Fanfic: O amor e um anjo ~
No campo rebelde, o honrado Baturiel esperava. Sua principal arma era a lança, mas carregava também uma espada, como todos os querubins. Até as arqueiras portavam lâminas na cinta, embora curtas, para o caso de combate fechado.
O Honrado traçou um golpe no vazio do ar, só pra testar a eficiência da ponta. Varna estava ali perto, com seu arco de ouro.
Sua aljava era uma relíquia sagrada, porque as setas nunca acabavam, mesmo que um milhão de tiros fossem lançados. Era um artefato divino, mas a competência da general estava na precisão de sua mira e na retidão de seu caráter metódico.
Baturiel: Dizem que você nunca errou uma flecha – comentou, reparando nos profundos olhos da comandante -
Varna: E como poderia ? Sou um anjo, e essa é minha função. Para isso fui concebida.
Baturiel: Mas não somos perfeitos. Cometemos erros, tal qual os seres humanos.
Varna: Sim – concordou - Não somos infalíveis.
Baturiel: E quantas flechas acha que vai ainda perder ? - instigou, quando a arqueira admitiu ser passível de deficiência -
Varna: Só uma - respondeu, incisiva -
Baturiel: Uma ?
Varna: Porque, no dia em que eu errar uma seta, minha demanda estará concluída. Minha função neste mundo terá terminado. E esse será o dia em que morrerei.
Baturiel assentiu, impressionado com a determinação da celeste. Ele se afastou e regressou ao seu regimento.
O Anjo Negro, aterrador em sua armadura escura e seu elmo fechado, descera a uma plataforma no antepenúltimo andar da fortaleza, de onde podia ter uma ampla visão das legiões e do cinturão de defesa que protegia a torre. Milhões de soldados alados, organizados em companhias, voavam em linha, formando múltiplos anéis ao redor de Sion.
Enquanto isso, no outro extremo do firmamento, um célebre esquadrão se aproximava, preparado para a mais épica ofensiva da história. Mil anjos, hábeis e corajosos, avançavam em seta , prontos para perfurar o bloqueio inimigo.
Embora subordinados aos generais, que usualmente vestiam apenas placas sobre o peito, esses mirmidões trajavam armaduras completas, banhadas em prata, que refletiam como espelho ao brilho da lua.
A frente desses bravos celestes vinha um guerreiro dourado, em sua couraça recém-forjada, com os olhos azuis fixos no alvo. Era Ablon, que liderava o time de elite, tal qual fizera havia milhares de anos.
E quando esses anjos, mesmo valentes, sobrevoaram as montanhas, um suspiro assaltou a todos eles, ante a visão da tarefa que os guardava.
Não longe dali, a Torre das Mil Janelas se elevava imponente, ao longo de seus três mil metros de altura. A distancia, mais parecia uma colmeia de abelhas venenosas, cercada por tantos soldados que quase não era possível enxergar seu eixo.
Em cada uma das pequeninas sacadas pairava um lutador, armado para resistir ao ataque. E no topo do forte um batalhão adejava em redoma, circundando o terraço e resguardando o que o general julgava ser a Roda do Tempo.
Uma nuvem de trevas cobria a bastilha, Ablon não sabia de onde viera ou quem a invocara, mas suas vibrações eram terríveis - estava cheia de ódio e crueldade, como uma onda funesta a serviço do mal.
Ao perceberem os invasores prateados, comandados pelo Primeiro General, os anjos perversos sobressaltaram assustados, apesar de sua superioridade em contingente. Enxergaram o ímpeto dos invasores, sua fé na vitória e a sede de sangue em seus austeros semblantes.
Alguns pensaram em recuar, mas o Anjo Negro, na borda do pontilhão, abriu as asas escuras e gritou um ordem. Sua voz era como um rugido, e seus compatriotas endureceram nas linhas – não por bravura, mas por medo de seu capitão.
Anjo Negro: Guardem os anéis, seus covardes ! Mantenham as defesas seguras.
Nesse instantes, os atacantes de prata também fraquejaram, mas Ablon sacou sua espada e as chamas eternas fizeram os sitiados tremer. Um novo fôlego estimulou os rebeldes e, na plataforma, o Anjo de Asas Negras recuou para dentro dos tuneis, repudiando a Flagelo de Fogo, como se fosse essa a única arma que pudesse feri-lo.
