Fanfics Brasil - Capítulo 42 O amor e um anjo ~

Fanfic: O amor e um anjo ~


Capítulo: Capítulo 42

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 Ablon narrando 


  Orion e Amael me acompanharam na viagem Styx acima. 


 A volta para a Haled foi um pouco mais taciturna.  Amael, recolhido nas sombras, estava fraco demais para falar, e Orion não escondia o desconsolo por eu não ter me juntado a Lúcifer. 


 Mas não era só isso.  Eu também estava calado.  Preocupado com o que podia acontecer, depois de ter pressentido uma vibração negativa.


 Um pouco antes da meia-noite, o barco aproximou-se da praia, as sombras da ponte, sempre envolto naquelas brumas espectrais. Desembarquei e dali subi na motocicleta. 


 Avistei a embarcação sumindo na névoa e depois liguei os motores. Conduzi a moto até a via asfaltada e acelerei sobre o concreto. 


 A ponte estava vazia, o que era comum aquela hora da noite.  Nenhum veículo transitava pelos dois sentidos, o que despertou minha curiosidade.  Especialmente atento as pertubações, captei um aroma conhecido e notei as falhas de energia nos postes de luz. 


 Apertei o freio e virei o guidão abruptamente. O pneu traseiro raspou no asfalto, soltando o cheiro de borracha queimada.  A moto parou de lado, cruzando a faixa principal.  Enxerguei, então, um anjo de cabelos ruivos, trepado em um dos postes a margem da pista.  De tão equilibrado, era óbvio que se tratava de um querubim, por sua habilidade em manter o balanço.


 O controle gravitacional é a divindade que dá a desenvoltura aos guerreiros, que lhes permite salta a distancia e escalar com maestria. 


O anjo sobre o poste escorregou, gracioso, e pisou onde as linhas amarelas pintadas no chão demarcavam a divisão das duas raias. Seu rosto era magro, e o ar carismático não deixava dúvidas sobre a identidade.  Balberith, o príncipe da casta dos querubins.  Não o via desde o dia em que fui expulso do céu e não planejava reencontrá-lo, sobretudo em uma situação tão conturbada.


 Uma vez, admirei meu príncipe, mas todo o respeito se fora, a medida que ele se corrompia.  Balberith acatava todas as ordens do arcanjo Miguel, até mesmo as mais homicidas, sem nunca questionar seus métodos.  É verdade que dos querubins se exige toda a obediência, afinal são/somos soldados- mas não propriamente assassinos!


Houve um tempo em que Balberith era invencível dentro da casta, e talvez ainda o fosse, mas eu não era o mesmo combatente de outrora. Desde a expulsão, tinha aprimorado minha destreza, enquanto Balberith ficara, por todo o tempo, sentado em seu trono no Castelo da Luz, dando ordens e se metendo na politica celeste. 


Outrora tivera força e autoridade para me derrotar e Apollyon junto, mas hoje sua aura seria ofuscada pela energia de qualquer um de nós dois. O príncipe dos querubins não era muito forte, o que compensava em agilidade e perícia. 


Mas, apesar disso, parecia corpulento a distancia e vestia roupas pesadas. As camadas sobrepostas tinham um único objetivo: ocultar sua armadura dourada. Balberith nunca largava sua casca, a famosa Couraça da Honra, uma das mais resistentes e cobiçadas peças do paraíso. 


Enquanto a maioria dos anjos vestia chapas peitorais. Balberith possuía uma armadura completa, com placas que cobriam os braços e as pernas, porém sem elmo. Não levava espada, é claro, porque o código dos lutadores o impedia de erguê-la contra um oponente desarmado, ainda que fosse um renegado – ou até um demônio. 


Conservei a expressão confiante, diante de alguém que, obviamente. Estava ali para me atrasar. O semblante determinado desagradou o anjo ruivo, mais acostumado a ser bajulado. 


Balberith: Ablon! - esbravejou - Será que não se recorda de seu velho líder ?


 Ablon: Não reconheço nenhum líder – retruquei - 


Não estava disposto a iniciar um diálogo. Só queria ir embora, voltar a presença de Vick e Shamira.


Balberith: O que se passa em sua cabeça distorcida, general ? - mudou de assunto, fingindo se preocupar - Você agora deu para formar aliança com perdedores ? Logo você ? 


 Era, naturalmente, uma provocação pelo meu encontro com Lúcifer, a quem os anjos julgavam um “derrotado”.  Mas como ele sabia da viagem ? 


