Fanfic: Um amor desastrado - GN | Tema: GN
Alexandre Nero chutou uma lata de alumínio sem importar-se com o dano causado ao sapato de couro alemão. Com as mãos nos bolsos, viu a lata subir e cair na calçada deserta e molhada, imaginando que podia ser a cabeça de John Sterling entrando em contato com o pavimento duro.
A boca preparou-se para proferir um palavrão, mas ele não conseguiu pensar num termo capaz de descrever o sujeito basicamente correto que acabara de lhe roubar a noiva... no altar. No momento, o único adjetivo em que conseguia pensar era... esperto.
Olhando em volta. Alexandre procurou mais alguma coisa para chutar, lamentando não poder promover um encontro entre o pé e o próprio traseiro. Devia ter pedido Lucy em casamento meses antes. Não, anos antes! Em vez disso, acomodara-se num relacionamento estável e dera espaço para que ela se apaixonasse por um cliente, cancelando o casamento antes que sua mãe, sentada no primeiro banco da igreja, pudesse derrubar a primeira lágrima emocionada.
Nesse momento, os amigos e associados deviam estar brindando ao feliz casal, literalmente às custas de Alexandre. Furioso, lembrou-se da caixa de champanhe que fizera questão de deixar atrás do bar no salão reservado para a recepção.
O som de um carro se aproximando e uma buzina insistente e conhecida chamaram sua atenção. Havia acabado de olhar para trás quando o veículo, dirigido em alta velocidade, passou por uma poça de água e o molhou da cabeça aos pés. Alexandre ergueu os braços num gesto impotente e resignado, sentindo a água suja escorrer pelo colarinho da camisa e atingir suas costas. O Volvo branco e velho passou por ele e subiu na calçada com um solavanco assustador antes de parar. Uma das rodas permaneceu sobre a área de pedestres.
Bem, já vira Giovanna Antonelli executar manobras bem piores.
— Desculpe — ela gritou, emergindo da armadilha mortal que costumava dirigir pela cidade. — A barra deste maldito vestido enganchou no acelerador — e bateu a porta antes de começar a mancar na direção dele. — Quebrei o salto do sapato, também — contou.
Alexandre passou os dedos pelas lentes dos óculos para remover a água que o impedia de enxergar. Giovanna devia parecer ridícula no vestido de organza cor de pêssego com um babado de chiffon em torno dos ombros, mas com seu ar irreverente e sua aparência fascinante, ela exibia o traje de gosto duvidoso com a mesma graça que demonstrava em qualquer tipo de roupa.
Giovanna extraiu um lenço branco do decote assustadoramente baixo e começou a limpar o queixo de Alexandre.
— Sinto muito — murmurou.
— Não tem problema. Eu precisava mesmo esfriar a cabeça.
— Estou fAlexandredo sobre o casamento.
— Oh. — Tentando manter os olhos longe do decote da melhor amiga da ex-noiva, Alexandre decidiu que nunca havia sido mais infeliz que nesse momento. Quieto, permitiu que Giovanna continuasse tentando secá-lo com aquele minúsculo lenço de renda. — Ainda não acredito que Lucy tenha escolhido esse vestido para você — comentou.
— Ela não o escolheu. Alguém confundiu os pedidos, mas Lucy parecia tão estressada quando as roupas foram entregues que achei melhor não incomodá-la com detalhes.
— Aposto que ela nem notou a diferença. Pelo que vi na igreja, Lucy só tinha olhos para John Sterling.
— Tem razão.
— Eles se casaram?
— Sim. Eu estava deixando a igreja quando ouvi Lucy comunicando a mudança de planos a alguns membros da família.
— E não ficou para testemunhar o enlace?
— Não. Lucy, o noivo e os três filhos dele ocuparam todo o altar. — Giovanna tentou rir.
— Não acredito! — Alexandre disparou irritado. — Depois de todos esses anos repetindo que não queria ter filhos, ela acabou se casando com um homem cheio deles!
— Tem razão. Três filhos! — Ela jogou o lenço arruinado numa lata de lixo próxima e examinou o interior do decote, possivelmente procurando outro.
Alexandre engoliu em seco. Nunca pensara em Giovanna Antonelli em termos românticos, mas, como toda a população masculina de Savannah, admirava seus dotes físicos. A visão de um sutiã preto e sem alças sob o vestido inocente foi suficiente para secar seu fraque de dentro para fora. Quando ela encontrou mais um delicado lenço rendado, ele deslizou o dedo pelo colarinho para afrouxá-lo.
— Estava pretendendo inundar a igreja com suas lágrimas, Giovanna? — perguntou.
— Oh, não! Eram para Lucy. A pobrezinha passou o dia inteiro chorando.
— Obrigado.
Giovanna encarou-o e sorriu com tristeza.
— Sinto muito, Alexandre. Não quis ferir seus sentimentos. Sei como a ama.
A raiva, a dor e o ressentimento ameaçaram dominá-lo, e por isso ele decidiu mudar de assunto.
