Fanfic: O amor e um anjo ~
Os quatro dias de espera combinados com Orion haviam terminado.
Se o demônio cumprisse sua palavra, estaria esperando por mim no principio da noite, em um ponto especifico a sombra da ponte Rio-Niterói, uma colossal estrutura de concreto, de treze quilômetros de extensão, que cruza a baía de Guanabara e liga Rio de Janeiro a cidade vizinha.
A despeito do convite que recebera para encontrar Lúcifer no inferno, eu me perguntava como faria para chegar até o anfitrião. É claro que a Estrela da Manhã já devia ter cuidado disso, mas como ?
Diferentemente dos outros anjos, que podem se materializar e se desmaterializar a vontade, eu perdi a propriedade de cruzar o tecido da realidade. O Sheol, assim como o paraíso, é um reino espiritual, apesar de não estar sobreposto ao plano material, como estão o astral e o etéreo.
Levando em conta essa cosmologia, as chances que eu tinha de atravessar a membrana eram limitadas, para não dizer nulas. A forma mais comum de rasgar o tecido é mediante rituais mágicos, como aquele ministrado pela Feiticeira, mas eu não acreditava que Lúcifer ou Orion mantivessem um mago de plantão para uma ocasião tão peculiar.
O mais provável é que utilizassem portais dimensionais -portas misticas que ligam uma dimensão a outra-, mas eu desconhecia a existência de qualquer um desses pontos de poder naquela região da cidade.
Analisando as alternativas, só consegui pensar em mais um meio, o rio Styx. O rio Styx é um mistério até mesmo para os malakins. Ninguém sabe sua origem, sua natureza, ou onde começa e termina. Sabe-se, contudo, que é um rio exclusivamente espiritual, que percorre o etéreo em locais específicos. Suas águas agem da mesma forma que os portais, transportando o viajante para algum reino superior ou inferior.
O Styx tem muitas bifurcações e trilhas diferente, todas memorizadas secretamente pelos barqueiros. Os barqueiros são seres etéreos de procedência desconhecida. Parecem ser os únicos que conhecem a verdadeira natureza do Styx e suas rotas. Mediante o pagamento adequado, essas entidades sinistras podem levar o forasteiro a qualquer lugar. Viajar pelo Styx sem ajuda é complicado, muitas vezes fatal. Embora as águas tortuosas do rio não sejam aparentemente nocivas, guardam perigos. De uma hora para outra, vertentes amenas podem desembocar em corredeiras bravias, tornando o nado impossível.
Não obstante, alguns redemoinhos podem sugar os viajantes, e alguns deles são na verdade vórtices que levam a dimensões inexploradas. Além disso, muitas criaturas belicosas se escondem nas profundezas e não hesitam em atacar qualquer um que cruze seu território -muitas vezes em busca de comida-. Inúmeros anjos, demônios e deuses encontraram a destruição no leito do Styx.
Vick narrando
Acordei e Ablon estava sentado ao meu lado, pensativo.
Levantei e pulei em cima dele, deixando minhas pernas paralelas ao seu corpo, puxei seu queixo.
Vick: Tem como ter uma manhã normal comigo ? Uma tarde normal ? E deixar para se preocupar somente a noite ?
Ele me olhou respirando fundo.
Ablon: Bom dia meu amor - e passou as mãos pela minha cintura me puxando para um abraço -
Assim que me acomodei em seus braços senti o cheiro do seu perfume, o que antes era uma maravilha pra mim, agora havia se tornado um cheiro muito ruim, me afastei rapidamente e pulei do seu colo correndo para o banheiro.
Sem hesitar, eu vomitei. Ele apareceu do nada segurando meu cabelo.
Vick: Sai daqui, não precisa ver isso - tentei empurrá-lo -
Ablon: Pare de frescura, o que aconteceu ?
Eu virei para responder e voltei a vomitar.
Vick: Argh como eu odeio isso - disse enquanto escovava os dentes, finalmente havia parado -
Ablon: Amor - ele tentou se aproximar -
Vick: Não se aproxime, foi seu perfume.
Ablon: Meu perfume ? Mas Vick, é o mesmo de sempre.
Vick: Ah eu sei lá, ou foi algo que comi, mas por enquanto fique longe.
Ablon: Vou chamar Shamira.
Vick: Não, não precisa, já estou melhor, vou tomar um banho.
