Fanfic: Um amor desastrado - GN | Tema: GN
Giovanna respeitou o silêncio do amigo. Cantarolando com o rádio, não tentou conversar. Depois de alguns minutos ele abriu os olhos e fitou-a. Seu perfil era quase perfeito. A inclinação do nariz, a proporção das faces, o formato do queixo... a única exceção era a boca, cujo lábio superior impunha-se ao inferior criando a impressão de que alguém montara o conjunto de cabeça para baixo. Os cabelos castanhos e abundantes e os olhos castanhos completavam o quadro de beleza quase intimidante. Giovanna tinha metade dos homens solteiros de Savannah correndo para sua cama, e a outra metade, a mais esperta, correndo para longe dela.
Ouvira histórias sobre a srta. Antonelli no vestiário do clube. As incursões sexuais de Giovanna eram lendárias. Mas sempre imaginara que porção dos rumores era baseada em fatos reais, e quantos haviam sido imaginados tomando por base o passado da jovem exuberante. Ela crescera em Grasswood, a mancha negra no elegante centro de Savannah. Grasswood era um projeto social conhecido por sua população eclética. Várias gerações de drogados, prostitutas e ladrões baratos haviam saído de lá.
Na primeira vez em que vira Giovanna, tivera de arrancá-la das costas de outra garota no meio do saguão de sua escola particular, e ela o recompensara com um doloroso chute na canela. Em resposta à pressão da opinião pública, o Colégio Saint London oferecera bolsas de estudos para uma dúzia de famílias do projeto, e Giovanna havia sido uma das sorteadas. Lembrava-se dos irmãos dela, dois grandalhões arruaceiros, e de como ela sempre fora rebelde e indisciplinada, irreverente e desbocada, sempre provocando brigas horríveis com os colegas e os professores. Um a um, todos os Antonelli acabaram expulsos da escola.
Quando começara o relacionamento com Lucy, muitos anos atrás, surpreendera-se ao descobrir que a namorada e a antiga colega de escola eram grandes amigas, e ficara ainda mais surpreso ao saber que a temida Giovanna transformara-se numa das mais eficientes corretoras da maior imobiliária da cidade. Lucy não se importava com a exuberância e a reputação da amiga, e logo Alexandre relaxara e aprendera a desfrutar da alegre companhia de Giovanna, apesar de seu comportamento imprevisível e escandaloso.
A primeira vez que Lucy pedira a ele para acompanhar Giovanna numa de suas inúmeras funções de caridade, sentira-se incomodado e apreensivo, e rezara para que a mãe, uma mulher conservadora e rígida, jamais soubesse disso, ou passaria meses ouvindo seus sermões. Mas assistira fascinado à transformação da sereia sexy em profissional competente. Desembaraçada, Giovanna cativara a atenção de uma sala repleta de eventuais clientes e, para retribuir o favor, ela o apresentara a algumas pessoas que foram muito úteis nos primeiros meses de sua empresa de consultoria em informática.
Era tão diferente de sua ex-noiva como a noite do dia. Lucy era um confortável banco de leitura, Giovanna era a cama desfeita. Lucy era um pacato gato doméstico, Giovanna, uma tigresa faminta.
Alexandre franziu a testa. A mulher era assustadora.
— Vou ficar e esperar com você — ela anunciou ao entrar no estacionamento do aeroporto.
— Não é necessário.
— Faço questão de pagar um drinque — ela insistiu, desligando o motor e saindo do carro. — Só preciso calçar sapatos decentes.
Erguendo a saia acima dos joelhos, ela se dirigiu ao porta-malas usando apenas as meias. Alexandre a seguiu e, intrigado, viu a espantosa coleção de sapatos que ocupava o bagageiro do automóvel. Havia um pouco de tudo. Mocassins, sandálias, tênis, sapatos de saltos altos, botas... Devia haver cerca de cinqüenta pares.
— Está tentando ganhar dinheiro como vendedora ambulante?
Ela riu:
— Nunca sei que tipo de terreno encontrarei ao levar um cliente para visitar um imóvel, e por isso tento estar preparada.
Alexandre estendeu a mão e apanhou uma bota vermelha cujo cano ia até o meio da coxa.
