Fanfics Brasil - Capítulo 49 O amor e um anjo ~

Fanfic: O amor e um anjo ~


Capítulo: Capítulo 49

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Chuva ácida


  Com as habilidades mentais de Sieme, Ablon e Aziel não tiveram problemas para driblar a segurança da base, entrar no hangar, subir no avião, taxiar e decolar o aparelho.


Já sabiam que aquele era um veiculo oficial, mas tiveram uma ótima surpresa ao compreender que a aeronave tinha visto especial dos países neutros, o grupo de nações não envolvidas na guerra, e que por isso teriam a facilidade de aterrissar em praticamente qualquer aeroporto do mundo.


 Esses vistos haviam sido recentemente emitidos e permitiam o transporte de refugiados dos países em conflito para os territórios neutros. 


 Sieme guiava o avião e ainda teria de ficar na cabine por mais alguns minutos, até alcançar a altura máxima de cruzeiro, quando então passaria ao piloto automático.  Sentia-se realmente estranha ao comando daqueles botões.


 Algumas horas atrás, quando chegara a Haled, mal sabia o que era um carro, e agora pilotava uma máquina aérea.


 Ficou impressionada com a tecnologia humana e com a esperteza dos mortais, que podiam se adaptar as mais difíceis situações. Divagou-se sobre isso tudo, sobre a fascinante adaptabilidade dos homens. 


 Eram sobreviventes, com certeza.  Haviam resistido ao diluvio a as inúmeras catástrofes perpetradas contra sua espécie. 


 Ao compreender isso, passou a respeitá-los ainda mais, mesmo reconhecendo seus numerosos defeitos, que não eram, em verdade, muito maiores do que os pecados dos anjos. 


 Ablon e Aziel estavam no compartimento de passageiros. 


 Havia um pouco mais de trinta poltronas e mais um espaço livre destinado a carga. 


 Aziel: Isso não é água pura -percebeu, tocando a roupa branca, ainda encharcada pelas gotas de chuva- 


 Ablon: Está misturada a vários componentes químicos – esclareceu - 


 A Chama Sagrada espantou-se.


 Aziel: Mas a água da chuva deveria ser a substancia mais intocada de todas. 


 Ablon: A atmosfera está tomada pela poluição. Quando as industrias queimam combustíveis fósseis para produzir eletricidade, os dejetos são lançados ao ar e se fundem as moléculas de água. Depois, voltam a superfície da terra por meio de precipitações, que podem ser carregadas a grandes distancias. Os cientistas humanos cham esse fenômeno de “chuva ácida”. 


 Aziel manipulava a província do fogo, mas nem por isso tinha menos apreço pela água, a terra e o ar. 


 Aziel: Então, não há regresso para a guerra dos homens, general, e para a destruição do planeta ? 


 Ablon: No ponto em que chegamos, não vejo mais volta -pausou e encarou, através da janela, o horizonte azul acima das nuvens- Recordo-me do dia em que vi a primeira explosão nuclear. Aquele brilho sinistro copiando os raios do Sol, o calor radioativo, e depois a fumaça negra cobrindo a abóboda celeste. 


 Aziel: Isso me lembra a destruição de Sodoma. 


 Ablon: Até agora só ouvimos o soar de duas trombetas. Mas seu poder aumentará. Cada vez os terrenos usarão armas mais potentes. Sabe-se da existência de uma bomba tão forte que sua explosão queimará a atmosfera, lançando o planeta na escuridão nuclear. Suspeito que essa seja a arma final dos humanos. 


 O ishim ouvia atentamente e buscava compreender a realidade das coisas. 


 Não estivera tanto tempo afastado da Haled quanto Sieme, mas seus conhecimentos tecnológicos eram deficientes.  Por isso lançou a pergunta.


Aziel: Você acha que a desintegração do tecido da realidade tem alguma coisa a ver com a ação dessas armas humanas ?


 Ablon: Não diretamente. O tecido da realidade é feito da coletividade da consciência terrena. Representa a capacidade dos homens de acreditar no que é real e negar o impossível. É a grande defesa que, mesmo inconscientemente, eles levantaram para se proteger das criaturas misticas, que os superam em longevidade e poder. Mas o fim do mundo representará também o fim de todas as instituições, da civilização como a conhecemos. Todos os valores humanos serão trucidados, e o impossível passará a existir. Não haverá mais uma barreira entre o real e o questionável. Os governos e as organizações religiosas cairão por terra. Tudo em que o homem sempre acreditou será desmentido. Você viu o caos no aeroporto. Aqueles refugiados deixaram tudo para trás e não tem mais nada a perder. Muitos morrerão, e os que viverem aceitarão uma nova percepção do universo. 