Passamos uma tarde digamos, agradável, com filmes, pipocas, risadas e o perfume de Ablon não voltou a me incomodar, a noite havia chegado e resolvemos pedir pizza.
Tomei banho de novo e me vesti. Iriamos ficar em casa mesmo mas, eu gostava de estar produzida.
Ablon estava no quarto quando a campainha tocou e eu corri atender. O entregador me olhou de cima em baixo.
XXX: É... - ele limpou a garganta - foi aqui que pediram pizza de calabresa e strogonoff ?
Vick: Foi sim, só um minuto vou pegar o dinheiro - Fui me virar e Ablon estava parado atrás de mim -
Ablon: Aqui o dinheiro - ele encarava o entregador que não tirava os olhos de mim -
Vick: Que susto, não tinha visto você.
Ablon: É eu sei - ele me agarrou por trás e estendeu um dos braços para o entregador - vai pegar o dinheiro ou vai ficar aí babando na minha mulher na minha frente ? - Ele umedeceu os lábios e pegou o dinheiro. - Pode ficar com o troco - disse assim que pegou a pizza e fechou a porta na cara do entregador sem deixá-lo responder -
Vick: O que foi isso ? - disse me virando pra ele -
Ablon: Ele estava ti comendo com os olhos, não percebeu não ?
Vick: Quanto ciumes, credo. E minha mulher ?
Ablon: E essa roupa também ? Pra que isso ? Você é MINHA, sabe muito bem disso.
Vick: Pra você ? Seu ingrato - fingi cara feia - Sou sua ? Tem certeza ?
Ele largou a pizza em cima de uma mini mesinha que tinha ali e me apertou contra seu corpo.
Ablon: Certeza absoluta, e eu não preciso dessas roupas pra mim, até porque, eu prefiro você sem elas - sorriu maliciosamente -
Vick: Que anjo safado - coloquei a mão na boca -
Ablon: Quem mandou me ensinar essas coisas - mordeu meu lábio -
Shamira: Vamos para de safadeza ? Estou com fome - ela disse logo que apareceu nas escadas -
Vick: Eu também.
Ablon: Ah, eu também, estou faminto - ele me deu um apertão -
Vick: Para de ser tarado. - cochichei no seu ouvido - Vamos comer.
A temperatura voltou a esfriar e começou a chuviscar. Ablon precisava partir.
E é claro que eu evitei ao máximo pensar naquele momento o dia todo, mas ele havia chegado.
Respirei fundo enquanto arrumava a cozinha, tentando conter as lágrimas.
Ablon narrando
Eu temia muito ter que deixá-las, sozinhas.
Shamira sempre soubera se defender, durante todos esse anos, e sei que agora, defenderia Vick também, mas naquela noite, havia uma sensação ruim no ar, um estranho cheiro de perigo, que me deixou em alerta.
Como guerreiros, nós querubins as vezes somos surpreendidos por premonições desse tipo. Estava quase desistindo da viagem.
Shamira: Meu poder está voltando. Não há razão para se preocupar - ela me garantiu - Você tomou sua decisão. Acho que precisa focar suas energias para o encontro com Lúcifer. Eu é que deveria estar preocupada com você, e não o contrário.
Ablon: Você tem certeza de que vai ficar bem ?
Shamira: Claro - ela sorriu - Tenho TV, comida, uma bela vista da cidade, uma companheira... É claro que ficarei bem - e piscou um dos olhos, bem-humorada - Além disso, trouxe comigo alguns objetos misticos para o caso de ocorrer alguma eventualidade.
Assenti mais tranquilo e me virei para Vick que estava encostada no sofá de cabeça baixa. Caminhei até ela.
Ablon: E você, vai ficar bem ? - disse assim que ergui seu queixo -
Vick narrando
Vick: Meu coração esta apertado e eu sinto que uma parte de mim está indo embora, isso é definição para “ficar bem” ?
Ablon: Eu vou voltar.
Vick: Promete ? - segurei sua mão apertando forte -
Ablon: Sim.
Vick: Posso te pedir mais ?
Ablon: O que quiser.
Vick: Só acho que agora é uma boa hora para aceitar aquela caixinha.
Ablon: A caixinha ? - ele pareceu surpreso -
Vick: Sim, a caixinha, ou melhor, o que está dentro dela.
