Fanfics Brasil - 3 Lição de Ternura AyA Finalizada

Fanfic: Lição de Ternura AyA Finalizada


Capítulo: 3

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"O que ele está fazendo? Por que não vai embora?" 

- Eu lhe proponho o seguinte, Sra. Hecker: prepararei um prospecto e o enviarei à senhora, se me der seu endereço. - Enquanto apanhava uma caneta, ela fitou de relance.

"Meu Deus! Ele está lendo todas as menções?"

- Muito bem, entrarei em contato com a senhora. E obrigada.

Alfonso se virou, então, e se aproximou da mesa como se tivesse todo tempo do mundo.

- Estou impressionado - comentou, indicando com a cabeça a parede com as menções.

- Não fique. Adoro trabalhar para a fundação, e eles insistem em me dar... Isso. -Ela apontou para os documentos emoldurados.

- Continuo impressionado, apesar de sua modéstia. - O sorriso de Alfonso morreu ao indagar sem rodeios: - Há quanto tempo sofre de artrite?

- Dez anos.

- Nossa, você era tão jovem!

- Não tanto quanto Jason, por exemplo. E centenas de outros como ele.

- Quantos anos você tinha?


Anahí deduziu que aquele homem era do tipo que nunca fazia rodeios. Sem dúvida, alguém que se aproximava de uma mulher estranha e a convidava para fugirem juntos não se prestava a subterfúgios. Ela ainda desejava que aquela noite de sexta-feira não tivesse acontecido. Muito embora, no fundo de sua alma, a atenção dele a lisonjeasse. Se tivesse contado a Alfonso Herrera que não podia dançar, ele teria se contentado em conversar apenas.

Só depois que ele se foi, Anahí se deu conta de não ter agradecido pelas flores. Havia dito que eram desnecessárias e lindas, contudo não agradecera.

O telefone tocou na noite de terça-feira quando Anahí jantava.
- Alô?

- Anahí?

- Sim?

- É Alfonso Herrera. Como vai?

- Estou bem, obrigada. - Ela sentiu o coração acelerar-se de repente. E você?

- Muito bem. Estou ligando por causa da bola que prometemos a Jason Holland. Precisamos do endereço para onde mandá-la.

Uma inesperada sensação de desapontamento tomou conta dela.
- Na verdade, não sei. Mas posso averiguar...

- Que tal eu mandá-la a você para que providencie a entrega ao garoto?

- Está bem.

- Levará algum tempo para colher a assinatura de todos os rapazes, mas enviarei a bola assim que puder.

- Jason ficará radiante. É muita generosidade sua...

- É um prazer - Alfonso a interrompeu, aparentemente tão embaraçado com o elogio quanto Anahí em relação às menções honrosas. Houve uma breve hesitação antes de a conversa tomar outro rumo. - Teve um bom dia?

- Não foi ruim. E o seu?

- Pura benção divina. Dormi até as onze, assisti a um filme, fiz ginástica no salão do hotel e depois fui à sauna. Agora pretendo comer lagosta suficiente para afundar um navio.

- Vocês, jogadores de futebol, certamente levam uma vida muito dura. Não deviam estar jogando ou coisa parecida?

- Realmente não entende nada de futebol, hein?

- Eu disse que não. Por quê?

- A temporada acabou. Estamos de folga até o reinício dos treinos no verão.

- Ah... Então por isso entregou-se à preguiça o dia todo.


- Exatamente. - Então, sem perda de tempo, ele acrescentou: - Jante comigo amanhã à noite. - Mais uma vez, recorria ao elemento surpresa. - Antes que responda, deixe-me lembrá-la de que sou uma celebridade.

Anahí riu com uma naturalidade que sequer teve tempo de questionar. Aliás, o riso parecia uma constante na companhia daquele homem.
- E um grande amante, muito rico e dono da Ponte de Brooklyn, certo?

- Acertou. Jantará comigo então?