 Aziel começava a entender o foco da coisa. 


 Aziel: Os sobreviventes passarão a admitir novas concepções. Se tudo em que acreditam desabar, que garantia terão de que realmente não existe o que antes achavam impossível ?


 Ablon: É melhor teoria que posso pensar. Mas não sou um malakim para pôr a minha hipótese a prova. Talvez ela esteja totalmente equivocada. 


 Aziel: Não acho que esteja. Faz muito sentido.


 Diferentemente de Sieme, Aziel era amigo intimo de Ablon desde os dias passados e ficara contente em revê-lo. 


 Reconheceu sua crescente sabedoria e ficou a imaginar como seria se os outros renegados ainda vivessem. 


 Aziel: Dezoito renegados - refletiu em voz alta- Você tem certeza de que é o único ainda vivo ? 


 Ablon: Pude sentir a morte de cada um deles. Os tempos de tornaram mais negros com a queda de Lúcifer. 


 Aziel: O Arcanjo Sombrio culpou a Irmandade dos Renegados pela própria queda e pela derrota na batalha contra o Arcanjo Miguel – o ishim sabia a história, ou parte dela- 


 Ablon: Ele alegou ao demônios vencidos que toda sua ruína começara ao delatar os renegados. Foi só ao trair a nossa conjuração que ele acumulou a influencia e o prestigio necessário para dar corpo a sua revolução, que a meu ver foi uma grande mentira. Pelo que Orion me contou, o filho do Alvorecer se dizia defensor da liberdade, de um paraíso livre da tirania, mas o que realmente queria era superar seu irmão e tomar o trono. Ao ver sua rebelião destronada, não quis admitir o fracasso e responsabilizou os proscritos. Enviou o terrível Apollyon a Haled, para nos perseguir, e passamos a ter inimigos no céu e no inferno. Pelo menos nisso, os esforços de Miguel e Lúcifer convergiam.


Aziel: Que ironia! Lembro-me de Apollyon, a época em que era um querubim. Chamavam-no de Anjo Destruidor, por sua técnica especial, chamada de Destruição Total.


 Ablon: Diferentemente de Orion e Amael, Apollyon não se juntou a Lúcifer por discordar da politica celeste. O Destruidor sabia que, se a Estrela da Manhã vencesse, ele assumiria lugar de destaque na casta e poderia prosseguir com sua carnificina. Na verdade, Lúcifer nunca levantou uma palavra em defesa dos homens, a não ser para contrariar o irmão. 


Aziel: Foi esse o motivo pelo qual você recusou a aliança com o Diabo ? 


Ablon: Lúcifer já me traiu uma vez. Nada do que ele diz é verdade. Meu senso de perigo me alertou contra sua hipocrisia. Não sei ao certo o que planeja, mas certamente não é confiável.


 Aziel: Concordo com você. Conheço a ambição do Diabo e sempre soube de sua maldade. Por isso não me juntei a ele na guerra, mesmo consciente de que Miguel era igualmente perverso. Mas devo admitir que a proposta que o Arcanjo Sombrio lhe fez é coerente. Vocês dois pretendem derrubar o Príncipe dos Anjos. Nada mais óbvio do que juntarem forças.


 Ablon: Seria muito fácil, Aziel. Além disso, por que Lúcifer teria me dado a tal chave do Sheol, mesmo eu tendo recuado a seu chamado ?


 Em um gesto ilustrativo, Ablon tirou do bolso o circulo rústico de barro. A Chama Sagrada analisou a chave pela segunda vez e reparou em seus contornos. Inscrições ancestrais marcavam a superfície do anel, recortado por uma cruz no centro.


 Ablon: O Arcanjo Sombrio e Apollyon mataram muitos de meus aliados -continuou- O Filho do Alvorecer já sabia qual seria minha resposta. É aí que a coerência desanda. 


Aziel: E por que você não aproveitou o convite para desafiá-lo de vez e levar a cabo sua vingança ?