 Ablon: Saia da minha frente, Balberith - limitei a dizer, sem muita paciência - 


 Girei o acelerador da motocicleta e me preparei para arrancar. 


 Balberith: Não, soldado. Não posso deixá-lo partir. Tenho minhas ordens e costumo cumpri-las. Como perceberá em breve, as coisas mudaram um pouco por aqui enquanto esteve fora. 


 O príncipe caminhou para o lado, a fim de ficar frente a frente comigo.  Ainda não tinha conseguido entender o motivo daquela abordagem. 


 Não acreditava realmente que Miguel estava preocupado em me matar, e se estivesse não mandaria só um caçador.  Mas como teria me encontrado ? 


 A ponte continuava vazia.  Nenhum veiculo. 


 Um vento frio soprou do leste, e tive a impressão de que o príncipe tomava posição de combate. 


 Balberith: Você é um maldito anjo renegado, Ablon, e não respeita ninguém. Mas precisa aceitar de uma vez por todas que sou seu superior. Sim, ainda sou. E sou também o mais poderoso dos querubins. Se hoje você é o que é, deve tudo a mim. Eu o treinei. Eu o nomeei general. E por isso me sinto responsável por todo esse fiasco em que se meteu. Eu nunca deveria ter interrompido aquele duelo entre você e Apollyon. Mas preferi fazê-lo porque não queria perder um bom lutador. Salvei sua vida naquele dia. -  Não queria conversa. -


 Ablon: Você fala demais, Balberith. 


 Balberith: Acho que não compreendeu. De certa fora, você é produto do meu trabalho. Não posso continuar carregando esta vergonha. É algo que macula minha honra. Prefiro ter um oficial morto a vê-lo andando no meio dessa gente de barro. E, neste particular, acho que você passou dos limites. 


 Gente de barro. Era como Miguel se referia aos humanos. 


 Ablon: Vick! - conclui - 


 Era lógico.  O meu relacionamento com a humana era o que o príncipe queria dizer com “você passou dos limites”. 


 Se os celestes sabiam onde ele estava, seguramente encontrariam Vick e Shamira, ou já tinham encontrado!


Sem que percebesse, a fúria esquentou-me a pele. Costumava ser calmo e dificilmente perdia o controle, mesmo quando minha vida estava ameaçada.  Aprendi a conservar a paz e a nunca dar vazão ao ardor.


 Mas, Vick era, indubitavelmente, meu ponto fraco.  Morreria para defendê-la e não admitira que fosse jogada nessa guerra estupida por minha causa. 


 Os soldados são assim, geralmente.  Dão a vida por seus companheiros, por sua nação ou por um ideal, sem se preocupar com as consequências.  Apesar da ira, não desejava enfrentar Balberith. 


 Não devia perder mais tempo. Tudo que pensei foi em acelerar a motocicleta rumo a cidade, mas meu oponente não saiu do meio da pista.  Não me deixaria passar, não importava o que acontecesse. Conhecia a determinação dos querubins, porque era um deles também. 


 Balberith: Você não vai a parte alguma - reforçou, sugerindo um duelo entre nós - 


 Estava furioso, ciente de que elas estavam em perigo, e tinha pressa, mas simplesmente não podia recuar ao confronto. Tentei, pela ultima vez, alertar o inimigo. 


 Ablon: Balberith, eu não sou mas seu antigo oficial do Castelo da Luz. Eu mudei desde então. Aprendi coisas novas, aprimorei minhas técnica e não permitirei que meus valores se desfaçam em pó - e completei, com uma frase antes usada pelo próprio Balberith - Portanto, se insistir neste combate, terei que matá-lo. 


 O príncipe dos querubins surpreendeu-se ao ver que lembrava tão bem daquelas palavras distantes. Mas isso não foi o bastante para intimidá-lo, como já era de se esperar.  Sentia-se resoluto, ainda mais com sua Couraça da Honra. 


 Considerava-se o melhor dos lutadores, o vassalo mais perfeito do arcanjo Miguel.  Seu erro não foi ter se oferecido ao duelo, mas não ter analisado corretamente a minha capacidade.  Não tive escolha. 


 Desmontei da motocicleta e aceitei o desafio. 


