Fanfic: Um amor desastrado - GN | Tema: GN
Depois de passar a manhã debruçada sobre o vaso sanitário e a tarde na cama, dormindo, Giovanna tomou um banho demorado. A ducha era o lugar ideal para mulheres grávidas. Lá, podiam chorar a vontade sem despertar olhares piedosos ou preocupados.
Quando a noite começou a cair, Manny convidou-a a sentar-se na pequena varanda do apartamento e escovou seus cabelos. A brisa morna de primavera enchia seus pulmões, provocando uma onda e nostalgia e despertando lembranças da noite que passara com Alexandre numa praia deserta, um tempo em que a paixão os carregara...
Bem, Alexandre havia sido carregado para a delegacia, mas a noite não perdera sua importância. Jamais a esquecera. Brincou com o castelo de ouro pendurado em seu pescoço, onde a jóia estivera desde a noite em que retornaram a Savannah.
— Talvez precise de uma mudança de cenário — comentou.
— Você é bem-vinda neste apartamento, mas em breve terá de procurar outra pessoa com quem possa dividir o aluguel.
— Vai se mudar? — ela estranhou.
— Sim, para San Francisco. Em junho.
— Por que não disse antes?
— Você já tem problemas demais no momento.
— O que há de tão interessante em San Francisco?
— Uma carreira. Não há nada de promissor na vida de uma drag—queen quarentona.
Giovanna riu. Manny ainda não havia completado quatro décadas de vida, e exibia uma forma física invejável.
— O que vai fazer?
— Serei conselheiro da Casa Chandelier.
— Manny, isso é maravilhoso! Você vai ser um sucesso! Por outro lado... vou sentir saudade.
— Você e o bebê poderão ir me visitar sempre que quiserem.
— E iremos.
Manny inclinou a cabeça para o interior do apartamento.
— Acho que ouvi alguém batendo na porta — disse. — Espere um minuto.
Giovanna acomodou-se melhor na cadeira e cruzou as mãos sobre o estômago.
— Giovanna — o dono da casa chamou —, você tem visita.
Ela virou a cabeça e, surpresa, viu Alexandre parado no meio da sala, o paletó jogado sobre os ombros e o rosto sério e abatido.
Tremendo, levantou-se para ir recebê-lo e experimentou uma onda de alívio ao sentir o braço de Manny em torno de sua cintura, amparando-a.
Alexandre ergueu o corpo ao vê-la. O coração disparou e o ciúme o inundou como uma onda venenosa quando notou os travesseiros jogados sobre o sofá. Ver o ninho de amor só fortalecia a resolução de não dividi-la com outro homem.
— Alexandre, este é meu amigo Manny...
— Já nos apresentamos, querida — ele cortou, os olhos fixos em Alexandre.
— O que está fazendo aqui?
— Vim procurá-la.
— Isso é óbvio, mas... por quê?
— Será que seu amigo... Manny pode nos dar licença?
— É claro — ele respondeu. — Se precisar de mim, querida, estarei no quarto. — Saiu da sala em silêncio.
Alexandre esperou que ele desaparecesse atrás da porta para voltar a falar.
— Fiquei esperando por você naquela noite.
— Houve um... contratempo.
— Fiquei preocupado.
— Não era necessário. Como soube que eu estava aqui?
— Lucy me deu o endereço. Escute, Giovanna, não quis embaraçá-la diante do seu namorado, mas...
— Ele não é meu namorado. Manny é homossexual.
— É mesmo? — perguntou aliviado. — Sempre digo que um homem deve fazer aquilo que considera correto e...
— Alexandre, o que veio fazer aqui?
— Não quis embaraçá-la diante do...
— Você já disse isso.
— Eu amo você, droga!
Giovanna ficou paralisada pelo choque. Segundos se passaram.
— Diga alguma coisa!
— Estou grávida.
Foi a vez de Alexandre perder a fala. A sala girou em torno dele e tudo ficou escuro.
— Acho que vou desma...
Apesar de o chão aproximar-se lentamente, a intensidade do impacto contra sua cabeça o fez perder os sentidos. Ouviu Giovanna chamar por Manny, que a instruiu para ir buscar uma jarra de água gelada no refrigerador.
Manny deu vários tapas em seu rosto e uma enxurrada gelada o atingiu, roubando-lhe o fôlego. A testa doeu.