 Ablon: Mesmo que eu conseguisse vencê-lo, jamais sairia vivo de sua caverna. Seria loucura e idiotice. Não... Lúcifer e Apollyon terão seu tempo, mas primeiramente tenho que acertar as contas com o Príncipe dos Anjos. 


Aziel: Até para mim, que sempre estive nos Sete Céus, essa tripla contenda entre Miguel, Gabriel e Lúcifer é um tanto confusa. 


Ablon: Quando há mais de dois lados envolvidos numa disputa, o terceiro deve procurar aliar-se. Mas quem aceitaria a ajuda do Diabo ? Miguel sempre foi seu maior oponente, e Gabriel, pelo que você diz, tornou-se uma figura bondosa, repudiando qualquer ação infernal.


Aziel: Nessa guerra, só lamento por aqueles que não tiveram a chance de escolher seu partido, aqueles que tomaram as decisões erradas.


 Ao escutar Aziel, Ablon lembrou-se de Orion, que nunca pretendeu ser um demônio, e do pobre Amael, o melancólico executor do diluvio.


 Ablon: Usei as rotas do rio Styx para viajar ao inferno. Orion veio me buscar, e Amael estava com ele. 


 Aziel: Amael, meu velho e sofrido mestre Amael – a expressão do ishim enrugou-se- Não é fácil esquecer o dia em que nos separamos. Nunca me perdoarei por ter-lhe dado as costas. 


 Ablon preferiu ficar calado. Sentia-se comovido por Amael e concordava com a ideia de que ele não queria mesmo matar toda aquela gente, mas o Senhor dos Vulcões tivera sim, a seu ver, uma escolha.


 Teve, contudo, receio de assumi-la, teve medo de enfrentar os arcanjos, e talvez por isso se sentisse tão mal. 


 Para o Anjo Renegado, Amael era uma vítima, mas de sua própria fraqueza. 


 Vivia atormentado pelo mesmo temor que, no passado, o impedira de fazer sua eleição, de escolher entre obedecer aos grandes ou renegá-los.  Ablon sabia que a segunda opção acarretaria consequências terríveis, mas o general dispusera-se a encará-las.  Amael não. 


 Longe dali, sob as águas geladas do mar de Barens, ao norte da Rússia, um submarino americano navegava. Conseguira enganar o radar inimigo e agora se aproximava da costa.  A embarcação estadunidense, com as insígnias da Liga de Berlim, já estava preparada havia dias para uma situação como essa. 


 Com a ofensiva nuclear a Nova York, não seria seguro utilizar bases fixas, daí a importância do transporte marinho. A equipe sabia o que fazer, e o almirante ordenou que o torpedo fosse posto a ponto de tiro.  Quando disparou, o projétil saiu do mar e voou como um míssil em direção a Moscou. 


 Pequim já fora arrasada, e com ela parte da China. Agora, a Rússia era o segundo alvo prioritário. Pouco depois, do solo, os moscovitas viram a morte chegar, a semelhança de “uma estrela ardente a cair do céu, como uma tocha”. 


 A explosão abateu-se sobre a capital, e seu raio de extensão arrasou também países vizinhos.  A oeste, partes da Bielorrússia, Ucrânia e Letônia foram destroçadas, a leste, a devastação varreu o Cazaquistão e sacudiu o mar Cáspio. 


 No avião, sobre o Atlântico Sul, Ablon, Aziel e Sieme puderam ouvir o barulho estridente da Terceira Trombeta. 


 O Anjo Renegado e a Chama Sagrada cambalearam, mas se recuperaram de pronto. O zumbido, mais forte do que o anterior, levou-os a pensar em Sieme, sozinha na cabine, poderia sofrer dores horríveis, afinal era, dentre eles, a mais sensível aos abalos no tecido.  Ao abrirem a porta, notaram a Mestre da Mente estirada no chão e correram para ampará-la.  Ela se recuperaria em breve. Mas e os controles ?  Sieme era a única que sabia pilotar a aeronave.  Felizmente, ela acabara de passar o comando ao piloto automático.


Ablon ajudou Sieme a ajustar a máscara de oxigênio no rosto, puxando-a de um nicho ao lado da poltrona do piloto. 


 A mulher-anjo abriu os olhos lentamente, os fios de cabelo prateados caídos sobre a face.  O Anjo Renegado a pegou no colo. 