 Estávamos distantes uns vinte metros e nos posicionamos na mesma linha, um de frente para o outro. Ajoelhamos quase ao mesmo tempo, fechamos os olhos e concentramos nos punhos o poder invisível da Ira de Deus.  Não era mais um simples treinamento.  Um de nós morreria.  E estávamos cientes dos riscos.


 A ponte continuava vazia.


Abrimos os olhos e nos encaramos profundamente. Quando dois querubins chegam a esse ponto, parece que são tomados por uma espécie de transe, e daí em diante nada pode detê-los. Disparamos, um contra o outro, a uma velocidade inumana. 


Eramos tão rápidos que nossos movimentos deslocavam o ar, produzindo um ruido igual as lufadas de vento. O rosto era como o dos predadores, prontos para destroçar o almoço. Quando chegamos perto o bastante para golpear, ambos saltamos bem alto, quase alcançando a linha onde os postes de luz encurvavam para dentro. 


No espaço em que no cruzamos, em pleno ar, sabíamos que só teríamos tempo para desferir um único ataque, que deveria ser letal, para aniquilar o oponente. E então atacamos. 


Nenhum barulho foi ouvido. Aterrissamos, com os pés firmes no chão, um de costas para o outro. Aparentemente nenhum de nós tinha acertado a pancada, pois não parecíamos feridos. Estávamos como começamos. 


Olhei para o punho fechado, como um carrasco fita a espada. E relaxei o corpo, certo de que havia concluído a infeliz tarefa de eliminar meu capitão. Deixei a linha de combate e caminhei em direção a motocicleta. 


Já tinha feito o que precisava fazer. Mas, ao perceber a evasiva, Balberith protestou. 


Balberith: Pare onde está, general! Eu avisei que você não iria a lugar algum sem me enfrentar. Não há como fugir, soldado! Volte já para a sua linha de duelo. O combate ainda não terminou. 


Ablon: Para você já, Balberith.


 


Narração terceira pessoa 


  O anjo ruivo ia continuar praguejando, mas sentiu uma estranha dor no peito, como se uma agulha lhe apertasse o coração, e calou-se.  De repente, todo o corpo começou a tremer, e então ele ouviu o barulho de uma rachadura no metal. 


 Depois outra e outras.  Estupefato, percebeu que a Couraça da Honra, a belíssima armadura dourada que envergava, estava ruindo! 


 Naquele instante, Balberith ficou sem ação, apenas assistindo ao estilhaçar da famosa relíquia, até que se reduzisse a minusculas lascas de ouro.  Um terrível sentimento de derrota o dominou – uma sensação nova para alguém que, até então, nunca fora vencido.


 A dor no peito aumentou - ele não podia mais respirar -  O coração, a parte mais sensível do corpo de um anjo, fora atingido, e ele nem sequer vira o golpe.  Foi tão potente, tão rápido, que um único soco destruiu a armadura, penetrou o tórax e fez explodir o músculo cardíaco.


 A velocidade extraordinária do ataque desintegrou as moléculas do metal e despedaçou os átomos da carne, mas o efeito foi retardado, pela celeridade do choque.  Um segundo depois, o coração estourou, de dentro para fora.  Balberith tombou. 


 O sangue esparramou-se na pista, desenhando uma enorme poça no asfalto molhado.  Balberith, o príncipe dos querubins, estava morto. 


 Ablon voltou a motocicleta, subiu na maquina e acelerou.  Antes, diminuiu a velocidade e passou novamente pelo local onde jazia o avatar inerte de seu ex-comandante.  Parecia um boneco, um invólucro, ainda mais inanimado do que um cadáver humano.  Essa é a aparência dos corpos físicos dos anjos quando são destruídos. 


 Apesar de tudo, o general não queria matá-lo.  Mas aquela era uma guerra, e ele era um guerreiro.  Olhou mais uma vez para a carcaça estirada. Não conseguiu sentir pena.


 


Ablon narrando


  Corri como nunca com minha motocicleta, avançando os semáforos vermelhos e não parando nos cruzamentos.  Os pneus desprendiam fumaça a cada encruzilhada, e o cano de descarga cuspia gasolina fervente.  Chovera mais cedo, e as falhas no calçamento formavam poças na pista. 


 Era quase meia-noite, as ruas estavam praticamente vazias, e o retorno ao apartamento foi bem rápido.  Já imaginava o pior, por isso acelerei. 


 Tomei todos os atalhos que conhecia, passando por vias interditadas e becos mal iluminados.  Parei a moto numa rua estreita, onde se erguia a fachada do prédio, e não me preocupei em estacionar corretamente o veículo. 


