Fanfics Brasil - Capítulo 46 O amor e um anjo ~

Fanfic: O amor e um anjo ~


Capítulo: Capítulo 46

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 Baturiel era, assim como eu, um querubim, um lutador implacável, que servira sob minhas ordens na Legião das Espadas, divisão que eu comandava antes da conjuração. 


 Mas de que lado ele estava ? 


 Teria simpatizado com a causa de Nathanael ou preferido se juntar a Miguel, para matar o Iluminado ?  O que mais me intrigava, porém, não era isso. 


 O poder incomensurável que eu sentira havia pouco minutos não provinha do lutador adiante – era muito mais sublime e possante-  Cheguei mais perto, ainda cauteloso, mas a expressão do guerreiro era impassível. 


 Estava rijo, como que montando guarda, e não arredava pé do caminho. Compreendi que seria eu a tomar a iniciativa. 


 Ablon: Procuro por Nathanael, o Mais Puro – anunciei - 


 O semblante do guarda não se alterou. 


 Baturiel: Não posso deixá-lo passar. Tenho ordens extremas de defender o morro.


 Diante daquilo, concluiu que não era meu aliado. 


 Ablon: Não quero ter que lutar com você, Baturiel. Mas também tenho uma missão a cumprir. 


 Baturiel: Não lutará comigo, general - ele rebateu, e vi que apontava para o lado, indicando um segundo anjo que chegava - 


 O novo soldado portava um arco dourado e com ele preparava um flecha, uma seta mortal, dirigida ao meu coração. 


 Era Varna, general da Legião dos Arcos, uma mulher anjo, como eram todas as arqueiras querubins. 


 Seus cabelos eram medianos, enrolados e vermelhos, e os olhos, afiados como os das águias em caça. 


 Seu ar era sério, compenetrado, e não vacilava um instante sequer.  Rápida como uma cobra, apontou o dardo, mas aguardou comando. 


 Baturiel: Varna nunca errou um flecha – ameaçou - Você é um anjo renegado, está preso ao mundo físico. Se seu coração for destruído aqui, no plano material, estará acabado. 


 Estaquei e analisei o impasse.  Li, no rosto do guerreiro, que ele não estava seguro.  Não queria me ferir, não queria dar o comando de ataque. 


 Na verdade, havia um brilho em seus olhos.  Algo dentro dele ainda admirava meus feitos. 


 Eu ainda era, mesmo distante, seu líder em armas.  A situação chegara a um ponto critico. 


 Os dedos de Varna começaram a sangrar em contato com as cordas tensas do arco.  Ela precisava disparar, ou pôr abaixo a arma. 


 Estávamos, os três, imóveis, e eu aguardava uma oportunidade para avançar.  Mas ali se encontravam anjos de grande poder, entre eles dois generais, e nenhum de nós estava disposto a ceder. 


 A crise, contudo, seria resolvida em instantes. Um quarto anjo, também travestido de homem, apareceu no meio dos dois. 


 Não materializara as asas -não via necessidade de fazê-lo. 


 Vestia-se discretamente, com uma túnica longa, cinzenta, mas sua presença era sublime. A aparência era serena, e o poder de sua aura, magnânimo.  Aquele não era um anjo comum. 


 Diante de mim encontrava-se um arcanjo – Gabriel, o Mestre do Fogo.


 Nada mais era preciso dizer.  Aquele era o meu fim, terminaria ali. 


 Um anjo renegado, descoberto por um arcanjo, seria rapidamente eliminado. 


 Não teria nenhuma chance contra aquele gigante, uma das entidades de maior poder no universo, superado apenas por Miguel, Lúcifer e pelo próprio Yahweh. 


 Não trazia sua armadura de ouro nem sua espada mistica, mas também não era preciso.  Mesmo confinado a carne de um avatar, era invencível, praticamente indestrutível.  Mas, em vez de me atacar, ele avisou. 


 Gabriel: Vá embora, Ablon. Estamos resolvendo um problema de família aqui - sua voz era quase uma musica, uma melodia suave, que a qualquer momento poderia estourar em acordes violentos -


 Ablon: Não posso recuar, Gabriel, não agora -conservei minha honra - Não depois de tudo o que passei para chegar até aqui. Não depois da palavra que dei. 


 O arcanjo moveu a cabeça, já sabendo que eu não desistiria tão fácil.  Cedendo a minha teimosia, fez um sinal, e Varna recolheu a seta. 


 Gabriel: Deixe-nos. Eu resolvo isso. 