 Ablon: Vou levá-la lá para trás e deitá-la no chão – comunicou a Aziel - Fique aqui e atente ao espaço aéreo. Nunca se sabe o que ainda pode acontecer.


 A serafim começou a tossir quando o general a pôs no chão, sinal de que recobrava a consciência.  Aos poucos, melhorou e se encostou a parede do jato.  Ablon foi até a pequena cozinha, atrás da cabine, e encheu um copo de água com açúcar. 


 Ablon: Beba isto. Não precisamos, é claro, mas nossos avatares as vezes apreciam esses pequenos caprichos. Vai se sentir melhor. 


 Ela engoliu o conteúdo como se fosse remédio.  Depois, ficou quieta, e o guerreiro notou que estava triste, quase chorava. 


 Ablon: O que foi, Sieme ? 


 Ela relutou em responder, mas no fim entregou-se a ajuda. 


 Sieme: Aquelas imagens... Não consigo tirá-las de minha mente.


 O renegado imaginou o que fosse.


 Ablon: São as lembranças do homem da sala de controle, não são ? Ao ler a mente dele, você incorporou também suas emoções.


 Sieme: Não sei como lidar com elas, general. Sinto a dor pela morte de pessoas que nunca conheci, ouço o choro de crianças que jamais pari, me apaixono e odeio a cada momento. 


 Ele sorriu, condescendente. 


 Ablon: A maioria das pessoas leva muito tempo para aceitar essas coisas, e você reteve todas de uma vez. É natural que fique confusa. 


Sieme: Sou uma celestial, uma serafim, a mais nobre das castas. Nunca havia provado essas sensações. E também não achei que nós, anjos, fossemos suscetíveis a elas. 


 Ablon: É a carne, Sieme. Este corpo que materializamos nos faz como eles, como os humanos. Em nossos avatares, somos receptivos as mais profundas emoções. Todos os seres, físicos e espirituais, são capazes de sentir amor e ódio. Mas a paixão, o desejo e a dor são propriedades carnais - e ao dizer isso, o renegado lembrou-se de Vick e de como ela o fizera se sentir tão humano - E essas emoções não são tão ruins. É instintivo. É como se seguir nossa natureza de casta. As vezes nada podemos fazer para evitar o apelo do coração.-  Sieme ouvia o querubim, e com seus conselhos se sentia melhor -Com o tempo – continuou - você saberá lidar com as impressões que registrou. E conhecerá outras, se ficar na Haled. É a Mestre da Mente. Vai conseguir. 


 Sieme: A mente é lógica, general – contestou - O coração é irracional. 


 Ele pensou bem no que ela dissera e entendeu seu ponto de vista.  Inteligencia prática e percepção emocional são duas coisas bem diferentes.


 Ablon: Tem razão, Sieme – concordou - Tem razão.


Várias horas se passaram na mais completa tranquilidade.  Se fossem humanos, teriam dormido, mas, como não precisavam, Ablon, Aziel e Sieme passaram o tempo conversando. 


 O Anjo Renegado lhes contou sobre suas aventuras na terra, e a Chama Sagrada e a Mestre da Mente falaram tudo o que podiam a respeito da politica celeste.


 Desde o soar da Terceira Trombeta, nada mais foi ouvido. A julgar pelo intervalo entre as duas ultimas bombas. 


 Ablon imaginou o perigo que estava por vir. Os adversários, certamente, estavam ganhando tempo para analisar posições, preparar seus misseis e lançar uma ofensiva fulminante e decisiva contra o alvo inimigo. 


 O lutador temia que o estourar da Quarta Trombeta levasse consigo parte do mundo. O avião aterrissou no Aeroporto Internacional bem Gurion, em Israel, as 5h28.  Ablon olhou para fora e reparou na mobilização militar.  Soldados em tanques e jipes defendiam a área; helicópteros e caças vigiavam o ar. 


 Ablon: Como se isso fosse ajudar alguma coisa – comentou - 


 Sieme: Sabe para onde devemos seguir depois daqui ? 


 Ablon: Vamos para Jerusalém. De lá tentaremos alugar um carro com o qual tomaremos a estrada para a península do Sinai. Também temos que conseguir um mapa do deserto. Conheço as rilhas antigas, mas precisamos ter o plano das rodovias modernas. Vocês sabem exatamente onde ficam a montanha e o portal para o etéreo ? 