 A maioria dos postes de luz estava quebrada, e a viela mergulhara na escuridão urbana.  Três andares acima, a janela de meu apartamento estava em pedaços. 


 Alguns estilhaços haviam despencado na calçada e agora descansavam a meus pés, no chão da ruela.  Minhas narinas aguçadas captaram um detestável cheiro de podridão, misturado a carne queimada.


 Senti uma presença misteriosa, que não consegui identificar. 


 Captei a fragrância de Vick e Shamira e tive certeza de que estavam vivas, ainda. 


Manipulando o centro da gravidade do meu corpo, saltei e me agarrei a um cano de ferro, no segundo andar, que servia como escoadouro da chuva.  Dali pulei diretamente para dentro do quarto, atravessando o arco da janela.


 O comodo estava vazio, e a bagunça dominava o lugar.  A mesa de madeira fora quebrada, e várias folhas de papel repousavam espalhadas no chão. 


 O odor peculiar provinha de pedaços de carne cinzenta, agarrados ao chão – não eram de nenhuma das duas e isso me aliviou - 


 A televisão estava ligada, porém silenciosa. Sua imagens eram a única fonte de luz a clarear o salão.As emanações da aura maligna vinham lá de fora, do terraço do prédio. 


 Em um canto do apartamento, uma porta de fundos dava acesso ao pátio externo.  Sem perder tempo, escancarei a passagem, preparando-me para enfrentar qualquer inimigo. 


 Mas nem mesmo minhas suposições mais macabras haviam me preparado para o que viria a seguir. 


 O Anjo Negro! 


 Um anjo de asas negras segurava Vick nos braços, desacordada.  


O corpo, essencialmente humano, era muito forte e estava protegido por uma armadura negra.  Um elmo metálico cobria-lhe o rosto, tapando-lhe totalmente a face. Apoiava-se sobre a mureta de concreto, quase adejando.  Atrás dele o terraço acabava em um vão de cinco metros, que separava o sobrado do prédio ao lado.


O Anjo Negro! 


Era a mesma entidade que tentara assassinar a renegada Ishtar no Mar de Rocha, na época em que ela ainda era importante para mim. Jamais esperara encontrá-lo ali e cheguei a pensar que havia morrido.  O odiava por ter perseguido e quase matado minha companheira. 


 No principio, pensei em me vingar, mas ninguém nunca tinha ouvido falar de um anjo de asas negras no céu ou no inferno, por isso havia desistido de procurá-lo. 


 Agora, aquele ser odioso reaparecera para, mais uma vez, levar embora aquilo que eu mais adorava. 


 Anjo Negro: Ablon! - chamou, com a voz abafada saindo da máscara - Parece que é meu destino roubar sua mulheres - regozijou-se, sarcástico - 


 Notei, que um outro anjo, mais fraco, se posicionava entre nós.  Era o tal Ankarel, conforme me lembrava, um capanga do Príncipe dos Anjos.  Não materializara as asas, diferentemente do raptor, e nessa forma assemelhava-se a qualquer ser humano. 


 Usava roupas comuns, inclusive.  Na jaqueta agarrava-se marcas de sangue, que não era dele.  Não dei importância a débil presença de Ankarel. 


 Meus olhos de caçador estavam focados no Anjo Negro, analisando seus movimentos e aguardando o instante perfeito para dar o bote e salvar Vick. 


 O calor de minha fúria queimou o tecido, e todos os seres espirituais que estavam por ali souberam que um fabuloso combate estava para acontecer.


 Ablon: SOLTE-A! - gritei - Ela não tem nada a ver com esta guerra abominável. Acertemos as contas, nós dois! 


 E sem esperar uma reação, avancei, pronto para lutar, mas Ankarel pulou a minha frente, bloqueando o caminho. Escondia na manga uma espada curta, uma arma celestial, capaz de matar qualquer criatura, comum ou divina.  Sacou a lamina, e traçando no ar um semicírculo, tentou decepar minha cabeça. 


 Abaixei-me, evitando o ataque, e em seguida levantei o corpo novamente, com o braço esticado, desferindo um soco forte no queixo do adversário.  O capanga foi arremessado para o lado e caiu desnorteado em uma pilha de sacos de lixo. 


 A briga deu ao Anjo de Asas Negras o tempo necessário para alçar voo, sobrevoar o vão e recuar para o terraço de outro prédio, tomando distancia.  Mas não estava fugindo.