Ablon: Fechar em agulha ! - ordenou, e os prateados alinharam a posição em forma de seta - É agora !
Foi assim que o esquadrão penetrou o cinturão, como uma lança, rasgando a formação e desfazendo o anel de querubins que cingia a fortaleza. Espadas se chocaram e armaduras estalaram, quando os temerários guerreiros furaram o bloqueio inimigo.
Na ponta, Ablon usou a Flagelo de Fogo para perfurar. Seu calor era tão intenso que a agulha mais parecia um flecha abrasada, voando em velocidade máxima ao redor de Sion.
Os soldados inimigos eram carbonizados ao toque, e aqueles que saiam da frente acabavam rasgados aos flancos, pelos prateados que compunham a lateral da formação.
Em poucos segundos, pedaços destroçados de armaduras zuniam no ar, membros decepados caiam como meteoros, sangue jorrava pela área de guerra. Mais que tudo, os defensores de Miguel sofreram com a tática surpresa.
Nunca esperavam que um grupo tão pequeno os atacasse daquela maneira. Seus generais estavam corretos de certa forma.
O sucesso da formação em agulha só foi possível graças a Ablon e sua Flagelo de Fogo.
Disciplinados, os prateados foram rodeando os anéis a torre, matando e mutilando com suas laminas afiadas. Ninguém podia batê-los, nem os oficiais premiados, e nos níveis abaixo uma chuva de corpos despencava sobre outros perversos, cada vez mais abismados.
No acampamento rebelde, Varna e suas arqueiras assistiram de longe ao primeiro embate e ao triunfo da tropa de elite, que continuava lutando como um leão feroz. Suas guerreiras estavam alinhadas no solo, aguardando o sinal.
As armaduras eram malhas de ouro, trançadas, mais leves que as dos soldados infantes. Portavam, além do arco, espadas curtas, provando que estavam aptas também para a ação corpo a corpo. Ao lado da mulher-anjo, Baturiel apreciava o espetáculo do ataque.
Baturiel: Queria estar lá com eles – confidenciou -
Varna: Estaremos em breve – retrucou -
Baturiel recuou, e ela, percebendo o momento, levantou o arco, pronta para iniciar a corrida. As arqueiras a imitaram, e a general disparou, seguida por seu regimento. Avançaram em rasante, quase coladas ao chão, para que seus adversários em Sion não as enxergassem.
Assim percorreram o deserto como cobras na noite, ocultas pela poeira do solo. Subiram as montanhas e ali ficaram, escondidas, esperando pela Sexta Trombeta, de setas no fio.
Na Fortaleza de Sion, prosseguia a batalha. Organizados em ponta, os rebeldes eram quase invencíveis, mas seus esforços como um corpo compacto só agiam em uma única direção, derrubando uma linha de defesa por vez, enquanto o resto do bloqueio continuava intocado. Era preciso, agora, atingir múltiplos pontos da torre.
Investindo em alvos estratégicos, eles poderiam provocar a desordem em cada um dos anéis de soldados, aumentando assim a gravidade da ofensiva – ainda que não pudessem derrotá-los todos.
Era uma tática suicida, porque um só atacante, separado do grupo, não resistiria por muito tempo ao assédio dos inimigos, por mais vigoroso que fosse. Mas para isso existem os épicos heróis, decididos a morrer em combate.
Ablon: DESFAZER FORMAÇÃO ! - gritou - ESPALHEM-SE. PROCUREM OS LIDERES DE COMPANHIA. MATEM OS CHEFES. MORRAM POR SEUS IDEAIS !
Ao comando, parte do esquadrão mergulhou, e outra parte subiu, dispersando sua força. Sozinhos, lutavam com bravura, abrindo caminho com suas espadas, até alcançar o destino. Os mais espertos já acossavam os capitães, certos de que, uma vez derrubados, as companhias perderiam um tanto de seu entusiasmo.
Desligado de seus querubins, Ablon virara o alvo central, e dezenas de milhares de anjos vieram buscar sua cabeça. No ar, cercaram o general, mas seus ataques resultavam em nada.
Ágil e rápido, o renegado aparava todos os golpes. A cada bloqueio, a Flagelo de Fogo derretia as laminas adversárias e continuava a trajetória, destruindo espada, armadura, e ceifando a vida de quem a desafiava.