Ablon: Ok, espera um minuto - ele correu escada acima e logo voltou -
Vick: Deveria estar no seu bolso - cruzei os braços -
Ablon: Estava muito bem guardada, o inferno não é um bom lugar pra ela - pegou minha mão e entregou -
Vick: Isso significa que não vai colocá-la não é ? Eu até acho melhor, assim, ela fica comigo, esperando a sua volta. - Abri a caixinha com cuidado e meus olhos brilharam. -São... são perfeitas.
Ablon: Queria que você escolhesse, então, a do casamento você escolhe tá ?
Vick: Urrum - olhei pra ele com os olhos cheios de lágrimas -
Ablon: Aceita se casar comigo Victória Emanuelle ? Aceita ficar do meu lado, para o resto da vida ? Ser minha ?Exclusivamente minha ?
Vick: Sim, ainda mais depois de dizer meus dois nomes -sorri nervosa- aceito meu amor, aceito ser sua para o resto da vida.
Ele pegou a aliança da caixinha, ergueu minha mão esquerda e colocou lentamente no meu dedo, dando um beijo logo em seguida.
Vick: Prometa por favor que ainda temos muito o que viver juntos, que não vai sossegar enquanto não estiver ao meu lado ? Que vai voltar para buscar a sua aliança ?
Ablon: Prometo, eu não sossegaria nem por um minuto se não estivesse ao seu lado, vou te buscar, onde quer que esteja, e vou te encontrar.
Vick: Jura de coração ? - uma lágrimas escorreu -
Ablon: Juro - ele limpou a lágrima e com ela fez o gesto na frente do coração -
Vick: Eu te amo – pulei passando as pernas por sua cintura -
Ele me segurou imediatamente.
Ablon: Eu também meu amor, eu também te amo.
E assim, demos o nosso beijo de despedida, sim aquilo parecia um despedida para mim, não sei porque, mas meu coração me dizia algo. Desci de seu colo e fomos de mãos dadas até a porta, onde Shamira nos esperava.
Ele parou, e acariciou meus cabelos e depois desceu para meu rosto, deu um abraço em Shamira logo em seguida.
Ablon: Muito bem. Tranquem a porta. - ele disse meio sério e meio brincando -
Me entregou a chave do apartamento, vestiu o sobretudo e tocou a maçaneta, mas Shamira o chamou.
Shamira: Espere...
Ablon: O que foi ? - ele pareceu estranhar -
Quando olhei, ela arrastava uma de suas malas, a maior, e se ajoelhou na frente dele, abrindo a tranca e levantando a aba de couro.
Dali tirou um artefato comprido, muito parecido com uma espada.
A lamina estava enferrujada, quebradiça e cheia de falhas, e uma casca áspera cobria a superfície da folha. O cabo era de um metal enegrecido, mais semelhante ao bronze oxidado.
Shamira: Quero que leve isso em sua jornada - ela pediu, estendendo o objeto -
Ablon: A Vingadora Sagrada! - ele exclamou, um tanto surpreso - Como a encontrou ?
Shamira: Eu notei os sinais. Não estava certa se eram os prenúncios do Apocalipse, mas decidi arriscar. Então conclui que, se o Armagedon estivesse mesmo próximo, você precisaria dela novamente. Voltei ao local onde a tinha deixado e iniciei a escavação. Não foi nada fácil encontrá-la na base da montanha. A energia mistica que havia nela sumiu. Não pude usar minha mágica para rastreá-la. Tive de confiar somente nos velhos equipamentos, nos quais sou perita.
Ablon: É natural. A espada não vive sem o guerreiro. Sem a força de minha aura, a Vingadora Sagrada é apenas um pedaço de metal.
Shamira: Eu sei disso. Por isso a trouxe até você. Achei que talvez fosse a hora de reviver o querubim que já salvou minha vida.
Ablon: É uma relíquia maravilhosa, e só a usaria em ultimo recurso - ele fez uma pausa e olhou para a necromante, com todo o afeto - Agradeço seu empenho, mas não devo levá-la nesta viagem.
Shamira: Por quê ?
Ablon: Não me deixariam entrar armado no inferno. Além disso, a Vingadora não me impedirá de ser morto por Lúcifer, se assim ele quiser. Em uma situação extrema, as runas terão maior serventia. Elas são um elemento surpresa.
A Feiticeira concordou.