— Não esqueceu o chicote? — perguntou.
Ela riu e arrancou o calçado da mão dele. Depois de vasculhar a pilha desorganizada, Giovanna encontrou um mocassim de saltos médios e calçou-o, jogando o sapato com o salto quebrado no meio dos outros. Foi preciso bater a porta três vezes antes que ela conseguisse fechar o compartimento.
— A fechadura está enferrujada! — ela comentou jogando a bolsa sobre o ombro. — Vamos.
Não houve uma única pessoa que não se virasse para olhar o estranho casal que atravessava o saguão em direção ao bar. Para criar um clima propício à viagem, Giovanna pediu uma jarra de margaritas com gelo e serviu a bebida nas taças de cristal fino. Depois de lamber a mão, cobriu a área com sal e esperou que Alexandre fizesse o mesmo.
— Muito bem, você faz o brinde — disse.
A beleza da loura o pegou de surpresa mais uma vez e, confuso, ele disse qualquer coisa.
— À vida de solteiro.
— Ótimo brinde. Bebamos a ela! — Giovanna esvaziou metade do copo de um gole, lambeu o sal da mão e chupou uma fatia do limão cortado que o garçom deixara ao lado da jarra.
Alexandre a imitou, mas não conseguiu impedir uma careta ao sentir o sabor azedo do sumo.
— Não queria mesmo me casar — disse.
— Então, por que a pediu em casamento?
— Sei que vai soar tolo, mas na época me pareceu a atitude mais correta.
Ele parecia confuso, e por isso Giovanna decidiu não questioná-lo. Em vez disso, riu e bAlexandreçou a cabeça.
— Você está horrível.
Alexandre examinou o fraque molhado e sujo e sorriu.
— Você não está muito melhor.
Os dois gargalharam e ele afrouxou a gravata borboleta, deixando as pontas caírem soltas sobre a camisa respingada de barro.
— Que dia! — exclamou, bAlexandreçando a cabeça e pegando o copo que deixara sobre o balcão.
— Tem razão — ela concordou, esvaziando a taça e repetindo o ritual com o sal e o limão. — Sabia que ela estava interessada em John Sterling?
— Sabia que ele estava interessado nela, mas nunca imaginei que Lucy pudesse olhar para um homem com tantos filhos — e esvaziou o copo, realizando mais uma vez a operação de lamber o sal e chupar o limão. — E você? Sabia de alguma coisa?
Giovanna negou com a cabeça e encheu o copo.
— Sabia que algo a estava aborrecendo, mas deduzi que fosse apenas tensão pré-nupcial — e bebeu uma boa dose de margarita.
— Sinto-me um idiota — ele anunciou, imitando o procedimento completo. — Todos estão rindo de mim.
— Bobagem — ela argumentou, tentando ajeitar as mechas que escapavam do penteado rebuscado. Os cabelos estavam duros em função do excesso de laquê. — Devem estar sentindo pena de você.
— Muito obrigado. Agora me sinto muito melhor.
— Alexandre, quando você voltar de viagem, todos terão esquecido o episódio — e encheu os dois copos pela terceira vez.
O álcool começava a fazer efeito no estômago vazio de Alexandre. A língua e as pontas dos dedos estavam entorpecidos, e a visão começava a ficar turva.
— Espero que sim, mas não tenho tanta certeza. Talvez mude de cidade.
— Isso é ridículo. Você mora em Savannah desde que nasceu. Seus pais ficariam magoados, seus negócios seriam prejudicados... Não pode partir sem conquistar a conta do velho Gordon! Tive muito trabalho para apresentá-lo a ele naquele jantar de caridade — e bebeu com voracidade.
— Eu sei — Alexandre choramingou, esvaziando o copo e esperando que ela o servisse mais uma vez. — É claro que tem razão! Mas meu ego está ferido, e preciso viver essa tristeza intensamente, ou jamais conseguirei superá-la.
— Você vai superar — Giovanna afirmou confiante. — Haverá uma fila de debutantes na porta de sua casa quando voltar de viagem.
As palavras soavam confusas e a voz pastosa. Ou seria ele que já não conseguia ouvir direito?