 E, ao seu comando, os dois anjos saíram.  Quando os oficias deram as costas, alertei Baturiel para o erro que eu acreditava que estivesse cometendo.


 Ablon: Baturiel, nunca pensei que estivesse no meio dessa sujeira – disparei - 


 Baturiel: Não é o que parece, general. 


 Uma vez sozinhos, na negritude da noite, em meio as oliveiras do morro, julguei ter chegado a hora de meu extermínio, mas o Mestre do Fogo me surpreendeu novamente. 


 Gabriel: Sei do seu encontro com Nathanael, da casta dos ofanins - revelou o arcanjo -


 Ablon: O que fez com ele, Gabriel ? - endureci - 


 Gabriel: O Mais Puro está em uma missão delegada por mim, se é o que deseja saber. 


 Ablon: Nathanael jamais lhe obedeceria. 


 O Mestre do Fogo sorriu, reparando que meu sangue fervia e que eu me segurava para manter o controle. 


 Gabriel: Nathanael já me obedeceu uma vez, na época do diluvio. Não é a primeira vez que o Mais Puro participa de uma missão ordenada pelos grandes. Você, que é tão amigo dele, devia conhecer melhor os seus louros. Pensei que soubesse de toda a história, mas agora entendo o que se passa. Seu ódio pelos arcanjos o impede de enxergar a verdade.


 Eu já havia me lançado em missões suicidas antes, por minha própria vontade.  Daquela vez, todavia, não tinha escolha. 


 Seria liquidado, então por que não morrer lutando ?  Haveria honra maior para um anjo renegado do que perecer em combate com um dos arcanjos ? 


 Ablon: Está mentindo, Gabriel! - acusei - Tenho uma demanda a cumprir e entrarei nessa cidade, ou morrerei tentando. 


 Gabriel: Não seja imprudente, meu jovem.


 Não havia muitos que pudessem me chamar assim.  Gabriel era um deles. 


 Os arcanjos são anteriores a luz; foram criados alguns bilhões de anos antes dos anjos comum.  Concentrado, ajoelhei-me sobre a grama macia do monte e vali-me de meu poder máximo para invocar a Ira de Deus.  Não sabia se minha técnica de combate poderia prostrar um arcanjo, mas era a hora de tentar tudo de que dispunha.


Ablon: Gabriel, Mestre do Fogo, já travei inúmeros duelos e não me envergonho de dizer que, em alguns deles, conheci a derrota. Na maioria das vezes, porém, saí vencedor. Não sei qual será o desfecho deste combate. Tudo o que sei é que, esta noite, serei seu oponente, sob essa Lua que nos espia do leste. 


 Tomei uma distancia segura do Mestre do Fogo e avancei em carga, com toda a potencia a queimar meu sangue.  Mas, ao perigo do ataque, o arcanjo não se mexeu.  Com o punho direito, preparei-lhe um soco no rosto, e executei um golpe perfeito, brilhante.  A precisão do assalto poria qualquer um a nocaute, mas meu embate foi interrompido por um tipo de telecinesia. 


 Um campo de energia mistica frustrara a trajetória do murro, e eu agora tentava vencê-lo, sem sucesso.  Gabriel não precisava tocar em nada para projetar sua força, que era descomunal, muito maior do que eu poderia imaginar.  Era como se eu estivesse enfrentando um deus, e a diferença de poder entre nós revelou-se abissal. 


 Gabriel: O que há com você, general ? Sua potente Ira de Deus, ou seja lá como os querubins chamam essa técnica, não é tão grande quanto pensava, não é ? Seus inimigos devem fraquejar diante de tão inofensivo ataque - ele falava como um mentor, e não como um inimigo - 


 Ablon: O que esta fazendo, Gabriel ? - rosnei, empregando toda a força para vencer o magnetismo que circundava o inimigo - 


 Gabriel: Recue, guerreiro. Meu objetivo não é machucá-lo – advertiu -


 Ablon: Nunca - insisti, e com um novo empurrão tentei afrontá-lo -


Quanto mais eu arremetia, mais a força invisível me empurrava para trás, e, quando investi com novo estalar de fúria, a barreira mistica reagiu, e fui lançado para longe com violência implacável.  Meu corpo foi arrojado como projétil, abrindo uma vala em sua trajetória, destruindo árvores e espalhando estilhaços de rocha por centenas de metros. 