 Ainda tinha um recado a transmitir. 


 Anjo Negro: Certamente, renegado, temos contas a acertar. Mas você nunca esteve em posição de caçar ninguém – desdenhou - Não, ainda não será desta vez. A humana é a nossa garantia. A garantia de que sua aliança com Lúcifer não se concretizará. Ela ficara a salvo e voltará com vida, se você não se opuser a vontade do arcanjo Miguel - e acrescentou - Aguardo-o no crepúsculo dos tempos, general. Sou o Anjo do Abismo Sem Fundo, aquele que abre todas as portas. Sou a luz e as trevas, o começo e o fim.


 Apesar de abafada, a voz do raptor era alta e soava como um rugido.  Mas não parei para ouvi-lo. 


 Pulei sobre o vão e segui em carga para golpeá-lo. Havia muito abandonara a ideia de fazer acordos. 


 Mas, subitamente, um barulho estremeceu a membrana. Não era uma sonoridade natural, mas uma sinfonia do além, que abalou todo o tecido. 


 Os seres humanos não podiam ouvi-la, mas os anjos e demônios, em todas as partes do mundo, caíram de joelhos, com os tímpanos ardendo. 


 Eu e Ankarel apertamos as mãos contra os ouvidos, mas não adiantou. Era como um sopro desafinado e irritante, cujo eco demorou a se dissipar.


Quando a agonia cessou.  Olhei a minha volta, procurando pelo Anjo Negro, mas ele havia sumido. 


 Sua aura também desaparecera, o que significava que não estava mais no plano material. 


 Sobre os telhados daqueles prédios, avistei apenas o querubim Ankarel, que, como eu, acabara de se recuperar -se do sopro místico.


 Ankarel fugiu pelo terraço ao notar que estava sozinho, e pulou para o telhado do outro prédio.


 Ainda estava desorientado demais para se desmaterializar, então correr era a alternativa de escape mais óbvia.  Mas não estava disposto a facilitar-lhe a evasão. 


 Aquele querubim agora era minha única pista para esclarecer o mistério do anjo de Asas Negras.  Quem era aquela criatura ? O que queria ? Para quem trabalhava ?  Depois de três saltos perfeitos, agarrei o fugitivo pela jaqueta e o atirei de costas contra as telhas.  Por pouco o forro não cedeu, graças as vigas mais grossas. 


 Ablon: Quem era aquele Anjo Negro ? Para onde ele levou a Vick ? - pressionei-o cheio de raiva - 


 Ankarel: Não sei - respondeu assustado - Minha missão era só atrasá-lo, nada mais. 


 Ablon: Então você veio com Balberith!


 Ankarel: Ele nos mandou para cá – confessou - 


 Ablon: E de quem é o sangue no piso ? 


 Ankarel: Do nosso chefe, Euzin. A feiticeira o baleou.


 Euzin! Aquele abutre nojento.


 Ablon: E onde ela está ? 


 Ankarel: Não sei, ela estava com essa garota quando saiu do apartamento.


 Ablon: Quem ordenou esta missão ? 


 Ankarel: Não sei - repetiu – Ninguém sabe sobre ela além de mim, Euzin, Balberith e o Anjo Negro. 


 Maldição! 


 Enfrentei Balberith, e o sangue na jaqueta de Ankarel parecia mesmo ser de Euzin, se eu bem conhecia seu cheiro.  Ambos estavam fora de meu alcance agora.  Balberith estava morto e Euzin já retornara ao plano etéreo. 


 Mas mesmo eles não deviam saber muito sobre o sequestro.  Estava claro que eram só comandados, e que Miguel e o próprio Anjo Negro eram a chave de todo o segredo. Acalmei-me. 


 No principio tentara rejeitar essa guerra - recusando a aliança com Lúcifer -, mas ela viera ao meu encalço. 


 Agora, não poderia mais evitá-la. 


 De certa forma, fui ingenuo ao achar que conseguiria permanecer vagando pelas trevas da humanidade, quando o Dia do Ajuste de Contas chegasse.


 Eu era o líder dos renegados. Se não tivesse virado as costas para isso anteriormente, talvez Vick não estivesse agora em poder do arcanjo.


 Assim, a guerra ganhava amplitude.  Não era mais só de Miguel ou de Lúcifer, era minha também.


Soltei a pegada, liberando Ankarel.  O capanga se levantou, cambaleando, ainda assustado, e recuou. 