 Aziel: Seria fácil encontrá-lo no mapa – explicou - O arcanjo Gabriel me indicou a entrada. Ele me disse também que os religiosos mortais frequentemente confundem o Horeb com o monte Sinai. Mas a verdadeira montanha que procuramos fica um pouco mais ao norte. Sei localizar a caverna, só ão sei direito como chegaremos lá. 


 Ablon: Essa parte é comigo. 


 Sieme, mais uma vez, ludibriou mentalmente os guardas, e o coro esquivou-se para fora do aeroporto. 


 Já na estrada, esperavam o primeiro táxi do dia quando o anjo Renegado farejou o ar.  Seu senso de perigo, que nunca o deixara na mão, estava a alertá-lo freneticamente. 


 Sieme: Algum problema, general ? 


 Ele não respondeu imediatamente e ficou quieto, examinando com suas habilidades o ambiente em volta e o deserto que se estendia abaixo. 


 Ablon: Por enquanto, acho que não. 


 Aziel ia se oferecer para vasculhar o distrito, mas o táxi chegou, e o assunto morreu.  Trepado sobre um dos prédios do aeroporto, uma figura se escondia nas sombras.  Era um caçador e, assim como Ablon, sabia ocultar sua aura. 


 Aliás, não era apenas um caçador, mas o maior de todos os assassinos do inferno.  No mundo espiritual, Apollyon tinha o rosto de monstro, com olhos negros como o abismo e dentes pontiagudos que saltavam da boca.


 No plano físico, porém, parecia um mortal.  Fazia-se passar por um sujeito carrancudo, bronco, de cabelos escuros e corpo fortíssimo.  Tal qual seu inimigo renegado, Apollyon era um lutador implacável e tinha habilidades furtivas. Era mais forte que Ablon, porém muito mais lento.


 Os malakis, a casta de demônios guerreiros, eram bravos, indisciplinados e incontroláveis, exatamente o inverso de seus adversários celestes, os querubins.  Mas o que pretendia Apollyon ao espionar o general ?


 Queria ele levar a cabo uma vingança pessoal, ou estaria a serviço do Arcanjo sombrio em pessoa ?


 Teria Lúcifer decidido eliminar o Anjo Renegado, em resposta a sua recusa ao acordo, ou era o Exterminador que queria enfrentar o guerreiro e terminar o duelo que haviam começado quinze mil anos antes ?


 Na ultima vez em que se encontraram, na entrada da caverna do Diabo, Ablon o desafiara ao combate.  O caçador não esquecera o chamado.


Já era dia quando, do táxi, Ablon avistou ao longe alguns prédios modernos, fora dos muros da Cidade Velha.


 Logo eles desceram e se aproximaram da entrada. 


Ablon: Na ultima vez que estive aqui – confidenciou - incansáveis patrulhas celestes guardavam o plano astral, e as tropas de Gabriel cercavam a cidade, esperando pela investida dos soldados de Miguel, na primeira grande ofensiva que, pelo que você me disseram, deu inicio a guerra civil. 


 Aziel: Foi um dia santo – acrescentou - O Salvador pereceu na cruz, e as legiões dos dois arcanjos entraram em confronto. Lutamos para defender a alma do Iluminado. Dois dias depois, ele ressuscitou. Nossa missão estava cumprida. Rechaçamos o exército inimigo e deixamos a Haled, refugiando-nos no Primeiro Céu, onde tínhamos bases mais seguras. 


 Sieme: Realmente, general – concordou - Tudo agora parece tão desolado. Jerusalém sempre foi um poço de fantasmas e continua sendo -reparou-, mas não há um celestial sequer vagando pela região. Nem parece que a Fortaleza de Sion fica tão próxima daqui, no plano etéreo. Não acha um pouco estranho toda essa apatia ? O guerreiro ponderou. 


 Ablon: Se Miguel está se preparando para a maior das batalhas, certamente precisa de todos os seus anjos alertas. Felizmente eles não podem nos enxergar. Mas sempre pode haver um desgarrado - alertou, lembrando-se da sensação de perigo que experimentou ao sair do aeroporto - 


 No pátio mais extremo da Fortaleza de Sion, sobre os cem níveis de torre, Vick continuava presa por correntes a negra pilastra de mármore.  O vento gelado castigava-lhe a pele, e os fios de cabelo chicoteavam-lhe o rosto.