 Nunca, em toda minha vida, fora vitima de uma ofensiva tão brutal.  Aturdido, escorei-me nas laterais da cratera para me levantar, em meio a poeira que dominava o buraco.  Tentei olhar adiante e via a silhueta de Gabriel ereta sobre um pedaço de rocha. Se pudesse pegá-lo naquele segundo, desprevenido, talvez conseguisse acertá-lo. 


 Com a habilidade de um querubim, saltei para fora da cratera como um gato da noite e desci com a mão fechada para assaltar o arcanjo. Mas minha destreza e rapidez superiores de nada serviram. 


 O Mestre do Fogo executou um curto movimento de punho, e eu, ainda no ar, fui paralisado por sua telecinesia. Imobilizado, como que flutuando em uma esfera energética, eu estava totalmente submisso, sem poder mexer um músculo que fosse.


 Não conseguia nem mesmo falar.  Gabriel demonstrou que sua paciência acabava. 


 Ao esticar de um braço, a esfera me projetou novamente, mas dessa vez estabilizei o empuxo e aterrissei rolando sobre um sitio de pedra.  No ultimo instante, porém, um tropeção me jogou ao solo, e caí prostrado a centímetros de um precipício.


 A queda dali era assustadora, mesmo para alguém como eu, que pulava e escalava com perfeição superior a humana. O arcanjo, observei, movia-se a velocidade de seus golpes. Quando o procurei com os olhos, enxerguei o Mestre do Fogo já em meus calcanhares, flutuando mesmo sem asas a um metro do chão. Devia ser sustentando pela mesma força magnética que o envolveu. 


 Gabriel: Está derrotado – proferiu - Não tem a minima chance de me vencer em combate. Basta um simples movimento meu, e será jogado ravina abaixo. Agora, aceite seu destino e faça o que digo. Vá embora enquanto há tempo. 


 Recompus-me devagar, porque conhecia a periculosidade de suas ameaças. Encurralado, preferi levá-lo ao diálogo.


 Ablon: Se sabe que Nathanael veio até mim, então conhece o valor de minha missão -ele se mostrou impassível- Por que faz isso, Gabriel ? Por que me impede de zelar pelo Iluminado ? 


 Flutuando o Mestre do Fogo recuou uns dois metros, possivelmente para demonstrar uma disposição pouco agressiva. 


 Gabriel: Você não entende, general - havia angustia em suas palavras - Sua demanda não tem mais serventia. 


 Minha missão, arruinada ?  O que poderia levá-la ao fracasso, senão minha morte ? 


 Será que eu chegara atrasado para encontrar o Sagrado com vida ?  Ou teriam os arcanjos destronado os defensores do Menino ? 


 Ablon: Então, o Salvador está morto ? - sibilei, perdido em devaneios - 


 Gabriel: Não, ainda não. Ele foi condenado. Não por mim, nem por Miguel, nem por qualquer um dos celestiais, mas por sua própria gente. O Salvador foi condenado pelos homens, e contra isso nada podemos fazer. 


 Fiquei em silencio, avaliando a ideia.  Será que o Mestre do Fogo mentia ?  Não, não precisava... 


 Poderia me matar com um piscar de olhos, então por que sustentar uma farsa ? Como que adivinhando meus pensamentos, o arcanjo completou. 


 Gabriel: Não é você mesmo que sempre diz que não devemos interferir no arbítrio dos mortais ? Não foi por isso que se insurgiu contra nós ? Não foi por esse motivo que levantou armas contra os arcanjos ? 


 Ablon: Mas isso é diferente, Gabriel... - articulei, sem calcular bem as palavras - 


 Gabriel: O Iluminado, apesar de seu poder e sabedoria, é homem também. Diferente de nós, foi agraciado com o livre-arbítrio, como todos os seres humanos. O Salvador escolheu seu próprio martírio. O fato está consumado. Agora, só eu posso ajudá-lo, mais ninguém.


Seguiu-se a revelação do arcanjo uma profunda tristeza, e senti que ambos compartilhávamos de igual amargura.  Por um minuto, enquanto o vento do deserto soprava sobre a ravina, nada foi dito.  As casas e fortalezas de pedra, na cidade de Jerusalém, resistiam as trevas como pontinhos de luz, imitando as estrelas do céu.


 Foi então que Baturiel, o querubim de couraça dourada, retornou, quebrando o silencio.  O oficial chegou caminhando, e sobre os ombros de seu líder lançou a noticia.


 Baturiel: Mestre, nosso mensageiro no Calvário acaba de chegar - ele abaixou a cabeça em sinal de respeito - O Salvador morreu. 


