Fanfic: Leis do Destino | Tema: Portinon

Dulce partiu para Campo Grande com o seu coração aos frangalhos. Como se estivesse anestesiada pela própria dor, enfrentou os dias, a distância e o remorso por ferir tão violentamente Anahi, além da indescritível sensação de perda que assolava sua alma. Nem mesmo o cuidado e proteção de sua mãe amenizaram aquele vazio que invadira sua vida quando deixou São Paulo. Alice estava de mãos atadas, não podia enfrentar o marido, principalmente por saber que de nada adiantaria. Durante os dias que antecederam a eleição municipal, Dulce vestiu a personagem de boa filha moderna e discreta, evitando as especulações sobre sua sexualidade, ligou o “automático” absorvida na sua perda.

Acrisio Savinon conseguiu o que não era previsto pelas pesquisas: arrastou a eleição pela primeira vez naquela cidade para o segundo turno, protelando o sacrifício de Dulce, que aquela altura gozava da influência do pai para cumprir horas de estágio na universidade federal daquele estado impedindo mais atrasos na sua graduação. Por diversas vezes a ruivinha se refugiou nas lembranças e na esperança de refutar aquele estado de prisão que seu pai a submetera, lutaria por Anahi com todas as suas armas, tão logo pudesse mantê-la a salvo do seu pai.

Como as pesquisas anunciaram: Acrisio reverteu o quadro do primeiro turno, e venceu as eleições. O resultado ecoou para Dulce como o anúncio de liberdade condicional. Em meio à comemoração na mansão de sua família, uma festa com dezenas de autoridades políticas, cabos eleitorais, e sua família, a ruivinha correu para seu quarto e em minutos arrumou suas malas e anunciou para a mãe:

-- Estou voltando para São Paulo mãe, preciso vê-la, preciso que ela volte pra mim.

Alice olhou para filha com um olhar compassivo, entristecida pela ingenuidade da filha, sabia que seu marido não se contentaria com a reconciliação dela com Anahi.

-- Minha querida... As coisas não são tão simples...

-- Mas mãe! Ele conseguiu o que queria! Fiz o que ele pediu, cumpri minha parte.

-- E vai continuar cumprindo!

A voz grave do senador adentrou no cômodo, surpreendendo mãe e filha.

-- Não é justo! Fiz o que o senhor queria, já tem sua prefeitura, agora tem uma dúzia de corruptos nojentos da liderança nacional do seu partido hipócrita lambendo o chão que o senhor pisa, está tudo de volta ao normal, volto à minha vida.

-- Não dei prazos para você, não estipulei que seu comportamento, sua brincadeirinha de casinha com aquela caipira voltaria com o fim dessas eleições. Preciso manter minha reputação a salvo dos respingos de boatos imorais que você proporcionou, porque minha ambição vai muito além dessa prefeitura.

-- Mas que diabos o senhor está me dizendo? – Dulce franziu a testa indignada.

-- Em dois anos concorrerei a cadeira de governador, até lá tenho que assegurar minha credibilidade e integridade política, assim, nosso acordo permanece.

-- O senhor quis dizer: chantagem! – Dulce berrou com as lágrimas vertendo pelo rosto.

-- Chame como quiser.

Acrisio virou as costas quando Alice interviu.

-- Meu querido, espere. Não há uma alternativa? Quem sabe se a Dulce fosse para fora do Brasil? Tiraria ela do foco da imprensa, seria mais fácil evitar essa perseguição...

-- Acha que vou financiar os devaneios de sua filha no exterior? Já fiz isso, e não deu certo.

-- Acrisio, paciência... Dulce está se formando em Direito como você sempre quis, atendeu suas exigências, ela tem conquistado fama e prestígio com a profissão dela, ela merece se qualificar nisso, é uma prova de sua boa vontade e do respeito por ela.

O jeito meigo daquela bela mulher falar com o marido ditador era a arma secreta de Dulce para tocar o coração do pai. 

-- Você me garante que vai se comportar? Não vai criar um incidente internacional?