 Mesmo atada a coluna pelas amarras de ferro, podia ver o chão sob o parapeito, milhares de metros abaixo, e as cordilheiras que, ao longe, defendiam além das montanhas, fiava o inquietante rio Styx, com suas turvas águas vermelhas. 


Todas as divisões do exército de Miguel estavam prontas e posicionadas, esperando o assalto da legião de Gabriel, acampada a 350 quilômetros dali. 


 Vick sabia que, mesmo a sós no terraço, estava sendo vigiada por espiões invisíveis.  De qualquer maneira, não havia muita saída para seu sofrimento.  Tentou racionalizar o que faria a seguir. 


 Poderia simplesmente relaxar e esperar a morte, mas ainda guardava esperança.  Não sabia o que acontecera com Ablon. 


 Queria acreditar que ele estava a caminho, mas não devia contar com isso. De certa forma, uma parte dela não queria que ele viesse em seu resgate, pois agora, ao ver de perto a Torre das Mil Janelas, reconhecia a qualidade das patrulhas e a voracidade de seus guardiões. 


 Confiava no renegado e em sua pericia com a espada, mas temia que ele não superasse os inimigos que habitavam as salas escuras, incluindo o sinistro Anjo Negro e o impiedoso Miguel.  Em meio aos pensamentos desencontrados, a mortal concentrou-se em suas potencialidades. 


 Sentia-se péssima.  Sempre fora ativa, esperta e energética.  Mas encontrou consolo ao entender que muitos que admirava também haviam passado por isso. 


 Voltou a lembrar-se de Ablon e de como ele, certa vez, escapara do inferno, após ser capturado e levado ao mais terrível dos calabouços, como ele contara uma vez. 


 Na ocasião, o Anjo Renegado obteve auxilio, caso contrário teria morrido.  Foi a amizade de um antigo confrade que o salvou da condenação certa nas mãos do Senhor do Sheol.  Teria ela a mesma sorte ?


Ablon, Aziel e Sieme conseguiram acertar a compra de uma caminhonete Chevrolet de três lugares com um taxista israelense, e combinaram de receber o veiculo ao fim da tarde, em uma praça no monte Sion, fora dos limites da Cidade Velha. 


Pouco depois da hora do almoço, os três anjos entraram em uma lanchonete perto do souk central, o mercado ao ar livre na interseção entre os bairros árabe, judeu e cristão, em Jerusalém. 


Sieme: Acha que teremos problemas na estrada ? 


Ablon: Ao julgar pelo contingente militar que vemos aqui, as rodovias devem estar bloqueadas. Se for preciso, teremos que contorná-las. Agora que conheço a direção correta, não vou me perder. Só temo pelo atraso na jornada. Mas talvez você possa nos ajudar com suas habilidades psíquicas. 


Sieme: Se necessário... Mas até meus poderes tem limites. Não posso enganar um exército, mesmo um exército de seres humanos, que em geral tem a vontade mais fraca do que os celestiais. 


Ablon: Não acho que vamos encontrar grandes tropas, só postos de vigília. Se bem que a fronteira sempre é uma zona conturbada, então tudo é possível. 


Aziel, que estava de frente para a porta, pressentiu uma estranha energia, uma emanação confusa. 


Sem vacilar, levantou-se e avistou, do lado de fora, um homem grande e moreno, que certamente, por sua aura maléfica, não era um simples mortal. Não conseguiu enxergar seu rosto em virtude da intensa fumaça dos narguilés e das quinquilharias penduradas.


 



 


O instinto de sobrevivência o dominou, e suas mãos irromperam em chamas, que percorreram todo o antebraço, prontas para ser lançadas. Aziel era um anjo do fogo e, embora não soubesse lutar como os querubins, tinhas as próprias alternativas de defesa e de ataque.


 Preocupado primeiramente com a segurança das pessoas sentadas as mesas, Aziel preferiu não disparar uma rajada de flamas, que fulminaria o inimigo, porque a intensidade das labaredas poderia provocar um incêndio e destruir todo o prédio. 


 Correu na direção da nebulosa figura, preparado para estorricá-la com suas divindades pirotécnicas.  Mas, quando se encontrava a um passo de alcançar o espião e identificar seu rosto, um barulho insuportável o fez parar, e o baque repentino o obrigou a se apoiar em um poste. 