 Não pretendia matá-lo a sangue-frio.  Degolar o prisioneiro não mudaria muito as coisas.


 Sem dizer palavra alguma, dei as costas ao inimigo e caminhei ao apartamento. 


 Contrariando o código de honra dos lutadores, Ankarel aproveitou-se da vantagem para tentar me estocar. 


 Sacou novamente a espada curta e adiantou-se com a lamina em riste, pronto para fincá-la nas costas.  


Mas eu já esperava por isso.  Ouvi o barulho do metal deslizando da bainha e em seguida captei o som do corte no ar.


 Desviei para o lado, e a espada atingiu o vazio.  Sem encontrar obstáculo a frente, o atacante perdeu o equilíbrio, expondo parte do tronco.  Então assaltei, golpeando-lhe o coração.  Foi tudo muito rápido. 


 Mal Ankarel investiu, minha mão já perfurara-lhe o tórax.  O anjo sentiu o impacto, depois tudo por dentro se rompeu.  Com um puxada forte, retirei-lhe o músculo pulsante.  Pude sentir a energia invisível se dispersando, e a consciência apagou.


 Os dedos amoleceram e a espada escorregou de seu punho afrouxado.  As pernas perderam a força, e o corpo despencou na ruela. Observei o avatar de Ankarel se espatifar lá embaixo, estourando a cabeça nos paralelepípedos do beco.


 Olhei para o coração, novamente, e o atirei longe.  Nesse momento, a espada do morto, largada sobre um cano, começou a se decompor.  O aço enferrujou, rachou-se, e o ouro enegreceu.  Depois, a arma se desfez em pedras de cinza. 


 A espada não vive sem o querubim, e o querubim não vive sem sua espada. 


 Pingos de chuva caíram do céu, e a água lavou os telhados.  De cócoras sobre a mureta de concreto, observei a cidade em meio ao temporal. 


 Estava sozinho, pela primeira vez, no passado, tive a companhia dos renegados, e depois da Feiticeira, que agora eu não sabia onde estava e por fim, Vick.  Antes, pretendia esperar a desintegração do tecido, para só então desafiar o arcanjo Miguel.  Só que agora o Príncipe dos Anjos estava com minha mulher, e talvez fosse arriscado demais esperar o Armagedon para resgatá-la.


 Não, o “Anjo Renegado” não podia esperar. Não devia confiar no destino, tampouco em meus inimigos, que sempre me traíam em momentos estratégicos.


 Fiquei um bom tempo parado no topo do prédio, com a chuva a encharcar meus cabelos, pensando sobre aquele barulho terrível, que me impedira de atacar o Anjo de Asas Negras. 


 De onde partira o silvo ? Quem o teria provocado ? Meio perdido, refleti sobre o que faria adiante.


 E então, de repente, a solução apareceu na penumbra.


Regressei ao apartamento.  Observei a bagunça.  Tudo parecia ter virado de pernas para o ar. 


 Os móveis estavam quebrados, os objetos destruídos, e o chão arruinado.  A chuva caia sem parar, invadindo o apartamento através da janela.


 Caminhei até o lugar onde fiz os rituais com Shamira, as inscrições do piso estavam borradas.


 Me lembrei do ritual e das runas em meu braço, que, primeiramente, teriam o objetivo de me proteger no inferno. 


 Mas não houve nenhuma emboscada, e todo o esforço acabou sendo inútil. 


Inútil! - lamentei - 


 De que adiantava ser imbatível, ou parecer imbatível, se eu nem conseguia defender minha noiva ?


 Do outro lado do comodo, defronte a uma poltrona de couro, a televisão ainda funcionava. O som estava ligado, mas eu distingui uma série de imagens estranhas, de misseis e bombas, e depois uma repórter apareceu ao microfone, falando em uma mesa de estúdio.  Os noticiosos não eram transmitidos aquela hora, só os informes especiais. 


 Corri, então, e aumentei o volume. 


 Troquei de canal várias vezes, mas todas as emissoras mostravam o mesmo quadro. 


 Jornalista: Aconteceu a meia hora – informou - O míssil que atingiu Pequim levava uma ogiva de cem megatons e devastou toda a área metropolitana. O impacto estendeu-se a outras cidades, agitando o golfo de Bo. Pelo menos outras trinta localidades foram afetadas, e a radiação já chegou a Mongólia - a apresentadora tremia, visivelmente abalada - Os prejuízos são incalculáveis.


