Fanfic: antigo amor

A maneira como aquele casamento havia terminado não era certa. Alguma coisa dentro de mim me dizia que ainda havia amor, mas fazer o que se eu fui embora e ele não veio atrás? Me viu indo embora e não fez nada, nem se quer deixou cair uma lagriminha pra demonstrar o que estava sentindo. Não fez nada. Me deixou ir.

Fazem quase 6 anos que eu nem penso em amar outra vez, mas agora é como se o meu coração estivesse aberto à novas possibilidades. Alguma coisa mudou em mim, eu só não sei o que é. Vai ver é essa nova oportunidade de trabalho no Brasil, mas eu ainda não tô preparada para voltar. Tudo bem que o William esteja indo embora de lá, mas eu tenho medo de cruzar com alguma memória do meu passado não tão distante. E eu sei que se eu cruzar, minha vontade de ir atrás do grande amor da minha vida vai falar mais alto e eu não vou conseguir me controlar.

Fui convidada para apresentar um telejornal nacional lá no Brasil, ser âncora do jornal de maior audiência do país. O problema é que o atual apresentador desse jornal é o William Bonner - meu ex marido - e é como se eu estivesse seguindo seus passos. Estar aqui em Paris como correspondente internacional, sendo vizinha da minha irmã e contar com o apoio de alguns poucos amigos incríveis é tão bom que eu fico com medo de abandonar tudo isso. Eu quero ir e não quero sair daqui.

Boatos de que o William vai ir embora - virar correspondente internacional no estado de Nova Iorque, já que a correspondente de lá está em licença maternidade. Como o jornal é exibido em horário nobre e é apresentado por uma dupla, a emissora tem medo de quebrar uma parceria tão produtiva. Então, a ideia que tiveram foi a de mudar toda a grade da programação e fazer uma espécie de troca entre os jornalistas. Eu, que sou correspondente de Paris desde 2004, fui convidada para voltar ao meu país de origem e virar apresentadora do Jornal Nacional. Claro que antes de aceitar de imediato me interessei em saber qual seria minha dupla no jornal, mas essa resposta nem eles sabiam ainda. E eu, que não pensava em William Bonner desde a nossa separação, fiquei com frio na barriga e toda arrepiada só de lembrar daquele rosto divino. Sem dúvida ele é o homem mais lindo que eu já conheci. E apesar de tudo, a época do nosso casamento foi a melhor da minha vida inteira. E até hoje eu não consigo acreditar que ele me deixou ir embora.

Eu estava na sede da Globo em Paris, quando meu telefone tocou. Era a minha irmã.

- Oi Vânia. Aconteceu alguma coisa?

- Não Fá, liguei pra saber se você vem almoçar com a gente. - Seu tom de voz era calmo, então não tinha motivos para eu ficar preocupada.

- Ah! Na verdade eu acho que não, porque a reunião aqui vai terminar por volta do meio-dia. Se der tempo eu volto pra casa, se não der eu almoço aqui pelo centro. Qualquer coisa eu aviso você, pode ser?

- Tudo bem! - Nos despedimos e eu desliguei o telefone. Em seguida fui chamada na sala da reunião.

Caminhei sozinha por entre aqueles corredores estreitos e vazios até chegar aonde todos me esperavam. Eu podia ir pelo caminho mais fácil e me juntar com todos, mas era como se eu fosse tratada com desdém por ser a ex-mulher do editor chefe e âncora do jornal mais famoso do Brasil. Ainda que já tivessem passado 6 anos, as pessoas ainda me destratavam em Paris.

- Da próxima vez, vem montada numa tartaruga que você chega mais rápido, Fatimê. - Aquela ironia ao dizer meu nome e aquele sotaque francês fizeram meu estômago revirar, mas a única coisa que revirou em mim de fato foram os meus olhos.

Sorri mais irônica ainda - se possível - e me sentei no canto mais afastado da sala. Eu sabia que aquela reunião era pra falar da minha volta ao Brasil e também sabia que seria alvo de piadas e fofocas, então quanto mais longe eu estivesse, melhor seria pra minha sanidade mental.

O nosso chefe lá na sede da Globo em Paris, Nicola Françoise, entrou na sala com aquela calma e elegância que só ele tinha. Com 58 anos muito bem vividos só ele parecia ser capaz de cuidar de tanto jornalista mau encarado que nem aqueles parisienses. Era impressionante como ele lidava com as situações mais adversas que o pessoal de lá se metia. Ele sim, merecia o prêmio Nobel. Sorriu simpático para todos e colocou os papeis que segurava em cima da mesa. Olhou para mim, piscou um dos olhos e eu pude sentir todo mundo olhando para mim. "Por favor, parem."

