Fanfics Brasil - 1.MILAGRES Diário de Uma Paixão (Justney)

Fanfic: Diário de Uma Paixão (Justney)


Capítulo: 1.MILAGRES

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Quem sou eu? E como acabará esta história?


O Sol já se levantou e sento-me junto a uma janela que se embaciou com o bafo de uma vida passada. Estou uma figura digna de ser vista, esta manhã: duas camisas, calças grossas, um cachecol enrolado com duas voltas em torno do pescoço e enfiado dentro de uma camisola grossa tricotada pela minha filha há uns trinta aniversários. O termóstato no meu quarto está no mais alto que pode aguentar, e um outro aquecedor mais pequeno senta-se directamente atrás de mim. Estala e geme e vomita ar quente como um dragão de conto de fadas, mas o corpo continua a tremer-me com um frio que nunca partirá, um frio que se foi fabricando durante oitenta anos. Oitenta anos, penso às vezes, e apesar da minha própria aceitação desta minha idade, ainda me surpreende que não tenha conseguido sentir-me quente desde que George Bush foi presidente. E pergunto-me se será assim com toda a gente da minha idade.


A minha vida? Não é fácil de explicar. Não tem sido o percurso naturalmente esplêndido que eu imaginava que pudesse ser, mas também não andei a lurar com os fura-vidas. Calculo que tenha acabado por se parecer mais com um título do tesouro: honestamente estável, mais altas que baixas, e gradualmente tendendo a subir com o tempo. Uma boa compra, uma aquisição sortuda, e aprendi que nem toda a gente pode dizer o mesmo da sua vida. Mas não se iludam. Não sou nada de especial e disto estou certo. Sou um homem vulgar, com pensamentos vulgares, e vivi uma vida vulgar. Não há monumentos dedicados a mim e o meu nome em breve será esquecido, mas amei outra pessoa com toda a minha alma e coração e, para mim, bastou-me sempre.


Os românticos chamar-lhe-iam uma história de amor, os cínicos antes uma tragédia. Para mim tem um bocadinho de ambas, e qualquer que seja o modo como se escolha olhá-la aqui do fim, não se altera o fato de que se trata de uma grande quantidade da minha vida e do caminho que escolhi percorrer. Não tenho queixas a fazer quanto ao meu percurso, nem quanto aos lugares aonde me levou. Talvez que sobre outras coisas pudesse arranjar lamentações suficientes para encher uma tenda de circo, mas o caminho que escolhi tem sido sempre o correto, e não quereria que tivesse sido de outra maneira.


O tempo, infelizmente, não torna fácil o manter do curso. O caminho continua reto como sempre, mas está agora juntado com as pedras e o cascalho que se vão acumulando ao longo de uma vida. Até há três anos teriam sido fáceis de ignorar, mas agora é impossível. Uma doença rola através do meu corpo; já não sou forte nem saudável, e os meus dias vão-se gastando como um velho balão de festa: inerte, esponjoso, e a tornar-se cada vez mais mole com o tempo.


Tusso, e através das pálpebras franzidas espreito o relógio de pulso. Apercebo-me de que é tempo de partir. Levanto-me do meu assento junto à janela e arrasto os pés a atravessar o quarto, parando junto à escrivaninha para apanhar o livro de apontamentos que já li centenas de vezes. Nem sequer lhe dou uma vista de olhos. Em vez disso, enfio-o debaixo do braço e continuo o meu caminho em direcção ao lugar aonde tenho que ir.


Caminho sobre um chão de tijoleira de cor branca salpicada de cinzento. Como o meu cabelo, e o cabelo da maioria das pessoas de aqui, embora esta manhã seja eu o único no átrio da entrada. Os outros ainda estão nos seus quartos, sozinhos a não ser pela televisão mas, como eu, já estão acostumados a isso. Se lhe derem tempo suficiente, uma pessoa habitua-se a tudo.