 A tela mostrou imagens de Washington, e a voz segui em off: - Os chefes de Estado americanos e europeus ainda não se manifestaram a respeito, mas a Aliança Oriental afirmou ter provas de que o ataque partiu de uma das bases da Liga de Berlim no oceano Pacifico, e prometeu uma resposta violenta. O ministro das Relações Exteriores... -tirei o fio da tomada - 


 A Primeira Trombeta! - deduzi - 


 O discurso de Korrigan era claro agora.  Os Sete Selos já haviam sido abertos. 


 Os sinais se esgotavam a cada instante e levavam consigo a vitalidade do sétimo dia. 


 Como Lúcifer sugerira anteriormente, as Sete Trombetas, assim como os Sete Selos do Apocalipse, nada mais eram do que sinais, indícios que indicavam o fim dos tempos e a proximidade do Armagedon.


 A Estrela Da Manhã havia comentado sobre essas armas nucleares, mas eu não esperava que fossem usadas tão de repente, nem que a guerra mundial dos humanos estourasse em tão poucos dias. 


 Detestava admitir, mas o Arcanjo Sombrio era um visionário. Sua percepção das coisas, mundanas e espirituais, era realmente incrível. Parte do mistério se esclarecera. 


 O barulho que ouvi minutos atrás, ao tentar atacar o Arcanjo Negro, fora de fato o ruído da Primeira Trombeta, uma designação antiga utilizada por um profeta igualmente antigo para classificar o evento: “ O primeiro anjo tocou a trombeta. Granizo e fogo, em mistura de sangue, caíram sobre a terra”, diz a Bíblia em Apocalipse 8,7. 


 Não fora um sopro apenas, mas o reflexo de um rasgo permanente no tecido da realidade, produzido quando centenas de milhares de almas, vitimadas pela explosão, atravessaram a membrana ao mesmo tempo. 


 O abalo foi tamanho que sacudiu toda a extensão da fronteira espiritual e quase a destruiu. 


 O Anjo de Asas Negras provavelmente sabia o instante exato em que a trombeta soaria e escolheu a hora certa para escapar, levando Vick consigo. 


 Mas como ele conhecia aqueles detalhes ?


 Como podia ter certeza do momento especifico da detonação ?


 As respostas só lançavam mais dúvidas, então desisti de pensar sobre elas. 


 O Apocalipse tinha chegado, e a guerra humana começara.  O Dia de Ajuste de Contas não tardaria. 


 Do coração vazio, surgiu a esperança, entendi que precisava, enfim, retornar ao caminho de luz. 


As palavras de Shamira ecoaram em minha mente, como vela na escuridão:


  Achei que talvez fosse a hora de reviver o querubim que salvou minha vida.


Em seguida, era a voz de Orion que surgia em meus pensamentos: 


 Por toda sua vida você lutou, general. Não pode desistir logo agora. 


E mais uma vez, entendi que não combatia somente por mim, mas por meus amigos, por aqueles quem amava e por todos que, de uma forma ou de outra, depositaram em mim a sua fé.


 Lutava pelo Deus Yahweh, onde quer que Ele estivesse. 


 Mais do que isso, lutava por uma causa, combatia para defender aquilo que considerava certo e justo e para preservar a grande criação do Altíssimo. 


 Aproximei-me lentamente da mala de Shamira e a abri. 


 Lá dentro, danificada como um esqueleto de metal, estava a Vingadora Sagrada, a arma celeste que empunhei enquanto ainda era um general de legiões, e que me acompanhou em inúmeras batalhas. 


 Lá estava ela, apodrecida, enferrujada, rachada e parcialmente fossilizada por uma craca de pedra. 


 A espada não vive sem o querubim, e o querubim não vivem sem a espada


 Tomei a vingadora nas mãos e apertei firme o cabo.  Subitamente, um espetáculo maravilhoso ocorreu. 


 A casca de pedra se esfarelou e sumiu omo fumaça no ar.  As rachaduras no metal fixaram-se sozinhas e a empunhadura voltou a reluzir.  O aço retomou seu polimento, e as inscrições misticas na superfície da lamina tornaram-se novamente visíveis. 


 Captei a poderosa aura de poder da espada, que era, em essência, a canalização de minha própria energia. 


 Não precisava mais me esconder.  Não tinha mais por que fazer isso. 


 Eu e a Vingadora Sagrada estávamos juntos de novo. 