 Gabriel: Esse problema será contornado - devolveu Gabriel, como se já tivesse calculado todas as saídas possíveis -


 Detinha, seguramente, controle total da situação, e imaginei que o Mestre do Fogo previra cada instante daquela odisseia.  Baturiel recuou, e o arcanjo voltou-se a minha presença. 


 Gabriel: Como percebe, há muito que fazer, general. Deve partir agora - determinou, em um comando final - É inútil tentar furar o bloqueio. A cidade está cercada, no mundo físico e no espiritual - e, confiando na dignidade de um guerreiro vencido, deu de ombros e preparou-se para deixar a cena de batalha -


 Eu estava estupefato.  Tive um encontro com Gabriel, um arcanjo, fora derrotado e seguia com vida.  Alguma coisa não se encaixava. 


 Ablon: Espere, Gabriel – trepliquei - Por que me deixa livre ? Sou um renegado, um proscrito, e você, um arcanjo, um executor, um gigante.


 Ele respondeu a minha pergunta com uma resposta profética. 


 Gabriel: Antes que o sétimo dia alcance seu fim, nós nos encontraremos mais uma vez. Por ora, siga em paz seu caminho - concluiu, evocando a frase emblemática do Mensageiro -


Tudo que que queria saber era o paradeiro de Nathanael e o destino do Salvador.  Mas, se o Mestre do Fogo dissera a verdade, o Iluminado estava morto, e com isso minha demanda desfazia-se ali.


 Não tinha certeza se as palavras do arcanjo eram verdadeiras ou não, mas minha opções se esgotaram.


 Gabriel flutuou sobre o rochedo até o fundo da ravina e lá desmaterializou seu corpo físico, passando como espirito ao plano astral. Mais uma vez, a transferência planar abalou o tecido, dissipando uma onda colossal de energia.


 Depois, eu o vi através da membrana, voando em direção a cidade...


 


Dias atuais


 Na cidade do Rio de Janeiro, na costa sul do Atlântico, uma nuvem negra de chuva encobria o topo da montanha, encimada pela gigantesca estátua do Cristo Redentor.  A manhã ia morrendo, e com ela o Sol que coloria de azul as águas do mar e alvejava a areia das praias.


 No apartamento de Ablon, Sieme, olhava através da janela, fitando a tempestade que se aproximava. Aziel, vigiava a porta, enquanto o Anjo Renegado vasculhava as prateleiras, tentando encontrar o passaporte falso. 


 Ablon: Aqui está! - exclamou, sacando o documento - 


Sieme: O comércio está fechando as portas - reparou, atenta ao movimento nas ruas - Há uma sensação coletiva de medo na mente das pessoas. 


 Ablon: É a guerra. A guerra mundial deve ter sido oficialmente declarada - calculou o general - 


 Sieme: Pelo que vi nos jornais - palpitou a serafim -, este pais não faz parte de nenhum dos dois blocos em conflito. 


 Ablon: A guerra afeta o mundo todo, Sieme. A potencia de destruição dessas armas humanas não conhece fronteiras - explicou Ablon, referindo-se a artilharia nuclear -, e uma hora ou outra seu eco alcançara toda a guerra. Os locais afetados são contaminados por uma energia destrutiva, e os sobreviventes acabam perecendo mais tarde. 


 Aziel: Que perspectiva terrível! - assustou-se - Os homens parecem imitar as catástrofes arquitetadas pelos arcanjos nos dias antigos. A que ponto chegaram!


 Ablon: Não foi a toa que minha esperança na humanidade acabou. Por muitos anos pensei que todo o ódio fosse reversível, até que vi o cogumelo atômico levantar-se sobre os céus do Japão. Mas o que Lúcifer disse é em parte verdade. A civilização humana sucumbirá nesta guerra, mas nem todos morrerão. Ainda é possível erguer um novo mundo dos escombros, mas não com Miguel perseguindo os mortais. 


 Apertou as amarras que prendiam o longo embrulho de pano, no qual enfiara a Vingadora Sagrada.  Não pretendia caminhar pela cidade com uma lamina de um metro em punho.  Trespassou uma corda pelo meio do involucro, improvisando uma alça, e lançou o embrulho as costas. Ainda não sabia como fazer a arma passar pela alfandega. 


 Sieme: É verdade, general – concordou - Nós, anjos, já vimos os homens se recuperarem de cataclismos ainda maiores. Quem, na época, pensaria que resistiriam ao diluvio ?