Dulce bufou.

-- Não sou mais criança pai. Mas, o senhor me garante que não fará nada contra Anahi e a família dela?

-- Tem minha palavra, até o momento que você cumprir com a sua, e sua vida seja a mais completa discrição, sobre absolutamente tudo!

As condições estavam muito bem explícitas naquela simples declaração “completa discrição sobre absolutamente tudo”. Se esse era o preço, Dulce assentiu pagá-lo, era muito menor do que a taxa exorbitante de viver longe de Anahi. 

Com o compromisso firmado, Dulce aguardou alguns dias a pedido da mãe para concluir as horas de prática jurídica naquela universidade, e acertar os detalhes da sua partida para Nova Iorque, retornou à São Paulo o mais rápido que pode para fazer as provas de disciplinas que cursava paralelamente à custa de processos movidos conseguindo quebras de pré-requisito. Entretanto, a urgência maior era mais íntima, mais visceral, incontrolável: rever Anahi e reconquistá-la, avançando um passo que ela mesma não estava segura em dar, mas precisava arriscar alto pelo seu amor.

*******

As provas finais consumiam o tempo e energia dos estudantes no final do semestre. As meninas da república se organizavam em grupos de estudo, inclusive Anahi que lutava para manter o foco no estudo a fim de se esquecer de sua decepção com o amor.

Dulce chegou ao Campus ansiosa, esfregando as mãos suadas, com os olhos nervosos a procura de um só rosto, o mesmo que acompanhou seus sonhos, desejos e a lembrança mais presente nas últimas semanas, o de Anahi. 

Os corredores pareciam infinitos, as pernas trêmulas da ruivinha não contribuíam para que aquela distância diminuísse até o quarto semestre do curso de Direito, sala de Anahi. A expectativa foi vã, a sala estava vazia.

-- Oi, não está tendo aula para o quarto semestre?

Dulce perguntou a uma das colegas da ex-namorada.

-- Ah não, acabamos a última prova agora, foi aplicada no auditório da biblioteca. O pessoal está no Botecão.

-- Ah, obrigada.

Dulce disse com ar frustrado.

-- Dulce! A Anahi está lá.

A garota deduziu a procura de Dulce que sorriu agradecida, partindo para o bar. O cenário conhecido parecia apavorar a assídua visitante do lugar, ansiosa, Dulce caminhou pelo Botecão, sendo pouco receptiva com os conhecidos que a saudavam depois do seu sumiço temporário. Sua ansiedade deu lugar a uma angústia sufocante, ao ver saindo do banheiro feminino Anahi acompanhada de uma amiga da república em clima de flerte.

O impulso de correr na direção de Anahi e roubar-lhe um beijo, ou ao menos aproximar-se de seu corpo, foi contido bruscamente diante da cena. Dulce ficou paralisada encarando as duas garotas com a estranha sensação de estar sendo usurpada. Os segundos solitários de angústia de Dulce precederam a troca de olhares com Anahi que ao se deparar com a ex-namorada encostada no balcão perdeu a respiração abruptamente.

O eco das vozes no bar sumiu em um passe de mágica.

As pessoas em volta pareciam fora de foco ao olhar das duas.

O som das batidas aceleradas dos corações parecia crescer gradativamente na medida em que Dulce ousava caminhar em direção a Anahi.

Diante de uma Anahi visivelmente mais magra, e com um olhar nublado, Dulce com as mãos recolhidas no bolso do casaco para esconder o tremor delas, encarou a ex-namorada com os olhos marejados e disse:

-- Oi Any.

O cumprimento de Dulce despertou Anahi do transe, entretanto, ela permaneceu calada e Dulce prosseguiu:

-- Podemos conversar?

-- Não temos mais nada para conversar Dulce, com licença.

Anahi saiu da frente de Dulce, puxando a amiga pela mão. Dulce sem reação encostou-se no balcão, e lá permaneceu pelo resto da tarde, bebendo sem parar observando Anahi claramente lhe provocando ciúmes com sua nova amiga.