Só a aproximação da arma de Ablon já amolecia o metal dos inimigos, que não encontravam meios de lutar contra o instrumento sagrado do arcanjo Gabriel, agora empunhado pelo último anjo renegado.
Os caçadores passaram a caçados, e uma única investida do guerreiro mutilava dez ou vinte assassinos. O chefe da companhia que o Primeiro General assaltava era Asson, um comandante maldoso, que estivera presente ao massacre de Sodoma.
Desde lá, era subordinado de Euzin, que na época respondia a Apollyon, então um celeste, general de legiões. Ablon identificou seu objetivo, ao avistar o capitão que controlava os alados.
Voou direto em sua perseguição, dilacerando os soldados que entre eles se interpunham. Um baque solitário, pelas costas, conseguiu atingir o renegado, mas sua armadura dourada absorveu toda a violência do chofre.
Asson não sabia ao certo o que acontecera a Euzin, mas ouvira dizer que ele fora enviado a Haled, com missão de matar o proscrito.
Então, quando notou o Primeiro General vindo até ele, com fúria no olhar e sangue no metal da couraça, descobriu a sina de seu superior, e da Legião Formidável.
Asson: Ataquem ! Ataquem ! Ataquem ! -repetiu a seus oficiais, quase sem voz-
Uma linha de cinquenta querubins, ajustados em fila, chegou para destronar o renegado, esperando que assim pudessem vencê-lo. Pretendiam acometer perfurando, com o próximo na ala substituindo imediatamente os combatentes caídos.
Isso, supostamente, levaria a vitima a fadiga, até que cesse ao embate mortal. Mas a estratégia fracassou.
Esquivando-se para o lado, Ablon desviou da fileira e avançou, passando a Flagelo de Fogo pelo centro da linha. A espada ardente dividiu os corpos sem a menor resistência e retomou o movimento, para procurar Asson, o objetivo fundamental da agressão.
Mais por sorte que por destreza, o capitão evadiu-se, e o golpe do renegado falhou. Sua pancada resvalou na estrutura da torre, fazendo-a estremecer, igual ao sacudir de um terremoto.
Dentro da fortaleza, os batalhões que a guardavam sentiram-se como no ventre de um grande tambor, ao escutar o ruido abafado da possante pancada. Revivificado pelo erro do oponente, o desagradável Asson provou o guerreiro.
Asson: Então, é você o assassino de Euzin ?
Ablon: Não – respondeu, e era verdade, Euzin fora morto pela flecha certeira de Varna - Mas gostaria de ter sido eu a derrotar o covarde.
Asson: Acabarei com você agora, em nome do arcanjo Miguel !
Cheio de raiva, o vil adversário arrancou para a morte. E antes que descrevesse a manobra, resolvido a esfacelar o querubim, a ponta da espada de Ablon fincou-lhe o coração. O inimigo soltou um berro estridente, que pôs fim a sua carreira maldita.
Espetado pela Flagelo de Fogo, o cadáver começou a estorricar. O Anjo Renegado levantou o defunto e depois arremessou.
O corpo foi caindo, carregando um odor nauseante aos andares inferiores. Os sitiados companharam o despencar do capitão e em seguida se viraram para encarar o carrasco – mas ele havia desaparecido !
Recolhido as sombras, Ablon suprimiu o pulsar de sua aura. Os soldados, de fracos instintos e pouca inteligencia, não poderiam mais encontrá-lo. Na penumbra da noite e em meio ao clangor da batalha, o Primeiro General se infiltrava em Sion.
Enquanto isso, no interior da Fortaleza de Sion, o Anjo Negro chegou a um enorme salão, de pardes largas e teto ogival. Ao centro da câmara, bem no eixo da torre, um vão amplo, de incalculável profundidade, descia a fundura dos calabouços, e nesse vácuo empoleiravam-se dezenas de milhares de anjos, devidamente armados para o combate.
Eram parte das legiões internas, designadas para guardar o bojo do forte, caso ali chegassem os invasores rebeldes. O Anjo de Asas Negras desceu voando pelo buraco e destacou cinquenta dos melhores soldados dali, capitães e generais na maioria, para acompanhá-lo aos níveis acima.
Muitos detestaram a convocação, porque eram lideres de companhia e não podiam deixar sozinhos seus combatentes. Mesmo assim, engoliram o orgulho e nada disseram, cientes de quem os comandava.
Anjo Negro: Vamos aos andares superiores - ordenou, tomando um caminho que até os oficiais desconheciam - Vocês serão a ultima linha de defesa do arcanjo Miguel.