 O Primeiro General renascera.


Estava saindo do apartamento quando dei de topa com ela.  Parei, não acreditando. 


 Ablon: Shamira, você está bem ? - corri para um abraço -


 Ela parecia cansada, e assim que a abracei ela cambaleou e caiu, chorando em meus braços. 


 Shamira: Fui uma covarde Ablon, uma covarde - ela soluçava - 


 Ablon: Do que está falando Shamira ? 


 Shamira: Vick, não consegui defendê-la, me perdoe.


 Ablon: Me conte o que aconteceu. 


 Peguei Shamira nos braços e levei de volta ao apartamento.  Sentei ela no sofá, de frente para mim, esperando sua resposta. 


 Shamira: Euzin e Ankarel entraram aqui, eu baleei Euzin e fugi com Vick, ela estava passando muito mal desde que você havia ido e não tinha se alimentado direito, o resultado foi que ela não aguentou correr muito, entramos em uma loja, sim eu invadi, para que ela pudesse descansar um pouco e depois iriamos para um lugar movimentado para te esperar, mas o Anjo Negro apareceu e... 


 Ablon: Eu o vi com ela Shamira - ela me olhou - Vick estava desacordada em seus braços – suspirei - 


 Shamira: Eu... eu... Ah Ablon, me perdoe, por favor - ela chorou mais - 


 Ablon: Eles a queriam como garantia Shamira. 


 Shamira: Poderia ter sido eu, Ablon, poderia, mas, ela se sacrificou. 


 Ablon: Do que está falando ? - levantei -


 Shamira suspirou e começou a falar, como se estivesse lembrando do fato:


 Ela disse: Ele quer uma refém não é ? Serei eu, você precisa ficar, encontrar Ablon e ajudá-lo, eu sou apenas uma humana, não posso fazer nada. 


 Ai eu disse: Ele ama você, não me perdoaria. 


 Vick: Ou você vai agora, ou iremos nós duas morrer, vai Shamira. VAI! - ela gritou me empurrando - 


 Não tive tempo de protestar, Vick correu ao encontro do anjo sem medo algum enquanto o insultava.


 Fiquei imóvel, parado, raciocinando, Vick, a minha Vick, se jogou na frente do Anjo Negro porque quis ? 


 Shamira: E tem mais uma coisa..... - ela hesitou. A olhei, sem dizer uma só palavra, esperando que continuasse - Ela........está......... grávida, general. - disse pausadamente - 


 As palavras ecoaram na minha cabeça e eu cai de joelhos no chão, como uma estátua, só ouvia as batidas do meu coração.  Shamira voltou a chorar.


 Gravida! Não, não pode ser. Eu podia gerar filhos ?


Um filme se passou na minha cabeça, imaginei como seria a minha vida e a de Vick com uma criança para cuidar, um filho, meu filho, sangue do meu sangue, fruto do nosso amor, amor esse tão diferente e ao mesmo tempo tão puro, eu nunca imaginei que isso seria possível.


Mas, que mundo eu tenho para oferecer a ele ? Eu não queria que meu filho viesse ao mundo em que vivo, não queria que meu filho viesse a um mundo comandado por Miguel. E Vick ? Como seria essa gravidez ? Seria uma gravidez normal ? Ela ficaria bem ? Ela pode ter um filho de um anjo ? Eram muitas perguntas, e eu não sabia responder a nenhuma delas, tudo o que eu sabia, era que os queria seguro comigo, queria-os ao meu lado, porque eles eram a minha família.


E eu depois de um tempo no chão, “acordei”.


 Ablon: Vá para algum lugar seguro, Shamira, e não saia de lá até que você veja que é a hora, vou atrás de Vick, eu não vou descansar até tê-la em meus braços novamente.-  Ela me olhava -  Aquele anjo está com a minha mulher e meu filho, essa guerra, simplesmente se tornou mais minha do que dos Arcanjos. - disse cerrando os dentes -


 



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Autor(a): Fraanh

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Comentários do Capítulo:

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  • fraanh Postado em 16/10/2014 - 20:18:52

    Por mais que eu esteja postando a primeira temporada rapidamente só para continuar a segunda (já que tive que sair do orkut), eu devo, com toda a educação do mundo, dar as boas vindas as leitoras que não me acompanharam antes, então, sejam bem vinda meninas, espero que estejam gostando, comentem por favor, eu não mordo não *-*


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