Shamira: Está bem. Mas, sobre as runas, volto a dizer: Elas não agem infinitamente. Você só terá uma chance de fuga, caso seja atacado.
Ablon: Farei o máximo para me manter vivo - ele me olhou - quantas vezes puder.
Ela pôs a arma de volta na mala, e ele deixou o apartamento.
Um pressentimento terrível me sacudiu, e eu pensei em correr e avisá-lo, mas talvez fosse apenas um calafrio.
Só um calafrio.
Agora pelo menos ele sabia onde estava sua espada e tenho certeza que clamaria por ela, se assim desejasse.
Ablon narrando
Em uma determina altura da ponte, quase chegando a Niterói, as águas da baía de Guanabara vão ficando mais rasa, e a via de concreto segue por mais três quilômetros sobre terra firme. Nesse ponto, o que se vê a direita é uma paisagem decadente, cujo centro é complexo de industrias de peças navais e materiais pesados.
De seus galpões brotam fileiras de tubos de concreto que despejam esgoto e resíduos tóxicos no mar. As margens, próximas as fabricas, exibem enormes pedaços de metal enferrujado e carcaças podres de petroleiros.
O cheiro do ar é repugnante, e as partículas de sujeira expelidas pelas chaminés aderem as superfícies, padronizando as construções com um deprimente tom cinza escuro.
Uma faixa continua , de areia suja, estende-se ao longo de dois quilômetros a sombra da ponte, dando forma a pequenas praias de águas negras, constantemente cobertas pela névoa da poluição. Minha motocicleta contava com boa tração e pneus resistentes, por isso consegui seguir dirigindo até o exato local onde marcara o encontro com Orion. Era uma dessas praias escuras, rejeitadas até mesmo pelos insetos rastejantes.
Por ter estacionado bem de baixo da ponte, achei que os ruídos dos carros seria insuportável, mas olhei para cima e vi que as pilastras que sustentavam a pista tinham mais de trinta metros de altura, distancia suficiente para dispersar qualquer barulheira. Desliguei o motor, mas deixei o farol ligado, para indicar minha posição.
Era uma atitude mais simbólica do que prática, pois sabia que os demônios enxergavam no escuro, até bem demais. Segundos antes da hora combinada, a fumaça pareceu expandir-se, mas não era a poluição, realmente.
O denso nevoeiro que avançava não vinha das fábricas nem de nenhuma outra fonte mundana. Assemelhava-se, muito mais, a uma bruma espectral, uma força diabólica dragada das dimensões esquecidas.
O farol da motocicleta falhou, e então senti um abalo no tecido da realidade. Entendi que meus anfitriões se aproximavam e desmontei, caminhando em seguida para perto do mar.
Em meio a neblina, surgiu um barco mediano, confeccionado em madeira, muito parecido com as embarcações usadas pelos egípcios durante o Novo Império para navegar pelo Nilo, porém sem velas.
Era longo e fino, com a proa e a popa distantes, e dotado de uma cabine fechada no centro. Tal cabine tinha o teto alto, o que bloqueava a visão dos passageiros a outra extremidade do barco. Mas o detalhe mais assustador era, com efeito, seus condutores, fantasmagóricas criaturas guiavam o transporte, deduzi que fossem eles os estranhos barqueiros.
Nunca viajei antes pelo Styx e jamais tinha me deparado com um daqueles seres bizarros. Vestiam túnicas negras, com capuzes longos que cobriam totalmente o rosto. Dois deles empurravam o barco com varas longas. A aparência em si não era assustadora, mas o que impressionou, sem duvida, era a ausência total de emanações misticas provenientes de seus espíritos negros. Era como se não existissem, como se simplesmente não estivessem ali. Não podia senti-los.
Em pé, sobre uma elevação na proa, estava Orion. Mostrava a antiga imponência real e vestia a máscara da aparência humana. Anjos e demônios são espíritos de luz, ou de trevas, cujas formas verdadeiras só podem ser percebidas nos reinos espirituais. Os anjos, em geral, são muito parecidos com os seres humanos, mas a grande maioria dos demônios reflete no corpo espiritual a corrupção do coração.
São a imagem da decadência, e sua aparência é quase sempre distorcida e monstruosa. Celestiais e infernais diferem dos espíritos comuns porque possuem a habilidade de se materializar. Os avatares são dotados de órgãos humanos, ossos, carne e sangue. Os avatares são idênticos a estrutura corporal humana, não importa qual seja a forma espiritual, que normalmente escolhe a forma que mais lhe convém.