— Por que me seguiu?
Ela jogou no lixo o último lenço ensopado e manchado.
— Pensei que pudesse precisar de um ombro amigo. Onde está seu padrinho?
— Deve ter ficado na igreja. Aposto que aceitou ser padrinho de Sterling. Bando de traidores!
— Aonde estava indo?
— Para o aeroporto.
Ela o encarou e riu.
— É uma caminhada e tanto!
— O vôo para Fort Myers só partirá dentro de quatro horas. Quis ter certeza de que poderíamos nos despedir dos convidados sem pressa.
— Ei, não pode estar fAlexandredo sério! Vai partir em lua-de-mel?
— Por que não? — Ele encolheu os ombros. — A viagem já foi paga. Vou afogar minhas mágoas em baldes de margaritas na praia. Chuparei tantos limões com toda aquela tequila que passarei o resto da vida com a boca enrugada.
Giovanna o encarou em silêncio, os olhos castanhos atentos a qualquer sinal de insanidade. Depois piscou e olhou para cima ao sentir o primeiro pingo de chuva no rosto. Em alguns segundos a água caía como uma cortina sobre os dois.
Alexandre não se incomodava com nada. Era pouco provável que o dia se tornasse ainda pior.
De repente um relâmpago cortou o céu e atingiu os galhos de uma árvore alguns metros à frente. Pensando bem, melhor não abusar da sorte.
Giovanna já o empurrava para o carro.
— Venha, vou levá-lo ao aeroporto. Onde está sua bagagem?
— No porta-malas da limusine, na igreja. Comprarei tudo que for necessário em Fort Myers. — Ele abriu a porta do passageiro. Estranhando o ângulo estranho que ela formava com a coluna do automóvel, e mergulhou no banco de pele de carneiro.
— Feche a porta! — Giovanna gritou enquanto ligava o motor. Com um solavanco horrível, desceram da calçada em marcha ré e, cantando pneus, Giovanna fez um retorno proibido no meio da rua. Enquanto seguiam na direção da auto-estrada, Alexandre encolhia-se a cada troca de marchas, odiando o ruído que ela fazia por não pisar até o fim na embreagem. Por medida de segurança, apoiou um braço sobre o painel de vinil. Um ombro deslocado era a menor lesão que podia esperar quando o resgate os tirasse ferragens retorcidas.
— Giovanna...
Ela se virou para fitá-lo e o volante acompanhou o movimento. Apavorado, Alexandre viu o carro sair para o acostamento e retornar à pista.
— O que é? — ela perguntou, sem perceber o pavor nos olhos do passageiro.
— Esqueça. Conversaremos no aeroporto. Sabe o que está fazendo?
Ela riu e ultrapassou um automóvel que procurava manter-se dentro dos limites de velocidade permitidos para aquela região Depois puxou o vestido até os joelhos. Estava descalça.
— Alexandre, você sabe que eu praticamente moro no meu carro. Saber o que estou fazendo é parte do meu trabalho.
De repente Alexandre compreendia por que Giovanna era a corretora imobiliária de maior sucesso em Savannah. Depois de dez minutos no carro dela, os clientes ficavam tão aliviados por ainda estarem vivos que compravam qualquer coisa.
Horrorizado, viu que ela ligava o rádio e tentava sintonizá-lo, os olhos fixos no aparelho como se a estrada não tivesse a menor importância. Alexandre jogou o corpo para frente e tentou encontrar uma estação. Sintonizou num rock suave e reclinou-se no banco, tentando relaxar.
Giovanna reclamou.
— Isso é tudo que pode encontrar? Ouço esse tipo de música no consultório do dentista!
Alexandre suspirou e procurou uma estação mais barulhenta. Percebeu que ela estava satisfeita quando a ouviu cantarolar com a melodia. De repente notou algo estranho no pára-brisa e franziu a testa.
— Aquilo é uma meia masculina? — perguntou espantado.
— Sim, o limpador quebrou, e o som do metal arranhando o vidro me deixava nervosa.
Alexandre estremeceu. Ela sorriu e fitou-o.
— A meia preta quase não aparece e é eficiente.
Gostaria de dizer que ela era a maior maluca que já conhecera, mas não se atrevia a contrariá-la. Tentando não pensar em qual dos admiradores de Giovanna deixara a útil recordação, fechou os olhos e pensou em praias de areia branca e quantidades ilimitadas de álcool. Compraria e leria toda a coleção de ficção científica lançada recentemente, e esqueceria de uma vez por todas a Sra. Lucy Montgomery Sterling, mãe de três crianças mal-educadas e choronas.
Autor(a): GN
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Giovanna respeitou o silêncio do amigo. Cantarolando com o rádio, não tentou conversar. Depois de alguns minutos ele abriu os olhos e fitou-a. Seu perfil era quase perfeito. A inclinação do nariz, a proporção das faces, o formato do queixo... a única exceção era a boca, cujo lábio superior impunha-se ...
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