Fanfic: A aposta (Continuação) | Tema: Fátima Bernardes William Bonner

O amasso foi interrompido de forma natural, delicada e sutil. William desceu as mãos, contornando até a barriga de Fátima e tirou-as de dentro do moletom dela. A boca permaneceu avermelhada e molhada depois que ele abriu os olhos e olhou para ela. Tentou transparecer uma calma que naquele momento ele não tinha. Seu coração batia desesperado dentro do peito. Esperou pela reação dela, ansioso.

                Fátima respirou fundo.Estava exausta de empurrá-lo, de berrar com ele e de desferir palavrões mal criados a ele para justificar uma culpa que era dela. Não era um beijo, não era um momento, não era um único fato isolado. Era um conjunto de coisas que canalizavam apenas em uma única verdade: ela estava apaixonada. E não havia gritos e discussões que conseguissem minimizar o grau de importância que aquilo representava para ela. Ela estava apaixonada pelo seu adversário profissional, seu futuro chefe ou subordinado. E não existia nesse mundo alguém capaz que provar para ela que aquilo não era tão grave quanto ela tentava tornar, a não ser ela mesma. Ela deslizou as mãos pelos cabelos e olhou para ele.

                - William... isso está errado. Isso não poderia estar acontecendo. – ela sacudia a cabeça, negativamente.

Ele nem se tocou de que estava encostado nela. Apenas concordou com a cabeça.

                - Eu sei, eu sei. Só não consigo provar isso para essa vontade louca que eu tenho de você. – ele deu dois passos para trás, deixando-a livre. Mas ela permaneceu na mesma posição.

                - Isso é desleal. É desleal com nós dois e com todas as pessoas que confiaram em nós e nos mandaram pra cá a trabalho, sem saber que as coisas tomariam esse rumo.

                - Nós também não sabíamos. Não agimos de caso pensado, não fomos desonestos. Não somos culpados.

                - Não sabíamos, mas agora sabemos. E o que vamos fazer a respeito?

William andava de um lado para o outro, com as mãos na cabeça.

                - Eu não sei... eu não consegui pensar nisso, não tive espaço pra isso. Honestamente, Fátima, eu não tive nem vontade. A única coisa que habitou meus pensamentos desde ontem de madrugada está aqui bem na minha frente, falando comigo.

Ela amoleceu por dentro, mas manteve-se firme para ele. Não era hora para se deixar sensibilizar. Precisava ter pulso. Era sua conduta profissional que estava em jogo.

                - William, nós trabalhamos juntos. Estamos aqui como dois concorrentes, correndo contra o tempo para alcançarmos algo que nós dois queremos mais do que tudo. A conquista de um será o fracasso do outro. Em breve, saberemos qual de nós dois será chefe e o outro subordinado. Acha que vai ser possível separarmos isso? Nunca nos entendemos, um relacionamento afetivo só piora tudo, só dificulta ainda mais. Como acha que a Lúcia vai reagir quando souber que fizemos disso aqui uma oportunidade para nos envolvermos? Que quebramos a confiança que ela nos depositou? Acha que isso será bom pra nós?  Para nossa reputação na empresa? Eu não posso admitir que nada da minha vida pessoal se choque com meu trabalho. Meu trabalho é tudo na minha vida.

                - Sim, na minha também. Mas existe algo que, assim como o cargo, eu também desejo mais que tudo, Fátima. – ele a fitou, com um olhar que dizia tudo, dispensando totalmente as palavras. Desconcertada, ela desviou o olhar. Queria manter seu foco.

                - Não importa. Precisa escolher entre um e outro.

A objetividade de Fátima estraçalhava o coração de William. Não é possível que para ela não era também uma decisão quase torturante de se fazer. Principalmente assim, naquelas circunstâncias.

                - Não posso escolher sozinho. Não é algo que caiba apenas à mim.

                - Não, não é mesmo. Eu já tomei a minha decisão. – ele abaixou a cabeça e fechou os olhos. Ficou calado esperando que ela falasse. – Eu vou embora, William.

William teve um sobressalto.

                - O quê? – olhou para ela enquanto a via caminhar até a porta de saída da cozinha. Um desespero o invadiu por completo. – Fátima! Não faz isso!

Ela girou o corpo e olhou para ele. Os olhos dela pulavam. As lágrimas brotavam, mas não caíam.

                - É o melhor a se fazer, William.

Ele deu um passo em direção a ela.

                - Não, não é. Não é justo você ir e eu ficar. Se você decidir ir, eu também vou. E nós dois nos comprometemos a sair daqui com os nossos artigos prontos. Voltarmos sem cumprir o nosso trato será muito pior.

Fátima refletiu. Detestava dar o braço a torcer, mas ele tinha razão. O fiasco seria maior e o risco de que os dois perdessem o cargo por falta de comprometimento era eminente.