Querubins, por exemplo, preferem avatares fortes e resistentes, ao passo que demônios negociadores e trapaceiros costumam adotar um semblante mais carismático, de moças bonitas, velhinhos simpáticos ou crianças adoráveis.
Os únicos apêndices sobrenaturais que anjos e demônios podem manifestar no plano físico são as asas. Alguns demônios, porém, não as possuem, e naturalmente não tem como invocá-las. Ambos, todavia, raramente fazem isso.
Desprender as asas gera grandes abalos no tecido, o que torna o processo praticamente impossível em áreas em que a membrana é espessa. Quando um celestial retorna ao plano espiritual e ascende ao céu, o avatar se dispersa no tecido da realidade, sumindo do universo palpável. O avatar de Orion sofria de uma deformidade na perna. O joelho se partira havia muito tempo, durante os últimos dias de Atlântida. Quando o obelisco principal da cidade tombara sobre ele, esmigalhando os ossos abaixo da coxa. Por razões inexplicáveis, o ferimento nunca sarou por completo, e ele era obrigado a recorrer ao apoio de uma bengala. Meus olhos encontraram o rosto de Orion através da bruma cerrada, no instante em que o barco ancorou.
Orion: Sabia que você viria, meu amigo – disse o Rei Caído, com um tom de voz calculado, característico dos satanis -
A expressão era sóbria, mas não escondia a satisfação por estar, novamente, ao meu lado, seu companheiro celeste. Eu conhecia bem as vibrações do meu amigo e tive certeza de que aquele ali, a minha frente, na proa, era o mesmo o antigo elohim, e não um simulacro enviado por Lúcifer para me emboscar. A desconfiança se foi, e pulei com elegância para dentro do barco. Ao notar o meu ingresso, os barqueiros aparentemente entenderam o que vieram buscar e fincaram os bastões no leito, preparando-se para dar meia-volta. Apenas observei em silencio.
Orion: Nossa viagem não será longa – avisou -
Enquanto o barco regressava a fumaça. De repente, as margens sumiram, e a baía desapareceu. A água mudou de cor e consistência, passando do verde-escuro ao vermelho sangue. Penetrávamos assim em outra dimensão. Não disse nada. Analisei as alterações e os movimentos das criaturas de negro.
Orion: Você deve estar se perguntando quem são esses, não é ? - falou o atlante, indicando as entidades sem rosto - Não, eles não são demônios, como eu. São os barqueiros.
Ablon: Eu imaginei – concordei, pela primeira vez - Então, vamos pegar a rota pelo Styx?
Orion: É a maneira mais rápida, e por isso muito mais cara.
Não conhecia a logística daquelas viagens. Nunca precisei percorrer as vias ocultas.
Ablon: E qual foi o pagamento exigido ?
Orion: Essência - revelou - Eles apreciam muito a energia de nossa aura pulsante.
Estranhei a resposta.
Ablon: Senti suas emanações quando subi a bordo, Orion, e ainda as sinto agora. Se você usou a energia de sua aura para pagar os barqueiros, deveria estar exausto por isso.
Orion: Não fui eu que paguei pela viagem – interrompeu, apontando a popa -
Estiquei o pescoço e avistei, na outra extremidade do barco, os contornos de uma criatura humanoide, envolta pelas sombras da noite.
Orion: Foi Amael, o Senhor dos Vulcões - emendou o caído - Ele cedeu uma boa quantidade de sua energia aos barqueiros. Vai ficar enfraquecido por algum tempo. Por isso você não sentiu a presença dele. Ele está vazio.
Ablon: Amael... - murmurei, mais para mim -
Lembrava-me com clareza daquela figura, outrora gloriosa, que um dia fora um anjo também, mas que como muitos, acabara iludido pelas falsas promessas de Lúcifer, juntando-se ao Arcanjo Sombrio na guerra contra Miguel.
Comovido, fiz menção de rumar ao seu encontro, mas Orion me deteve.
Orion: Não – alertou - É melhor não chegar muito perto. Ele não vai conseguir encará-lo.
Ablon: Por quê ?