— Não. — Alexandre bAlexandreçou a cabeça, levando o polegar ao peito num gesto desajeitado. — Nunca mais pensarei em me casar. De hoje em diante, esposa será uma palavra de seis letras.
— Alexandre — Giovanna inclinou-se para frente —, esposa sempre foi uma palavra de seis letras.
— Você sabe o que quero dizer.
Tonta, ela olhou para o amigo e sentiu-se invadida por uma inveja súbita. Gostaria de saber como era ter um homem tão apaixonado a ponto de jurar nunca mais se casar, depois de saber que não poderia ter a mulher amada. Conhecia Lucy Montgomery há anos, e a amiga sempre demonstrara muito bom senso. Até hoje.
O que podia tê-la possuído para abandonar o namorado de três anos e subir ao altar com um viúvo pai de três filhos? Sim. Lucy confidenciara que o relacionamento sexual com Alexandre deixava a desejar, e pessoalmente o considerava infantil e aborrecido, mas nem mesmo um homem aborrecido merecia ser abandonado no altar. Mas sabia que Lucy estava preocupada, temendo que ele cometesse alguma loucura, ou não teria pedido para segui-lo.
Viu Alexandre inclinar a cabeça e esvaziar o copo de um gole. Na escola, apelidara-o de "boneco Ken", um apelido que ainda usava nas conversas com Lucy, para desespero da amiga. Os cabelos claros eram mantidos sempre bem cortados, e os óculos de aros de metal eram como todo o resto de seu guarda-roupa: caros e elegantes.
O homem vivia bem barbeado, e usava roupas tão engomadas que tinha a impressão de que, quando as despia, podia deixá-las em pé num canto do quarto. Era bonito, mas absolutamente previsível.
Alexandre Nero tinha dinheiro, nome e uma família aristocrata. Não devia nem imaginar o que era sentir fome, faltar à escola por não ter sapatos ou juntar moedas para pagar o ônibus. Os mundos a que pertenciam eram tão distantes, que faziam parte de dimensões diferentes.
Giovanna conteve um sorriso. Nesse momento, com os cabelos desalinhados, os óculos sujos e uma mancha de barro no queixo, Alexandre parecia um de seus antigos amantes, desordeiro e indisciplinado. Mas sabia que era só uma impressão. Alexandre era um gênio da informática, um homem contido e de vida regrada cujo livro de cabeceira devia ser a própria agenda.
— Qual é a graça? — ele perguntou com ar ofendido.
— Oh, não é nada — ela respondeu com dificuldade, chamando o garçom e pedindo mais uma jarra de margarita. Depois passaram meia hora relacionando as virtudes de serem solteiros e livres enquanto esvaziavam a jarra.
Alexandre jogou uma fatia de limão sobre a pilha de bagaços e consultou o relógio, movendo-o para frente e para trás como se tentasse focalizar melhor os números.
— É hora de ir — anunciou com voz pastosa. Giovanna estendeu a mão.
— Acho que vou ficar por aqui e recuperar a sobriedade antes de voltar para casa.
— Tem certeza? Talvez dirija melhor embriagada. Ela riu.
— Bem, divirta-se, Alexandre.
— Divertir-me? Estou partindo em lua-de-mel... sozinho!
— Talvez conheça alguém.
Alexandre ergueu o corpo, franziu a testa e apertou os lábios.
— O que é? — ela perguntou, intrigada com a expressão pensativa.
— Por que não vem comigo?
— Você está bêbado!
— E daí?
— Alexandre, não vou acompanhá-lo em sua lua-de-mel.
— Por que não? Minha secretária reservou a suíte de um hotel de primeira classe, e já paguei todas as despesas. Alimentação, passagens, hospedagem. Tudo. Que tal? Preciso mesmo de companhia, e você está precisando de férias.
Autor(a): GN
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Uma semana longe de Savannah era uma proposta tentadora.O sorriso de Alexandre era convincente.— Dias inteiros na praia, bebendo margaritas e comendo camarões, noites ao luar saboreando lagostas e outros pratos exóticos... homens seminus...Finalmente conseguira conquistar a atenção dela.— Disse alguma coisa sobre homens? — Giovan ...
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