aprontado com Anahi na noite anterior, dado o bom humor dela, por outro, a ruivinha estranhava aquela disposição da namorada.


-- Eu saí para comprar algumas coisinhas. Vou preparar uma comidinha gostosa para nós, saudável. Foi difícil encontrar os ingredientes, mas, vou improvisar.


-- Any... O que aconteceu ontem?


-- Hum... A gente tomou uma garrafa de vinho e você apagou. Não quis te acordar e não consegui te levar pra cama e você dormiu aí mesmo no sofá.


-- Any... Foi só isso mesmo? Eu tenho vergonha de dizer isso, mas não me lembro de nada.


-- Isso deve ser porque você está faminta! Vou te preparar um bom suco, e te trouxe uns analgésicos.


Dulce tomou o suco que Anahi preparou contendo a ânsia de vômito que lhe tomava. 


-- Não faz essa cara amor. O suco está delicioso...


A fotógrafa fez uma careta qualquer, e se jogou no sofá sem forças. Permaneceu ali o resto da manhã, de vez em quando abria apenas um dos olhos para conferir o desenrolar de Anahi na cozinha.


Os efeitos da conjugação das medicações que usara junto com o álcool foram sentidos exatamente como o seu médico descreveu, contudo, o remorso lhe consumia. O remorso por esconder de Anahi um fato tão importante da sua vida, não se tratava de algo do seu passado, mas sim uma marca, uma parte indissociável dela, desagradável, um fardo, o qual ela estava aprendendo a conviver. 


Anahi tentava disfarçar sua ansiedade e temor por concluir que Dulce escondera tal episódio de sua vida excluindo-a de uma condição permanente na qual Angelique era seu porto seguro. A promotora não sabia calcular as consequências daquela postura de Dulce na estabilidade do relacionamento delas, o que havia de implícito naquele segredo: Dulce não confiava nela? Lembrou-se da conversa ao telefone que ouvira entre ela e Angelique dias atrás no Brasil, na qual percebeu a cumplicidade que sua namorada tinha com a psicóloga e sentiu a insegurança povoar de novo seus pensamentos.



O eco das palavras de Angelique pronunciadas na noite anterior, quando intimou Anahi a cuidar bem de Dulce, entretanto, instigou a loira a dedicar a fotógrafa o carinho e a atenção que o momento exigia, buscando assim deixar Dulce à vontade para compartilhar com ela sua história recente sobre as drogas.


-- Amor? O almoço está pronto, vamos comer? – Anahi convidou.


-- Any eu não sinto fome, acho que se eu comer algo não fica no meu estômago...


-- Meu amor eu preparei uma comidinha leve, se esforce para comer um pouquinho, você precisa se alimentar para melhorar desse mal estar.


Convencida pela voz mansa da namorada, Dulce assentiu. Anahi não poupou mimos à namorada, destinando um afago, um sorriso, uma brincadeira mais descontraída a fim de minimizar o desconforto que Dulce expressava nitidamente. 



O clima estranho ainda instalado ganhou um novo elemento quando o celular de Dulce tocou: no display a ruivinha conferiu: Dr. Foster.


-- Eu preciso atender meu amor. 


Dulce avisou se afastando da mesa, despertando ainda mais a insegurança de Anahi que temendo se tratar de Angelique, furtivamente seguiu a namorada a fim de ouvir algo da conversa:


-- Olá doutor. 


-- Dulce como você está?


-- Eu... … estou bem doutor. Seguindo o tratamento, esqueci a data da consulta? Não teria que retornar ao senhor no final do mês apenas?



-- De fato, você deve retornar para nova consulta no final do mês, mas, com o que aconteceu na madrugada, liguei para saber se você deseja antecipar nosso encontro.


-- Ah! Não se preocupe doutor, está tudo bem, não se repetirá.


Dulce disfarçou sua surpresa emendando uma desculpa vaga.


-- Espero mesmo que não se repita Dulce, seria um retrocesso na sua recuperação, se está a um passo de uma recaída, é melhor que me procure para voltarmos a nossa terapia, reavaliar as dosagens das medicações...


-- Não doutor Foster, não é necessário. A única consequência é mesmo essa ressaca que sinto, não é uma recaída. 


-- Dulce você se lembra do que conversamos sobre o álcool junto com esses medicamentos que prescrevi não é? A Angelique me disse que foi pouca a quantidade que você ingeriu, mas, mesmo assim é um risco.


Dulce silenciou ao ouvir o nome de Angelique. Mas afinal o que se passara na madrugada? O oco das suas memórias deixou a fotógrafa ainda mais angustiada, fazendo-a concluir que a conversa honesta com Anahi não podia ser protelada.



-- Obrigada por ligar doutor. Mas está tudo bem, nos vemos no final do mês.


Ao deduzir que a ligação fora encerrada, Anahi correu para fugir do flagrante, mas, esbarrou em uma escultura no corredor, o barulho da peça se espatifando ao chão chamou a atenção de Dulce no quarto.


-- Anahi? 


Com a fisionomia de culpa,Anahi se desculpou com a voz fraca:


-- Desculpe-me. … a segunda escultura sua que destruo... … da Maite também?


-- Era. Anahi... Você estava escutando a conversa?


Anahi baixou os olhos e respondeu dando as costas a Dulce.


-- Não entendi muita coisa. Eu... Desculpa Dul. Pensei que fosse a Angelique... Você não quis atender na minha frente...


-- Angelique? Porque a Angelique ligaria para mim? Ele me odeia!


-- A Angelique não te odeia coisa nenhuma, ela te ama isso sim!


-- Amava. Depois do que fiz com ela, a última pessoa que ela quer ver na face da Terra sou eu. 


-- Dulce amor não acaba assim... Especialmente o de vocês, tão íntimo, tão forte...


A voz de Anahi embargou-se. Dulce franziu a testa estranhando a afirmação da namorada que surpreendentemente não transparecia sarcasmo.


-- Anahi está acontecendo alguma coisa que não sei?


-- Eu acho que quem não sabe de alguma coisa muito importante sou eu não é? Acho que não provei ainda que sou merecedora de sua confiança como a Angelique foi, ou é.


-- Que besteira é essa Any? Desde quando você tem que me provar alguma coisa? Como assim não merece minha confiança? Eu amo você, acaso você merece meu amor e não minha confiança?


-- Não sei, me diga você... Por que me sinto excluída da sua vida. 


-- Excluída? Anahi você é minha vida! Como você pode duvidar disso depois de tudo que passamos?


-- Você também é minha vida Dulce, eu amo você por inteiro, mas estou percebendo que você não está inteira comigo... Você tem segredos que me esconde... Como posso ter minha vida sem pedaços dela?

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