Orion: Você conhece a história. Amael foi, no passado, um ishim, um anjo que controlava as forças da natureza. Seu titulo era Senhor dos Vulcões, por causa de seu poder supremo sobre a província do fogo. Quando Miguel e os arcanjos ordenaram o diluvio, Amael foi escolhido para executar a missão. Usou toda sua potencia para derreter as calotas polares e aumentar assim o nível dos oceanos. Mas, na verdade, ele nunca quis ter feito aquilo. Seu pupilo, Aziel, teve a chance de recusar o encargo, mas ele não teve saída. É responsável pela morte de milhões, e ainda assim um inocente -Orion fez uma pausa e fitou a silhueta sombria- Tomado por um terrível sentimento de culpa, ele se juntou ao Diabo e caiu ao inferno, como eu. Hoje, é um zanathus, um demônio elemental.
Ablon: Foi esse mesmo diluvio que destruiu sua cidade de Atlântida. Foram as mesmas águas que sepultaram seus sonhos ?
Orion: Sim, eu considerava Amael responsável. Já senti muito ódio dele. Agora, contudo, só consigo sentir pena. Pobre criatura atormentada. Um assassino de milhões, vitima do próprio crime.
Havia muito tempo que nós, antigos companheiros não conversávamos daquela maneira. Tínhamos sido separados pela arrogância de nossos lideres, mas nem mesmo a distancia liquidara a amizade. A presença do Rei Caído me transportou de volta a Atlântida, a majestosa capital dos reinos de antigamente.
Ablon: O ódio nos transformou em monstros, amigo. E a verdade é que, por mais que eu decida participar de uma guerra, já me cansei dessas matanças intermináveis. Cansei de fugir. Minha maldição não é ser renegado, mas ter sido obrigado a me tornar um assassino. Estou farto de matar para me manter vivo.
Orion: Você não é mais um fugitivo, general, e nunca foi um assassino. O tempo das perseguições acabou. É chegada a hora de selar alianças e deixar o passado de lado. Não é mais importante quem fomos, e sim o que somos e o que seremos. Todos temos os nossos pecados. Alguns já pagaram por eles, outros não, mas o que importa ? Cedo ou tarde, todos terão de enfrentar a sentença. E não nos cabe julgá-los. A nós, cabe apenas fazer o que achamos certo. Assim garantiremos nossa redenção.
As palavras dele pareciam emanar de mim. O passado em comum moldara em nós, mesmos valores, as mesmas convicções.
Era difícil entender como o acaso nos pusera em lados tão diferentes. O barco navegava na trilhas do Styx, guiado pela hábil condução dos barqueiros. As águas vermelhas estavam mais agitadas, mas a nevoa recuara, permitindo a visão das margens.
Deslizando pela orla, corria uma série de vultos, mas não consegui identificar suas formas. Como os condutores nada fizeram, conclui que tais monstros eram inofensivos. Acima, o céu era uma cortina escura, estéril, sem lua nem estrelas.
Em certo momento, um cheiro agradável despertou nossa atenção. Estava no ar, nas águas do rio, em todo lugar. Era um tipo de vapor aromático, que guardava em si maravilhosa fragrância das flores silvestres.
Assim, quando olhei em volta, o cenário tinha mudado radicalmente. O ambiente sombrio desaparecera, e uma luminosidade confortável branqueara a paisagem. Reparei na beira fluvial e percebi que agora o rio cruzava uma dimensão florestal. Flores multicoloridas dividiam espaço com árvores magnificas, que de tão belas nem existiam na terra.
Esquilos escalavam os troncos, coelhos bebiam águas das poças, e uma raposa dormia entre as raízes de um grande carvalho.
Autor(a): Fraanh
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Ablon: Você sabe que lugar é esse ? - perguntei - Orion: Não tenho certeza - ele respondeu - Os barqueiros do Styx nunca pegam a mesma rota mais de uma vez. Imagino que estejamos cruzando a Arcádia, a terra das fadas. Ablon: A terra das fadas – concordei - Ela é incompreensível at&eac ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 1
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fraanh Postado em 16/10/2014 - 20:18:52
Por mais que eu esteja postando a primeira temporada rapidamente só para continuar a segunda (já que tive que sair do orkut), eu devo, com toda a educação do mundo, dar as boas vindas as leitoras que não me acompanharam antes, então, sejam bem vinda meninas, espero que estejam gostando, comentem por favor, eu não mordo não *-*