Esses lutadores eram os mais possantes entre as legiões, a nata do exército do Príncipe Celeste. Suas armaduras eram como bronze, e portavam espadas tão afiadas que as laminas dividiam as partículas atômicas no espaço. E todos eles temiam o Anjo Negro.
Escondido pelo manto noturno, Ablon se esgueirava pelos umbrosos corredores da Fortaleza de Sion. Pulando de alcova em alcova, enganava a percepção dos anjos que montavam guarda nas câmaras vazias, atravessando passagens e subindo escadas, sem ser percebido.
Mantinha a Flagelo de Fogo recolhida a bainha, para que os vigias não avistassem seu brilho ou alertassem para o crepitar de sua lamina ardente. A armadura não atrapalhava seus movimentos nem provocava ruídos, mas seu reflexo dourado podia denunciá-lo, caso não se afundasse suficientemente nas sombras.
Assim, driblou incontáveis patrulhas e batalhões inteiros, que vagavam por dentro da torre. O renegado conhecia bem os caminhos e labirintos de Sion, mas muitas seções haviam sido modificadas ou ampliadas, o que atrasou seu percurso até o acesso ao penúltimo andar e de lá para a Sala dos Portais.
Lembrou-se do dia da edificação da bastilha e da noite em que Miguel veio ao plano etéreo para fundar a Torre das Mil Janelas, marco fundamental da soberania celestial sobre a região de Canaã e Sinai.
Com os dedos firmes agarrados a parede irregular, Ablon subiu e grudou-se ao teto. Prosseguiu como uma aranha caçadora e passou sorrateiro por dois soldados que guardavam uma escada ascendente.
Esse túnel em degraus terminava em uma antessala circular, em formato de meia-lua, orlada por sacadas que se abriam para a altitude. O extremo sul do aposento continuava em um corredor longo, amplo, sustentado por colunas delicadamente trabalhadas com motivos angélicos.
Ao fundo figurava uma porta dupla, guardada por um único querubim vigilante. Esse guardião chamava-se Dariel, e o general o reconheceu de primeira.
Assim como o tal Asson, que acabara de derrotar no lado de fora da torre. Dariel também fora subordinado a Euzin e participara da carnificina em Sodoma. Eram um anjo poderoso, ágil e forte, e a percepção era sua maior qualidade – não a toa fora designado para defender o ingresso aos níveis superiores.
Dariel estava protegido por uma armadura completa e portava uma alabarda, espécie de haste comprida, rematada por uma ponta de aço e cortada por uma lâmina semelhante a do machado. Estacava sério diante da porta.
Ablon teria que usar de toda sua rapidez para alcançar seu destino sem que Dariel o notasse. Se fosse descoberto, o guardião soaria o alarme, e sua tentativa de chegar incólume a Sala dos Portais resultaria frustrada.
Sua grande habilidade em combate não o fazia invencível, e ele não gostaria de ser surpreendido por mais legiões, embora estivesse preparado para isso. Como o renegado, o vigilante também enxergava no escuro, então não seria eficiente deslizar pelas trevas.
Assim, quando Dariel piscou, o general, em inacreditável velocidade, saltou para trás de uma alta pilastra – a ultima de uma intensa fileira que suportava o teto. Ali ficou, estático, até que o guarda piscasse de novo.
E, a cada piscadela, Ablon se aproximava da porta, pulando de coluna em coluna.
No instante preciso, correu para um pilar muito próximo ao cauteloso vigia, e finalmente o soldado atentou para o vulto.
Mas, antes que ele brandisse sua arma, o Primeiro General apareceu como um tigre e sacou a Flagelo de Fogo. A espada refulgiu em chamas vermelhas e cortou o inimigo ao meio, sem chance de contra-ataque. Nenhum som foi ouvido.
Ablon repôs a folha ardente na bainha. Depois, empurrou a porta de ferro.
A porta cedeu facilmente ao empurrão e deu acesso a um segundo corredor, bem maior que o primeiro, franqueando por muitos umbrais nebulosos, que levavam a outras passagens, e assim por diante.
Eram tão escuros esses umbrais, e seus afluentes tão sinuosos, que ficava impossível enxergar além deles ou ter certeza para onde corriam. No extremo oposto do corredor, uma outra porta, também metálica, mas de ouro, era o que separava o Primeiro General da Sala dos Portais e de seu derradeiro inimigo: o arcanjo Miguel.