 Involuntariamente, os olhares do Anjo Renegado e da Mestre da Mente se voltavam para Aziel.  Por pouco, ele não se tornara o mais cruel dos assassinos, durante os dias da grande inundação.  “Não vou participar desta destruição inútil”, dissera a Chama Sagrada a seu mestre, Amael, que por ter recebido uma ordem direta dos arcanjos, não podia dar-se ao luxo de recusá-la.  Fez-se um silencio embaraçoso, até que Ablon assumiu o comando. 


 Ablon: Vamos embora. Já tenho o que procurava - avisou, guardando o passaporte no bolso - 


 Os três caminharam rumo a porta, mas Sieme pisou em um objeto no centro da sala e parou para observá-lo.  Era a pistola de Shamira, a potente Desert Eagle.  Estava jogada no piso, perto de uma trilha de sangue e miolos. 


 Sieme: O que é isto ? - perguntou, curiosa - 


 Pouco conhecia sobre a tecnologia humana, então tudo com que se deparava era novo, interessante.


 Ablon: Uma arma, a pistola de Shamira – explicou -


 Sieme: É um objeto ordinário, de metal. Como ela esperava enfrentar celestiais com isto ? 


 Ablon: O chumbo dos projéteis estava encantado, o que os converteu em artefatos mágicos. 


 A serafim, mesmo com toda sua inteligencia celeste, ainda não compreendia muito bem como era possível combinar o conhecimento da mágica a fútil tecnologia dos homens modernos.  Parecia-lhe um tanto absurda a tática dos magos. 


 Ablon: Esqueça isto, Sieme - determinou o Anjo Renegado - Nosso tempo é curto. 


 Ao mesmo tempo fascinada e indignada com a ousadia terrena, Sieme perseguia seu líder, deixando o apartamento exatamente como encontrara.  Juntos, tomaram o caminho a rua.


O Sol havia saído por completo, mas a umidade só fazia aumentar.  A nuvem de chuva agora enegrecia todo o céu, e um trovão que mais parecia rugido fez a cidade tremer.  Um raio precipitou-se sobre o mar, anunciando a chegada de uma tormenta elétrica. 


 Sieme: Mas será que nunca para de chover nesta cidade ? - reclamou, recolocando a parca de couro que eixara de lado por causa do calor - 


Os serafins são obcecados pela perfeição; não gostam quando alguma coisa está fora de lugar. 


 Aziel: Essa tempestade não é natural - constatou. Os ishins entendiam como ninguém os fascinantes mistérios da natureza - Realmente, não devia chover tanto assim.


 Ablon: São os efeitos da mudança climática – explicou - 


 Aziel: E no que consistem essas mudanças ? 


 Ablon: Destruição da camada de ozônio, efeito estufa, aumento da poluição... Tudo isso tem desestabilizado o clima no mundo. Áreas quentes esfriam, territórios polares esquentam. Há um completo caos no meio ambiente global. 


 Aziel, especialmente sensível ao problema climático, ficou introspectivo.  Os ishins lutavam constantemente para manter o fluxo da natureza, para preservar as energias elementais, e de repente todo seu trabalho se revelava impotente diante da ganancia humana. 


 O coro passou reto pelo beco onde a motocicleta de Ablon estava estacionada. O veiculo de duas rodas era improprio para três, e o renegado não quis optar por seu carro, optou então, pelo metro. Quando desciam as escadas sujas que davam acesso ao terminal, o general atentou ao som que só ele, com sentidos de predador, poderia escutar. 


 Sieme: O que foi ? 


 O querubim levantou a mão em sinal de silencio, e os dois se calaram. 


 Milhares de trabalhadores haviam deixado o trabalho mais cedo, conforme a Mestre da Mente observara pela janela do apartamento, e estavam voltando para casa, lotando as escadarias que desciam aos guichês a as plataformas do trem. 


 Ablon: O barulho da Segunda Trombeta que ouvimos mais cedo foi mesmo provocado por um novo bombardeio - revelou, ao escutar a transmissão de uma pequena TV instalada na barraca de um vendedor ambulante - A guerra foi oficialmente declarada. 


 Aziel: O que aconteceu ? 