Alexandre abriu os olhos e, através das lentes molhadas dos óculos novos, viu Giovanna debruçada sobre ele segurando a jarra vazia.
— Giovanna — Manny comentou —, devia ter tirado os cubos de gelo. Veja o tamanho do ferimento que provocou na testa do coitado!
— Eu... estou bem — gaguejou. — Ajude-me a levantar. Manny o levou até o sofá e foi buscar uma toalha para estancar o sangramento.
— Vai ter um galo do tamanho de um ovo de galinha, amigo.
— Faz parte do jogo.
— Espero que seu convênio médico esteja em dia.
— Pelo que acabei de saber, vou precisar de um plano familiar — ele respondeu, olhando para Giovanna com expressão ansiosa.
— Oh, Alexandre...
— Por que não me contou sobre o bebê? Senti tanta falta de você nas últimas semanas, que tive medo de enlouquecer. Por que não foi me encontrar no restaurante do hotel, como combinamos?
Quando telefonou, eu ainda estava tentando decidir como contar sobre a gravidez. Então disse que queria conversar sobre o que sentia por Lucy...
— Foi só uma desculpa.
— Uma desculpa estúpida.
— Eu estava desesperado!
— Contou alguma coisa a ela?
— Tudo.
— Oh, não...
— E ela disse que estava feliz por nós. Na verdade, encorajou-me a vir procurá-la. Giovanna Antonelli... quer se casar comigo?
— Casar?
— Sim, sabe como funciona... Eu seria o marido, você, a esposa.
— Esposa? Nunca pensei em ser esposa de ninguém. Por outro lado... nunca pensei em ser mãe, também.
— Ultimamente, a vida tem se mostrado cheia de surpresas.
— Alexandre, sei que não gosta de crianças.
— A menos que sejam minhas.
— Mas elas são barulhentas...
— Você também é.
— E vivem fazendo confusão.
— Você também.
— E as fraldas...
— Agora você me pegou.
— Não vai ser fácil.
Alexandre cruzou os dedos em torno do pescoço de Giovanna e puxou-a para mais perto.
— Isso quer dizer sim?
— Sim — ela murmurou com um sorriso. — Agora o P significa papai.
A igreja não estava tão cheia quanto da última vez, Alexandre notou do altar. Melhor assim. Reunira apenas as pessoas realmente importantes.
Os pais estavam sentados no primeiro, emocionados e felizes. Giovanna os conquistara completamente. A mãe dela estava do outro lado do corredor, e também derramava algumas lágrimas de alegria. Os irmãos de Giovanna estavam ao lado dele no altar, desconfortáveis nos colarinhos justos.
Giovanna já devia ter entrado. Roy, o irmão mais velho, apontou para o curativo na mão do futuro cunhado e perguntou:
— O que foi isso?
— Um pequeno acidente quando experimentados as alianças.
— A vida com Giovanna pode ser perigosa — riu. — A propósito, onde ela se meteu?
Alexandre tentou não demonstrar a apreensão que contraía seu estômago.
— Deve estar aqui, ou o organista não estaria tocando a marcha nupcial.
— Já tocaram a mesma música tantas vezes, que me surpreendo por alguns convidados não estarem dançando.
— Talvez ela tenha se atrasado por causa do enjôo matinal.
— São duas horas da tarde!
— Bem, o corpo das mulheres pode ser imprevisível.
Cinco minutos mais tarde, nervoso e apreensivo, Alexandre decidiu ir procurar Giovanna no salão no fundo da igreja, onde ela devia estar se arrumando para a cerimônia. Não havia ninguém lá, nem no banheiro contíguo. Temendo estar prestes a viver a mesma experiência pela segunda vez, dirigiu-se à porta ignorando os comentários preocupados de alguns convidados.
Estava saindo quando ouviu uma buzina conhecida e viu o Volvo branco de Giovanna se aproximando. Ela estacionou com duas rodas sobre a calçada e desceu apressada, a cauda do vestido de noiva enganchada no braço para facilitar os movimentos. Descalça, ela correu até a porta da catedral levando os sapatos nas mãos.
— Estou indo! — gritou. — Vá para o seu lugar!
— Onde esteve? — Alexandre perguntou aliviado.