Silencioso, caminhou ao seu objetivo, mas parou ao pressentir o perigo. Das portinholas escuras, então, emergiram cinquenta guerreiros alados – 25 de cada lado. Em suas armaduras de bronze, formaram um bloqueio, uma barreira de quatro alas, fechando o caminho e impedindo que o invasor prosseguisse.
Daqueles celestiais, Ablon conhecia todos. Diferentemente de Euzin, Asson ou Dariel, esses eram bons guerreiros, de espirito recuperável, mas que talvez não tivessem tido a coragem de repudiar o Príncipe Celeste e se juntar aos rebeldes.
O renegado sabia que não eram perversos, mas temiam o tirano, por isso acatavam seus comandos. Uma centelha de pureza vivia-lhes no coração, e, quando levantaram as armas para atacar, um argumento de Ablon fez com que atrasassem os golpes.
Ablon: Muitos de vocês me reconhecem e já combateram a meu lado – falou, empunhando a Flagelo de fogo – Sou Ablon, o Primeiro General, e volto a Sion para novamente perseguir a vitória. Não importa quanto tenham se enfiado nas trevas, ainda lhes resta escolha, mesmo agora, tão perto do fim. Abram o cerco e recuem, e vejam-se libertos da opressão que os cerca.
Os capitães que ali estavam, ao escutar a oratória do anjo guerreiro, interromperam a investida, mas, ainda confusos, não se despojaram das espadas. Nesse momento, um elemento critico abalou o cenário.
O Anjo Negro, terrível e imponente, saiu voando de um túnel escondido e aterrissou bem a frente da porta dourada, guardando ele mesmo a entrada. Ao avistar o pavoroso agente, os oficiais congelaram, indecisos. A quem deveriam seguir ?
Anjo Negro: A LEALDADE DELES É PARA COM O ARCANJO MIGUEL – gritou, carregava na cinta uma espada enorme; era forte como um touro, e vibrações indecifráveis emanavam de sua aura misteriosa -
Ablon o identificou de imediato e, mesmo controlado e seguro, não foi capaz de conter a raiva. Fora o Anjo Negro que raptara Vick, exigindo que o general não se unisse a Lúcifer. A exceção de Apollyon, que matara a maioria de seus companheiros renegados, não havia quem o querubim mais detestasse.
Miguel sempre fora um adversário simbólico, politico, mas esses dois rivais eram objeto de seu ódio pessoal, porque haviam matado ou molestado seus amigos queridos, e não havia nada que Ablon prezasse mais do que a amizade sincera. Naquelas circunstancias, o renegado poderia ter barganhado, dialogado, negociado a libertação da humana.
Mas a razão o abandonou e, com os olhos vermelhos de fúria, disparou pelo corredor, para aplacar sua ira. Expandiu as asas alvas manchadas de sangue, e os capitães desfizeram o bloqueio, assustados com seu ímpeto valente.
Confiante, o Anjo Negro tocou o cabo da espada. Um combate épico poderia ali ter inicio, mas, apesar da fúria, Ablon era agora muito mais sábio que outrora.
Compreendia que Vick precisava urgentemente de seu apoio e decidiu encerrar a batalha com um só movimento. O Primeiro General foi veloz e investiu com a Flagelo de fogo em ataque circular, atingindo perfeitamente o rosto do inimigo.
A força do golpe atirou ao longe o guardião, enquanto seu elmo zunia em direção oposta, indo girar contra o solo de pedra em um característico arrastar de metal. Não fosse o capacete, teria o cranio amassado, mas o impacto foi suficientemente grave para levá-lo a nocaute.
O Anjo de Asas Negras rolou pelo chão e escondeu a face nas trevas. Era um agente e tanto, sem duvida – e tão forte quanto Ablon.
Nem se comparava aos capitães que guardavam a torre, carbonizados pelo simples toque da Flagelo de fogo.
O que fazer ? - Ponderou o Anjo Renegado.
Enfrentá-lo de uma vez, correndo o risco de chegar tarde demais a Miguel, ou dar as costas para o adversário, podendo ser abordado por ele depois ? Os guerreiros de bronze resolveriam o impasse.
Convencidos da superioridade e grandeza do Primeiro General, os capitães tomaram sua decisão. Em apoio ao líder rebelde, puxaram suas laminas e partiram para atacar o agente de asas escuras, ainda atordoado.