 Ablon: A reportagem diz que a Aliança Oriental respondeu a ofensiva nuclear a Pequim lançando uma bomba sobre Nova York - a Chama Sagrada conhecia a cidade, mas Sieme nunca ouvira falar – O segundo anjo tocou a trombeta, e uma grande montanha abrasada foi lançada ao mar -murmurou o general, recordando-se das palavras de João no livro bíblico - 


 Sieme: Não entendi a ligação – confessou - 


Aziel: Nova York é uma ilha – esclareceu - 


 A mulher anjo entendeu o comentário, mas não tinha certeza se preferia ter entendido ou não. As linhas de metro, antes insuficiente para atender toda a cidade, haviam sido ampliadas oito anos antes, quando o Rio de Janeiro sediara os jogos olímpicos. 


  De lá para cá, a verba de manutenção acabara, e os vagões bem iluminados e plataformas limpas deram lugar a terminais imundos e vagões escuros, depredados por gangues de arruaceiros que passavam a madrugada destruindo os bancos e roubando fios de luz.


 Sieme reagiu com espanto, mas Aziel já tinha uma ideia do que encontraria.  O cheiro de sujeira era insalubre, e os três anjos tiveram que embrenhar na multidão para conseguir embarcar.  No meio do caminho, antes de chegar ao aeroporto, Ablon desembarcou em uma estação perto da praia e pediu que os dois celestiais o acompanhassem. 


 Ablon: Não vou demorar muito. Só preciso fazer uma coisa. 


 Subiram as escadas e viram-se diante da avenida a beira-mar. Aquela não era a mesma praia a que o renegado levara Vick e Shamira.  Estavam defronte a enseada de Botafogo, abraçada ao longe pelo famoso Pão de Açúcar, um morro alto que parecia nascer do mar, delimitando o recôncavo marinho. Suas encostas e inacessíveis culminavam em um mirante belíssimo, só alcançado por um sistema teleférico denominado bondinho.


 Aziel e Sieme não compreenderam a atitude de seu general nem entenderam o porque da parada. Atravessaram a avenida e pisaram na areia, chegando bem perto do mar.  Era só o inicio da tarde, mas o céu estava negro com a iminência da tempestade.  Correntes de raios dançavam de uma nuvem para outra e depois explodiam no morro. 


 Ablon: Sinto trazê-los aqui. Nunca acreditei muito em sorte ou destino, mas achei que deveria prestar uma homenagem – avisou - 


 Aziel: Homenagem a quem ? - perguntou, com cuidado de não parecer ofensivo - 


 Ablon pôs a mão no bolso do sobretudo emborrachado, próprio para dias chuvosos, e tateou o fragmento de basalto, dado a ele recentemente por Orion, em seu encontro no topo da estatua do Cristo Redentor. 


 Ablon: A primeira grande nação. Ao povo que fez de tudo para exaltar as leis celestes, julgando serem as diretrizes do próprio Yahweh, e que recebem em troca a devastação de suas terras e a aniquilação total de sua cultura. 


 Sieme: Atlântida – desvendou - 


 Quando o Primeiro General abriu a mão, os dois celestes notaram que ele segurava um pedaço de rocha preta.  Uma das superfícies era lisa, lustrosa, como se outrora tivesse feito parte de um objeto maior.  Sobre o lado polido era visível um caractere antigo, que os anjos identificaram como um dos pictogramas atlânticos.


 Aziel: É uma runa atlântica – reconheceu - O que quer dizer ? 


 Ablon: É o ideograma da paz. Este fragmento era parte do monopólio que existia na capital de Atlântida há muito tempo e que foi posto a baixo pela grande inundação – o renegado fez uma longa pausa antes de retomar a explanação - Os atlantes tinham o costume milenar de escrever seus desejos em pedras e depois lançá-las ao mar. Contavam que as ondas sempre devolviam aquilo que o oceano havia engolido. Não sei por que, mas algo me impulsionou a isto.


 O general arremessou com toda a força a pedra ao mar, que quase sumiu as vistas em sua trajetória. As águas envolveram a runa, sugando-a para o fundo da enseada.  O outro bolso do casaco, Ablon sentiu o peso do objeto de barro, a chave mistica dada a ele por Lúcifer. 


 O renegado sabia que não a usaria e pensou em jogá-la, mas no fim preferiu manter a peça consigo, só por precaução. Um relâmpago iluminou a tarde.  Começou a chover.



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Autor(a): Fraanh

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Comentários da Fanfic 1



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  • fraanh Postado em 16/10/2014 - 20:18:52

    Por mais que eu esteja postando a primeira temporada rapidamente só para continuar a segunda (já que tive que sair do orkut), eu devo, com toda a educação do mundo, dar as boas vindas as leitoras que não me acompanharam antes, então, sejam bem vinda meninas, espero que estejam gostando, comentem por favor, eu não mordo não *-*


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