— A Sra. Wingate me chamou através do bip. A vidente que ela contratou garantiu que o negócio com a casa dos Sheridan seria bem-sucedido, desde que a compra fosse efetuada num determinado horário. Vinte minutos antes do nosso casamento. Como já estava pronta, decidi ir levar os papéis para ela assinar antes de vir para cá. Alguém sentiu minha falta?
Alexandre sorriu.
— Você quase me matou de susto. Pensei que houvesse mudado de idéia.
— Nunca! Vai ter de passar o resto da vida a meu lado, Alexandre P. Nero.
— A propósito, tenho uma confissão a fazer. Disse ao tatuador que o P era de... para sempre.
EPÍLOGO
Alexandre levantou as mãos.
— Giovanna — disse com voz calma. — Abaixe a prancheta da enfermeira.
— Você! — ela gritou da cama do hospital. — A culpa é sua!
— Querida, não acha que foi um esforço combinado?
Ele se abaixou ao ver o vaso de flores voando em sua direção. O míssil se espatifou contra a parede.
— Tem razão! — afirmou apressado, erguendo os braços num gesto de rendição. — A culpa é toda minha.
Uma nova onda de dor contorceu o rosto de Giovanna e ele sentiu o coração apertado. Sua esposa estava enfrentando um momento difícil, doloroso, e não podia nem chegar perto da cama para confortá-la.
A porta se abriu e a Dra. Campbell entrou sorridente.
— Como vamos indo? Alexandre suspirou aliviado.
— Bem — disse, antes de ver a expressão assassina de Giovanna. — Quero dizer, nada bem.
— Vamos ver como você está — a médica anunciou. — Oh, aí vem outra contração. Relaxe, sim? Se as dores forem insuportáveis, podemos providenciar uma anestesia e...
— Obrigado, doutora, mas optamos pelo parto natural — Alexandre explicou.
— Cale a boca! — Giovanna gritou em agonia. — Dê-me a agulha, doutora, e eu mesma aplicarei a injeção.
— Oh, meu Deus — a médica comentou depois de um exame rápido. — Esqueça a anestesia. — Chamou a enfermeira pela campainha. — Você está pronta para dar à luz.
— Já? — Alexandre surpreendeu-se.
— O que quer dizer com já? — Giovanna gritou desesperada. — Estou sofrendo há nove horas!
As enfermeiras entraram e o vestiram com as roupas do centro cirúrgico. Giovanna foi preparada para o momento culminante do espetáculo da vida e ele ficou esquecido num canto, sentindo-se impotente e culpado. Enquanto ela sofria as dores do parto, a médica avisou:
— Papai, pode participar do processo, se quiser.
— Quer que eu participe, Giovanna?
— Por favor — ela pediu assustada, estendendo a mão em sua direção. — Alexandre...
— O que é, amor?
— O P... o que significa?
— Querida, não acho que este seja o momento...
— Quero saber! — ela gritou, agarrando-o pela camisa.
— Giovanna, comece a fazer força — a médica instruiu. — Vou contar até três.
— Alexandre...
— Um...
— O que significa...
— Dois...
— O P?
— Três. Força!
Gritando de dor, ela contraiu todos os músculos do corpo e empurrou.
Apavorado, Alexandre revelou.
— Presley! O P é de Presley!
Ela relaxou, respirou fundo por alguns instantes e ofegante, repetiu:
— Presley?
— Minha mãe era fã dele.
Giovanna ainda estava rindo quando a contração recomeçou, obrigando-a a fazer força.
— Já posso ver a cabeça! — a médica exclamou entusiasmada. — Só mais um pouco, Giovanna. Força!
Ela respirou fundo, reuniu forças e empurrou, gritando tão alto que Alexandre teve a impressão de ouvir as janelas tremerem. Duvidava que um dia recuperasse a audição.
— Aqui está — a doutora Campbell sorriu triunfante. — Um menino saudável e forte.
— Um menino! — Alexandre gritou eufórico, beijando o rosto da esposa. — É um menino!
Exausta, porém feliz, Giovanna estendeu os braços para o recém-nascido. Alexandre teve a impressão de que morreria de alegria ao ouvir o choro estridente do filho.
— Já escolheram um nome? — a médica quis saber.
— Ainda não...
— Acabamos de escolher — Giovanna o interrompeu. — O nome dele será Presley.
FIM
Autor(a): GN
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