Ablon novamente sentiu o impeto de se juntar a eles, mas, com o estardalhaço, talvez Miguel já soubesse da invasão. O renegado temia que, ao escutar o ruido de luta, o príncipe assassinasse a mortal, em resposta a infiltração. Não havia mais um segundo a perder.
Com a espada incandescente, estraçalhou a porta de ouro, como um estilete a rasgar o papel. Dali, enxergou a escada que conduzia ao penúltimo andar, a Sala dos Portais – um nível antes do pináculo da Roda do Tempo.
Lá fora, ao redor da fortaleza, os guerreiros prateados – soldados rebeldes de elite, que haviam chegado em primeira ofensiva a torre- começavam a perder força. Combatiam com incansável bravura, mas estavam fadados a morte.
Dos mil querubins que iniciaram a batalha, liderados por Ablon, pelo menos trezentos já tinham caído. Mas mesmo encurralados, fatigados e esmagados pelo contingente inimigo, o time avançado alcançara sucesso em missão.
Os anjos rebeldes, em sua épica investida, conseguiram desorganizar as linhas de defesa aéreas que cercavam Sion.
O cinturão protetor, antes composto por anéis de combatentes alados, agora não passava de uma massa caótica, um enxame de celestiais que voavam de um lado para o outro, caçando os incríveis heróis que insistiam em lutar.
Movidos pela ganancia, os capitães dos revoltosos, esperando colher os louros pela mutilação de oponentes tão arrojados. Em sua ambição, pouco se preocupavam com a integridade do coletivo; eram maldosos e egoístas e subestimavam o exército dos novos rebeldes. E justificado era seu julgamento.
As tropas insurgentes estavam muito distantes, a quilômetros dali, além das cordilheiras, e o Primeiro General, ícone da revolução, havia sumido. Ninguém encontrara seu corpo, mas imaginavam que havia tombado, porque sua aura apagara-se completamente. A falta de percepção desses combatentes cruéis encerraria seu trágico destino.
Próximas dali, enfiadas nas sombras das montanhas que abraçavam Sion, as arqueiras aguardavam o sinal da Sexta Trombeta. Uma multidão de belas guerreiras, em suas malhas de ouro, espalhava-se por toda a extensão da cordilheira, vigiando a torre inimiga pelos ângulos mais impensáveis e esperando. Não falavam, não se mexiam, mal respiravam.
Escondiam-se entre as gretas, atrás das pedras, dentro das fissuras na rocha. Preparada, de flecha entre os dedos. Varna percebeu a redoma que cercava o pináculo do forte e notou o excessivo numero de anjos destacados para defender o pátio superior.
Eram tantos que nem sequer se enxergava o terraço – onde, ela sabia, estava fixada a roda do Tempo. Mas se só um deus poderia mover o artefato sagrado, conforme diziam os sábios malakins, então qual seria a razão para tão ostensiva guarnição ? Se a relíquia não podia ser removida ou alterada, por que Miguel teria ordenado que o pino fosse cercado ? Esperta, a general virou-se para uma de suas oficiais.
Varna: É inexplicável o interesse do inimigo pela preservação do pináculo – afirmou, com os olhos possantes – Junte as melhores – ordenou - Faça com que concentrem seus disparos na guarnição do terraço. Quero que todos os alados no cume da torre sejam abatidos. - A lugar-tenente sinalizou em afirmativa e desceu a encosta anterior da montanha, silenciosa, para passar o comando as outras arqueiras. - O que mais será que você guarda no coração dessa redoma vivente, impiedoso tirano ? - divagou a guerreira, só para si -
Varna, como os demais querubins, era uma predadora. E seus instintos não costumavam falhar.
Com a mesma furtividade que o preservara seguidamente na terra, o Anjo Renegado, de espada em punho, galgou a escadaria de pedra vermelha e chegou a um aposento alto, de forma redonda e aparência sombria. Aquela era a Sala dos Portais, uma câmara tão célebre quanto seu singular morador.
A aura de Ablon fervia de raiva e excitação, por finalmente ter alcançado o ponto final de sua demanda, iniciada havia pelo menos cinco mil anos. Nas paredes ao redor do recinto, existiam passagens lacradas, encerradas por maciças portas de ferro.