- Fátima, como você está?

- Muito bem, obrigada. E o senhor?

- Ansioso para essa conferência com o Brasil. - Me engasguei com o ar e pisquei freneticamente, incrédula. Conferência com quem? Bra o quê? Que tipo de conferência? Pra quê? Era como se tivesse me caído o chão. - Você está bem, Bernardes?

- O senhor me desculpe, mas acho que eu não entendi direito. - E então todos tornaram a me encarar. - Conferência com o Brasil?

- Sim, isso mesmo. Como você vai voltar para lá e se tornar âncora do telejornal mais famoso do país, nada mais justo do que familiarizar você com o pessoal de lá. - NÃO! - Vamos começar? - NÃO!

Afundei na cadeira a medida que a lembrança daquele homem lindo, do corpo forte, da voz grossa e dos cabelos grisalhos me vinha à mente. Amar o William estava começando a doer. Recomeçando, na verdade. Senti um friozinho na barriga e quando o senhor Françoise começou a reunião, senti que não aguentaria ver o grande amor da minha vida novamente. Até porque eu não havia me preparado para aquilo. Quando a conferência começou, senti meu coração ir até a garganta.

E voltar. Ele não estava lá. William Bonner não estava lá. Eu o procurei, mas não o encontrei. Tudo bem que haviam se passado 6 anos desde o dia em que eu havia ido embora, mas seria humanamente impossível um homem mudar tanto em tão pouco tempo. E também não havia E também não havia ninguém como ele. E nem ninguém que me fizesse bambear as pernas que nem ele fazia.

Meu peito começou a doer e eu imediatamente comecei a massageá-lo. Meus olhos tomaram vida própria e saíram a procurar aquele homem maravilhoso, mas ele não estava lá. Estava com pressa de encontrá-lo, mas ao mesmo tempo não queria revê-lo.

- Fátima? - Um de meus colegas me cutucou. - Estão falando com você.

- D-desculpa. - Fiquei sem graça e me ajeitei na cadeira. Fui apresentada aos meus futuros novos colegas e perdi o ar quando a porta da sala onde os brasileiros estavam abriu. Era ele. William Bonner estava surgindo em câmera lenta na minha direção. Sabe Deus porquê, mas eu me levantei da minha cadeira e me aproximei lentamente da tela para conferir se era mesmo ele. Quando ele se virou de frente para a tela, o sinal da conferência caiu. Parecia que ele havia ficado espantado, surpreso e encantado ao mesmo tempo quando me viu no telão, mas só podia ser impressão minha. Ele era o mesmo homem que anos atrás me deixou ir embora sem nem reclamar.

Mas de repente foi como se o chão estivesse se movendo - e na verdade estava. Me dei conta de que estava prendendo a respiração desde o momento que aquele homem havia aparecido naquela sala do Brasil. E ele estava ainda mais lindo e

- FÁTIMA! - O senhor Françoise gritou comigo quando eu caí na cadeira mais próxima de mim. Voltei a respirar e alguns dos meus colegas parisienses me ajudaram a recuperar o ar. Sorri agradecida e o sinal parecia estar voltando. - Bem, estamos todos bem? Como você está, Fátima?

- Estou melhor, senhor. Obrigada.

- O sinal está voltando e já podemos retomar a reunião. Todos em seus lugares, por favor.

Aquela sala estava em alvoroço. Todos sabiam que eu nem se quer pensava em William Bonner desde a minha real instalação em Paris, e também não era segredo para ninguém que eu ainda sentia alguma coisa por ele. As minhas colegas jornalistas sabiam bem que eu só estava solteira por querer estar com o meu ex-marido outra vez, então não precisou de muito para que elas entendessem o que estava acontecendo. Haviam alguns homens em torno de mim prontos para me ajudar e também algumas mulheres prestativas. Mas o meu ar faltou assim que vi o sinal da conferência voltando.

- Senhor, posso ir tomar um ar? - Eu precisava sair dali.

Ele assentiu com a cabeça e eu saí dali o mais depressa possível. Eu simplesmente ainda não estava preparada para rever William Bonner. Caminhei um pouco e parei no corredor mais escuro, vazio e silencioso possível. Ali eu podia chorar a vontade.