Ouço sons abafados de choro à distância, e sei exactamente quem os está a fazer. As enfermeiras vêem-me então, sorrimos uns para os outros e trocamos cumprimentos. São minhas amigas e conversamos muitas vezes, mas tenho a certeza de que ficam a magicar a meu respeito e sobre coisas que sofro todos os dias. Ouço-as quando começam a murmurar entre si ao verem-me passar.


"Lá vai ele outra vez," escuto, "Espero que corra bem." Mas não me dizem nada directamente sobre o assunto. Tenho a certeza que pensam que me incomodam a falar disto logo de manhã tão cedo, e conhecendo-me como me conheço, acho que são capazes de ter razão.


Chego ao quarto um minuto mais tarde. A porta foi escorada, aberta para mim, como acontece usualmente. Há mais duas outras pessoas lá dentro, e também me sorriem quando entro. "Bom Dia", dizem com vozes alegres, e gasto um momento a perguntar-lhes pelas crianças, as escolas, as férias que estão para chegar. Falamos por cima do som do choro durante um minuto ou mais. Parecem não dar por ele. Ficaram-lhe insensíveis. Também eu me estou a tornar insensível, mas por outros motivos.


Depois sento-me na cadeira que acabou por adquirir a minha forma. Já estão a acabar. Ela já tem as roupas vestidas, mas continua o choro. Tornar-se-á mais mansinho depois de elas partirem, eu sei. A excitação da manhã perturba-a sempre, e hoje não é exceção. Por fim, a cortina é aberta e saem as enfermeiras. Tocam-me ambas e sorriem-me ao passar por mim. Gostaria de saber o que significa isto.


Sento-me só por um segundo e fico a observá-la, mas ela não devolve o olhar. Compreendo. Não sabe quem sou. Para ela sou um estranho. Depois, desviando-me, baixo a cabeça e rezo silenciosamente para que me sejam dadas as forças de que sei irei precisar. Sempre tive fé em Deus e no poder da oração embora, para ser honesto, a minha fé tenha acabado por me suscitar uma lista de perguntas que, definitivamente, só quero que sejam respondidas depois de eu partir.


Agora estou pronto. De óculos postos, tiro do bolso uma lente de aumentar. Ponho-a sobre a mesa por um instante enquanto abro o livro de apontamentos. São precisas duas lambidelas no meu dedo lenhoso para conseguir que a capa muito usada se abra na primeira página. Depois ponho a lente de aumentar.


Há sempre um momento, imediatamente antes de começar a ler a história, em que a mente se me perturba, e pergunto-me, "Irá acontecer hoje?" Não sei. Porque nunca sei com antecedência. E, lá no fundo, nem sequer é importante. É a possibilidade que me faz continuar e não a certeza. Uma espécie de aposta da minha parte. E embora me possam chamar sonhador, louco ou qualquer outra coisa, acredito que tudo é possível.


Tenho consciência de que as probabilidades e a ciência estão contra mim. Mas a ciência nunca tem uma resposta definitiva. Isto eu sei, aprendi durante a minha vida. E tal deixa-me com a crença de que os milagres, por mais inexplicáveis ou incríveis, são reais e podem ocorrer sem se preocuparem com a ordem natural das coisas. Assim, uma vez mais, tal como faço todos os dias, começo a ler o livro de apontamentos em voz alta, de maneira que ela o possa ouvir, na esperança de que o milagre que veio a dominar a minha vida possa prevalecer de novo.


E por hipótese, só por hipótese, talvez aconteça.




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Autor(a): fox

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Comentários do Capítulo:

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  • rafinhacomplicated Postado em 17/08/2009 - 16:03:36

    gostei da introdução!

    postaaaaaaaaaa

  • rbdpatyrebelde Postado em 17/08/2009 - 15:59:07

    Ain que lindoooo!!!
    Essa web pelo jeito vai ser ótima!!!
    Posta o primeiro capítulo please


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