Fanfic: antigo amor

Eram quase 5 horas da tarde e faltava pouco para que eu pudesse sair daquela saleta e ir gravar minhas matérias externas de cada dia. Eu ainda estava muito abalada com os acontecimentos de manhã cedo e não era pra menos. E também eu sabia que, por mais que os meus colegas parisienses não mencionassem nada, todos estavam entendendo exatamente o que estava acontecendo. Voltar para o Brasil estava sendo muito mais difícil do que foi vir para Paris há 6 anos atrás.

Eu estava na minha mesa, terminando de traduzir algumas matérias - porque além de repórter correspondente de Paris eu era também tradutora nas horas vagas - quando uma das minhas colegas veio até mim. E conforme ela ia vindo caminhando lentamente e batendo com o salto agulha daquela bota meio cano no chão eu ia sentindo a minha garganta inchar. Aquele, definitivamente, não era o meu dia.

- Olá Fatimê! - Ela fez questão de provocar. - Como você está?

- Muito bem, obrigada. E você?

- Bem também. É porque hoje de manhã você passou mal quando viu o William pelo telão e - eu levantei uma das minhas mãos pedindo para que ela parasse de falar. Não dava pra continuar ouvindo aquilo. - Desculpe, é que...

- Eu estou bem. E hoje de manhã não aconteceu nada demais. Eu não havia comido nada e por isso fraquejei. O que aconteceu não teve nada a ver com o meu ex-marido, apesar de parecer. Nós estamos separados há 6 anos e eu jamais iria fraquejar por causa dele.

Ela sorriu e balançou a cabeça negativamente. Era impressionante como uma mesma francesa podia ser cínica, enjoada, metida, arrogante e insuportável ao mesmo tempo. Vestida com aquela saia cheia de pregas e aquele cabelo solto todo encaracolado, quem a via passar até poderia pensar se tratar de uma pessoa de paz.

- Você está tentando enganar quem, afinal? Sim, porque todos sabemos que você nem se quer fala em William Bonner desde que saiu do Brasil. E agora, de repente, decide voltar para seu país e quando vê seu ex-marido, cai sentada numa cadeira. Ah! Fátima, por favor.

Me levantei da cadeira e apoiei minhas duas mãos sobre ela. Aquela mulher já estava passando dos limites. E também não parava de falar no nome do William.

- Olha aqui, isso não é da sua conta. Eu estou voltando pro Brasil porque estou com saudades dos meus pais e dos amigos que eu fiz quando ainda morava lá. E além disso, você não tem nada a ver com a minha vida e com o que eu faço ou deixo de fazer. E antes que você saia por aí dizendo que eu confirmei ter caído por ter visto meu ex-marido, não. Eu caí porque não tinha comido nada. E se você me der licença, eu preciso entregar esse material e ir para as ruas, fazer o meu trabalho.

Tranquilamente saí dali e deixei aquela mulher parada, imóvel. Por dentro eu estava torcendo para que ela tivesse caído na minha história ao mesmo tempo que estava cuspindo fogo tamanha raiva. Mas de nada adiantaria arrumar confusão num momento como aquele.

O fim do mês chegou tão rápido que eu mal pude acompanhar a linha do raciocínio. Estava em casa, fazendo minhas malas com a ajuda da minha irmã quando me sentei na cama e dimensionei tudo que estava acontecendo.

Eu estava indo embora de Paris, a cidade em que eu havia conquistado a minha maturidade profissional e, de certa forma, a amorosa também. Estava indo morar longe da minha irmã - no outro lado do mundo. Minhas sobrinhas iriam ficar e meu cunhado também, mas eu iria embora levando tudo comigo. Não havia feito grandes amizades, mas sentiria falta daquele pessoal da Globo de Paris. Era impressionante a forma como eles me preenchiam. Tudo isso sem contar na saudade que eu ia sentir do senhor Françoise. Ele que era quase um avô pra mim.