Essas entradas, sem maçanetas, eram centralizadas por recuos anelados, cada qual com seus símbolos distintos.
Acessavam muitas dimensões paralelas, entre elas o céu e o inferno. Mas o Primeiro General não reparou nesses arcos nem deu muita importância ao fabuloso tomo, escrito por dentro e por fora, que encimava um pedestal em forma de meia coluna, bem no centro da sala. Sua atenção estava concentrada no objetivo primário.
No outro extremo da câmara, ele divisou a mortal, presa pelos braços, atada por correntes, exposta como um troféu. Seu corpo, suspenso no ar pelas amarras de ferro, bloqueava uma porta, mais larga que as outras, que levava ao pináculo da torre, onde estava fincada a Roda do Tempo.
No olhar da mulher, o general distinguiu uma expressão diferente, mais controlada, quase irreconhecível. E, entre ele, e a humana, erguia-se o mais temível dos adversários. Miguel, o Príncipe dos Anjos.
Uma figura alta, imponente, impiedosa e invencível. Seu rosto, parcialmente oculto pelo elmo, estava marcado por profundas cicatrizes.
Vestia uma armadura completa, de aço refulgente, decorada com detalhes dourados, e nas mãos carregava a Chama da Morte, uma espada flamejante de cabo adornado. As asas eram brancas, e suas extremidades brilhavam como o fio de navalha.
Miguel: Então, o proscrito retorna a casa onde foi consagrado -provocou- Pela segunda vez você invade Sion, procurando a vitória. Mas aqueles eram dias de glória, quando o Primeiro General combatia a meu lado, ceifando e massacrando sob as ordens do céu – incitou, recordando o tempo em que Ablon matava em seu nome – Agora é a imagem da decadência celeste.
O renegado não cedeu a afronta. Estava determinado a libertar Vick, antes de tudo.
Ablon: Você sabe por que vim - retrucou e, involuntariamente, seu olhar correu a mulher - O Anjo Negro disse que eu a teria de volta se não me juntasse a Lúcifer. E aqui estou eu, honrando as condições.
Miguel: Eu estou acima da honra, renegado – vangloriou-se - sou maior do que qualquer acordo ou promessa. Sou o único, absoluto. Eu sou a palavra, a ordem. Dito minhas próprias leis e minha pretensão. Quando a ultima trombeta soar, toda a vida humana terá se extinguido. O tecido cairá, e então a alma da mortal Victória será o resquício final da existência de Yahweh, o derradeiro vestígio de um Deus desaparecido, exterminado por sua própria vontade. Tomarei esse poder e me consagrarei como o Altíssimo sobre este universo.
Ablon: Cairá antes disso, arcanjo - rebateu o general, convencido da demência do oponente - Já perdeu a sanidade, e agora perderá a vida. - O tirano sorriu, com perigosa malicia. -
Miguel: E quem me despojará ? Você, o anjo proscrito ? O pária celeste ? O líder de uma irmandade de heróis mortos, humilhados ? Sei que derrotou Balberith, Euzin e tantos outros. Mas eles eram apenas anjos. Eu sou um arcanjo, um gigante, o primogênito do cosmo, o filho do Luminoso. Nunca fui derrubado, e não o serei. Tenho um destino a cumprir, e ele me põe na culminância de todas as criaturas. Em poucas horas, quando a roda do Tempo findar, jogarei sua cabeça para as legiões revoltosas. E aí elas saberão a quem devem obedecer. - Desagradado com a arrogância do inimigo, Ablon preparou sua lamina. -
Ablon: Vejo que está cego pelas trevas, Miguel. Trago comigo a Flagelo de Fogo, que antes pertenceu ao Mensageiro. As chamas da espada iluminarão sua razão e purificarão suas ideias. E assim será, para o bem ou para o mal.
Com isso, os dois celestiais cruzaram suas armas ardentes. E, antes que desferissem o primeiro golpe, escutaram o ruido da Sexta Trombeta. Era o principio do fim.
Autor(a): Fraanh
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Comentários da Fanfic 1
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fraanh Postado em 16/10/2014 - 20:18:52
Por mais que eu esteja postando a primeira temporada rapidamente só para continuar a segunda (já que tive que sair do orkut), eu devo, com toda a educação do mundo, dar as boas vindas as leitoras que não me acompanharam antes, então, sejam bem vinda meninas, espero que estejam gostando, comentem por favor, eu não mordo não *-*