                - É, você tem razão, irmos os dois será pior. Mas eu não vejo outra opção, então você fica e eu vou sozinha e explico para a Lúcia que a culpa foi minha, que eu errei e não suportei a pressão. Eu a conheço faz anos, sempre trabalhei com ela e me considero uma funcionária competente. Ela vai entender os meus motivos.

                - Fátima, você não vai assumir a responsabilidade sozinha. Isso não é correto, isso sim é desleal.

                - William, eu não estou te entendendo! Você nunca pensou em ninguém, a não ser em você mesmo. Essa é uma oportunidade e tanto para você se promover, já que é algo que você sempre gostou de fazer, às custas de qualquer pessoa. O que importa isso para você? 

                - Você me importa. – ele pausou. - Eu não quero que você vá.

                - Você não está em posição de escolher nada. EU decido o que EU farei. Eu não vou te prejudicar, fique tranquilo. Isso não é algo que eu faria.

                - Não é isso. Eu quero que você fique. Mesmo que fique longe de mim.

Fátima franziu a testa.

                - O  que você está dizendo?

                - Fique, por favor. Eu tenho uma solução. E será a coisa mais difícil que eu vou fazer em toda a minha vida.  – ele fechou os olhos, respirou fundo e prosseguiu. - Nós não nos veremos mais. Alteraremos horários para que a gente não se encontre, nos trancafiaremos dentro de nossos quartos e trabalharemos incansavelmente. Não precisaremos nos comunicar, fingiremos que estamos sozinhos nessa casa. Cumpriremos com o acordo que fizemos com a Lúcia e agora, cumpriremos também com esse nosso acordo. Assim, teremos tempo para pensar na nossa vida.  Esqueça que eu estou no quarto ao lado, esqueça que eu existo, finja que nunca me conheceu. Concentre-se em seu trabalho, foque totalmente nele. Será assim até concluirmos, os dois, aquilo que viemos fazer aqui.

Fátima olhou para ele, confusa. Não sabia se toparia. Seria difícil demais. Seria o maior de seus desafios. Lutar contra outras pessoas em busca de seus objetivos era algo que ela fazia diariamente em sua vida. Mas lutar contra ela mesma e os próprios sentimentos seria a mais árdua de suas missões.

                - Eu não sei... não sei se quero me submeter a isso.

                - A nossa história é nossa. Não podemos dividi-la com ninguém. Não enquanto não tivermos certeza do que queremos. Precisamos administrá-la sozinhos. Esse tempo vai ser bom para colocarmos nossas cabeças no lugar. Se for fogo de palha, logo passa. Mas o que for pra ser, vigora.

Em silêncio, Fátima abaixou a cabeça. Mil coisas se passavam por sua mente, deixando-a completamente atarantada. William segurou no queixo dela e levantou o rosto dela, fazendo com que ela olhasse para ele.

                - Será o melhor para nós, acredite. – ele engoliu seco e olhou no fundo dos olhos dela.

Colou nela, inclusive o rosto. Encostou a ponta do nariz na bochecha dela. Fechou os olhos e  ficou por alguns segundos ali, em silêncio. Fátima ficou imóvel e não disse nada. Não emitiu som algum. Ela sentiu uma lágrima escorrer em seu próprio rosto e junto com ela todo seu orgulho se esvaiu.

- Boa sorte. – ele disse, desencostando-se dela.

William se afastou, desviou dela, atravessou a porta da cozinha e subiu as escadas sem olhar para trás. Fátima ouviu a porta do quarto dele batendo. Enxugou a lágrima, respirou fundo e subiu para o seu quarto. Passou a chave na porta e se deitou de bruços na cama. Chorou, abafando o soluço com o travesseiro. Chorava inconformada com as peças que a vida lhe pregava. Porque tudo precisava ser sempre tão difícil, tão penoso e tão cheio de renúncias em sua vida? Porque seu coração tinha que bater mais forte justo por ele e logo agora? Porque não por uma outra pessoa, que trouxesse tranquilidade e paz para sua vida? Porque as coisas não podiam fluir naturalmente, sem que ela tivesse necessariamente que escolher entre um ou outro. Talvez fosse ela mesma que se impunha tanta irreversidade. Ou talvez fosse essa sua necessidade descabida de sempre ter controle de todas as situações que a fazia entrar em desespero quando se via diante de uma situação que ela não programou. O que ela não sabia era que o melhor da vida despenteia, desorganiza e desestrutura. As grandes descobertas sempre vêm acompanhadas de surpresas, novidades e intensidade. Com William ela pôde experimentar a inédita sensação de se jogar de cabeça, de saltar sem rede, de confiar no desconhecido. A cada toque, a cada aproximação, a cada beijo dele ela percebia o quanto seu coração e seu corpo se desconectavam um do outro, provando fortemente a ela que não adiantaria fugir dos inesperados caminhos que o destino traçava, havia um íma que sempre a puxaria até cada um deles, fazendo com que ela trilhasse todos, a seu modo. E chorava por uma total desesperança de que conseguisse reescrever o ciclo das linhas dela e William, que se não fossem tão tortas, jamais teriam se encontrado.