 Ablon e Sieme, ainda sentados, também escutaram o impacto e ficaram tontos, sem conseguir se mexer.  Era o soar da Quarta Trombeta! 


 Aziel: Ele se foi... - murmurou, ainda sozinho, quando o ruido acalmou -


 Olhou ao redor, procurou, vasculhou, mas não havia mais nenhuma entidade por perto.  Um instante depois, o Anjo Renegado e a serafim atravessaram a porta, deixaram a lanchonete e se apressaram em auxilio do amigo. Mas ele já estava novamente a postos.


 Aziel: Estamos sendo seguidos, general - advertiu, ofegante - Havia alguém aqui. Infelizmente não consegui perceber seu rosto nem sua real natureza. 


 Ablon: Eu sei. Senti a presença desse observador ao sair do aeroporto. 


 Aziel: Então vamos encontrá-lo! Temos que impedir que o espião se reporte a seus aliados. Anjo ou demônio, ele é nosso inimigo. 


 Ablon: Não, Aziel. Não há tempo para persegui-lo. A trombeta que acabamos de ouvir só encurta nossa missão. Veja -ele mostrou aos colegas um curioso fenômeno, que só os seres misticos e os sensitivos podiam visualizar.- 


 O tecido da realidade estava picotado por rasgos, reconhecidos por seções translucidas na membrana, que oscilavam como a visão de uma miragem. 


 Sieme: O tecido está se desintegrando – entendeu - 


 Ablon: Temos até o alvorecer de manhã para atravessar o portal, porque só restam três trombetas para o Juízo Final, e pouco menos do que isso para a Batalha do Armagedon, Gabriel já deve estar movendo suas legiões. 


 Aziel: Mas se esse observador avisar seus comparsas sobre o nosso percurso, nós três poderemos estar caminhando para uma emboscada. 


 O Anjo Renegado já tinha considerado tal ameaça. 


 Ablon: Não temos escolha.


Foi no largo da Igreja que Ablon combinou de se encontrar com o taxista israelense, de quem comprara a caminhonete.


 Ainda reservada, Sieme observava a Cidade Velha do alo do monte, com uma sensação de terror a agitar-lhe o espirito. 


 Já eram quase cinco horas da tarde, e o frio do deserto começava a subir a colina. 


 Sieme: Sinto uma presença sombria vagando pela Cidade Velha -avisou, fitando o emaranhado de ruas no interior das muralhas- Algum ser de grande poder está rastreando nossos passos, pronto para interferir em nossa viagem.


 Aziel: É aquele maldito espião que avistei mais cedo, perto do mercado - exclamou Aziel, ainda perturbado com o episódio no souk - 


 Sieme: Não é só um espião – corrigiu - Sua aura é tão forte quanto a do nosso general. Ninguém com tamanho poder seria um mero enviado. Deve estar aguardando o melhor momento para nos atacar.


 Ablon: Então vamos esperar que ele nos alcance, Sieme – decidiu - Assim ao menos poderemos combatê-lo. Talvez o que ele queira seja justamente nos atrair para longe de nossa jornada. 


 A conversa foi interrompida pelo roncar de um motor.  Ablon assumiu o volante e chamou os outros a entrar. 


 Girou a chave e deu a partida na máquina, pousando a Vingadora Sagrada em um compartimento na parte de trás.


 Aziel acomodou-se no assento, mas a serafim não se moveu.  Permaneceu parada do lado de fora, exposta aos raios poentes do Sol. 


 Sieme: Vou ficar, general. Vou continuar em Jerusalém. Não seguirei com vocês. 


 Aziel: O que ? - reagiu, surpreso, mas Ablon apenas assentiu levemente com a cabeça. Já havia previsto aquela atitude e sabia que não poderia impedi-la - 


 Sieme: Alguém nos persegue, e essa entidade pode por em risco nossa missão- explicou - Nenhum de vocês dois poderia ficar para caçá-la, mas eu posso. Os rebeldes precisam do Primeiro General, e só você, Aziel, conhece a trilha para a caverna em Horeb. 


 Ablon: Está ciente dos perigos que correrá ? 


 A mulher-anjo se aproximou do renegado e tocou-lhe o rosto.  Deslizou o dedo pela face sofrida, como os fiéis fazem com a imagem dos santos. Tinha os olhos marejados e o coração disparado. Nunca antes nenhum serafim, anjos calculistas e críticos, fora tocado tão intensamente pela emoção da despedida.