E com tudo isso, estava voltando para o Brasil. Meu país de origem, onde eu havia nascido e me criado. Estava indo morar perto dos meus pais, na Cidade Maravilhosa. Iria voltar para a bancada de um telejornal e este seria o mais assistido do país. Isso sem contar que eu me tornaria a editora executiva do mesmo. Minha vida estava tomando um rumo aparentemente maravilhoso, mas aí eu me lembrei da questão X dessa viagem: William Bonner. Eu não sabia se ele já tinha ido embora para os Estados Unidos ou se ele ainda estava lá, quietinho no seu canto. E se ele estivesse, como seria?

- Fá, essa era a última muda de roupa. Tem certeza que você vai ir embora?

- Tenho sim, Vânia. É uma oportunidade única na minha vida. Além do que eu estou morrendo de saudades da mamãe! Mas não se preocupe que eu volto nas férias, assim que eu tiver!

Me despedi da minha irmã, do meu cunhado e das minhas sobrinhas como se eu nunca mais fosse os ver outra vez. Eu os amava demais e acabei vivendo lado a lado com eles por 6 anos. Não tinha como ser diferente.

Ganhei um quadro com uma montagem de fotos minha com a minha sobrinha maior. Momentos nossos felizes e alguns tristes, também. A moldura do quadro era de madeira nobre - o que provavelmente lhe custou 3 meses sem mesada. Da minha sobrinha menor ganhei uma ursa linda. Era branquinha que nem papel e tinha o focinho rosado. Segundo ela, a ursa era que nem eu. O meu cunhado me deu um buquê de flores e a minha irmã me deu a cópia da chave da sua casa, caso eu resolvesse voltar.

Dei um beijo em cada um deles mais uma vez e então entrei no táxi, indo em direção ao aeroporto. Para piorar, eu morria de medo de avião.

E então aqui estava eu, no Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa. Cristo havia me recebido literalmente de braços abertos e eu, assim como toda boa recém chegada havia me sentido acolhida como nunca. Fui de táxi até a Praia de Copacabana e quando cheguei lá, pedi pro motorista parar um pouco para que eu pudesse me reidratar. Fui até um quiosque perto dali e comprei uma água de coco. A vista era linda: a praia, aquele calçadão, a areia fofa. Não resisti e tirei meus sapatos, decidida a dar uma breve volta pela praia.

Dei dois passos olhando para a areia e quando percebi, havia uma sombra diante de mim cobrindo o sol. Ainda que receosa, olhei para cima e dei de cara com um homem alto, cabelos grisalhos e olhos semicerrados. Ele olhava para mim como se olhasse para algo surreal, incrível. Confesso que bambeei as pernas e por estar em cima da areia fofa, me desequilibrei e só não caí porque fui envolvida por dois braços longos e fortes. William Bonner estava me apertando para si enquanto não tirava seus olhos dos meus. Minha vontade era de lhe beijar, e estávamos nos aproximando mais e mais, porém eu não podia.

Sorri envergonhada, pedi desculpas e me desvincilhei dos seus braços. Estava tão bom ali, havia tanto calor humano que, por um momento, eu quis bater em mim mesma por ter me afastado. Com muita dificuldade saí da areia e coloquei meus sapatos apressadamente. Ele estava vindo atrás de mim e eu estava com um coco na mão, mas fiquei com medo de atirar. Estava indo pelo lado contrário e teria que cruzar com ele novamente para poder passar. Mas e como fazer isso?

Fiz a volta e tentei passar por ele calmamente, mas minhas pernas estavam perdendo a força como sempre. Passei uma das mãos nos meus cabelos e fitei o chão, caminhando vagarosamente até cruzar com ele. Estávamos lado a lado e ele esticou a mão, puxando o meu braço e me forçando a me aproximar. Mas eu não queria. Eu não podia.

- M-me solta. - E saí correndo o mais rápido que pude, tentando acreditar que aquilo havia sido somente um sonho.