Sieme: Quando o encontrei há dois dias, naquele apartamento, disse que estava disposta a morrer por uma causa e dar a vida para proteger meu líder. Foi sabendo disso que vim para a Haled, mesmo não conhecendo bem a humanidade e seus avanços históricos. Sei que os serafins são conhecidos por sua retórica ardilosa, mas eu disse a verdade desde o principio. Jamais duvidei de seus ideais. 


 Ao escutar o discurso, Aziel sentiu uma profunda dor no coração, por um dia ter questionado a dignidade de sua parceira. Saiu instantaneamente do carro e a abraçou forte, puxando-a para junto do peito.  Suas castas tinham naturezas e personalidades distintas, mas, por um minuto, pareciam tão unos quanto gêmeos de sangue. 


 Sieme: Voltarei a Cidade Velha – explicou - e procurarei por esse agente perverso. Se não for capaz de detê-lo, ao menos poderei atrasá-lo. 


 Ablon pensou em proibi-la de ficar, em ordenar que continuasse com eles até o portal, em obrigá-la a esquecer aquele empreendimento arriscado.  Mas devia, acima de tudo, respeitar sua decisão e honrar sua escolha. 


 Quantos sacrifícios ele mesmo já não tinha feito, e quantas vezes terminara por superar desafios supostamente insuperáveis ?


 Não... não podia censurá-la. Além disso, sua ajuda seria preciosa. 


 Qualquer contratempo que transtornasse o inimigo, ainda que pequeno, seria valioso.


 Ablon: Apesar de pertencermos a castas opostas, reconheço que nunca vi tamanha coragem em um serafim – admitiu - Desejo-lhe toda a sorte, Sieme, Mestre da Mente. Lute com toda a vontade e com todo o coração, porque eu não esperaria menos de uma acólita de Gabriel.


 Sieme: Sou sua acólita, general. Nós, os novos rebeldes, vivemos para servi-lo, porque ainda acreditamos na palavra de Deus – disse, afastando-se do carro - Mesmo que os homens tenham degradado o mundo, continuaremos a louvar a criação. Somos anjos, e esse é nosso dever. Até que o Sol se apague e o brilho das estrelas feneça, até o ultimo fulgor do universo. 


 E com isso Sieme gravou sua bravura nos registros infinitos a história.  Com um aperto na garganta, Aziel retornou a cabine, e a caminhonete partiu.  Por longos instantes, a Chama Sagrada ficou vislumbrando a amiga, a media que sua silhueta diminuía a distancia.


 Aziel: Eu a julguei mal, Ablon – martirizou-se - Algumas vezes, pensei que ela não se empenhava totalmente para promover nossa causa. Agora, me perturba imaginar que tenha resolvido ficar só para pôr a prova suas virtude. 


 Ablon: Sieme tomou a decisão dela, e não nos cabe inferir o motivo. Ninguém pode culpar os outros por suas escolhas. Se ela fez o que fez, foi por opção própria. A Mestre da Mente encontrou a maneira que lhe pareceu melhor para completar a demanda. 


 Entristecido, o ishim deixou que seu olhar navegasse suavemente pela paisagem.  Dirigiam então pelos bairros modernos da Cidade Sagrada. 


 Aziel: Quando nos encontrarmos, no acampamento rebelde, espero poder desfazer nossas antigas contendas – murmurou -


 Como líder de guerra e veterano no campo de batalha, Ablon preferiu ser realista.  Embora não quisesse magoar o amigo, também não desejava alimentar falsas esperanças. 


 Ablon: Não creio que a veremos de novo, Aziel – retrucou - 


 Um silencio mortal imperou na boleia, e a Chama Sagrada divisou o monte Sion pela ultima vez, enquanto o Sol se punha no oeste.



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Autor(a): Fraanh

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 1



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  • fraanh Postado em 16/10/2014 - 20:18:52

    Por mais que eu esteja postando a primeira temporada rapidamente só para continuar a segunda (já que tive que sair do orkut), eu devo, com toda a educação do mundo, dar as boas vindas as leitoras que não me acompanharam antes, então, sejam bem vinda meninas, espero que estejam gostando, comentem por favor, eu não mordo não *-*


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