O sorriso desapareceu dos lábios de Anahí. Nada havia mudado. Conhecia a razão do convite. Ele já tinha deixado bem claro no dia anterior. Como naquela ocasião, ela sentiu a mesma necessidade ditada pelo orgulho de recusá-lo.

- Obrigada, mas infelizmente não posso.

- Tem certeza?

- Sim.

Alfonso deixou o assunto morrer com tanta facilidade que apenas confirmou a suspeita de Anahí. A sensação de desapontamento voltou a assediá-la.

Nos minutos seguintes, conversaram sobre banalidades. A certa altura, ela disse: 
- Eu... Bem, não lhe agradeci pelas flores. Olhou para a mesa onde os botões, já completamente abertos, continuavam viçosos e perfumados.

- Não há necessidade de me agradecer.

- Mesmo assim, obrigada.

- Nesse caso, considere-me agradecido...Preciso desligar agora. Tem alguém batendo a minha porta.

- Sim, claro. Então me mande a bola.

- Combinado. Tchau.

- Tchau.

Ela afastava o fone do ouvido quando ouviu chamá-la.

- Anahí?

- Sim?

- Eu menti.

- Mentiu?

- Sim. Não sou dono da Ponte de Brooklyn.

A ligação foi interrompida antes que ela pudesse retrucar. Quem será que havia batido à porta dele? Uma mulher? Teriam partilhado, entre outras coisas, lagosta suficiente para afundar um navio?

****
- Está pronto? - Christian foi logo perguntando quando Poncho abriu a porta do quarto de hotel.

- Sim. Só vou apanhar o paletó.

- Hum, mal posso esperar para comer aquelas lagostas. Dá água na boca só de pensar naqueles pedaços suculentos...

- Ei, Christian, assim você faz lagosta parecer melhor que sexo.


O homem de cabeça colorida abriu um largo sorriso.
- É o máximo de prazer que provavelmente terá esta noite.

- Calma, só porque você é feio demais para conquistar uma garota, não pense que somos todos iguais.

Os dois continuaram a trocar insultos bem-humorados a caminho do elevador.
- Não se esqueça da festa na sexta-feira - disse Christian. - Vai levar alguém?

Alfonso não hesitou em responder.
- Sim - E a imagem de uma loira de olhos azuis lhe veio à mente. - Só que ela não sabe ainda.

O companheiro deu uma sonora gargalhada.
- Herrera, alguém já lhe disse que é convencido demais?

- Nunca, meu amigo - Poncho retrucou com carregado sotaque irlandês, enquanto saíam do elevador. - Vamos às lagostas.

O telefone tocou na noite de quarta-feira justamente quando Anahí saía do banho.

- Alô?

- Anahí? Espero não ter telefonado muito tarde. Só agora reparei que já passa das dez e meia.

Por mais que ela tentasse negar, o telefonema a deixou exultante.
- Não, acabo de sair do banho. - A pausa subseqüente fez com ela se arrependesse pela resposta.

- Não está... Molhada ou coisa parecida, está?

- Não, não!

- Posso ligar mais tarde, se...

- Não, não! Estou vestida... Quero dizer, não estou molhada.

- Em todo caso, não a deterei por muito tempo. Sei que é tarde. Só gostaria de saber se está livre sexta à noite. E não custa lembrar - ele acrescentou mais do que depressa - que sou uma celebridade...

-...E um grande amante e muito rico, - ambos concluíram juntos e caíram na risada.

O riso de Anahí, porém, logo se desvaneceu. Por que sorria quando não tinha a menor razão para isso? Por que aquele homem não a deixava em paz? Por que insistia em invadir seu mundo tristonho e solitário?

- Então, aceita?

Ela continuou relutante, embora não soubesse por quê, pois não tinha a menor intenção de aceitar o convite.

Alfonso interpretou mal o silêncio.
- Eu a apanharei por volta das...

- Espere! Não, eu...


Por mais que tentasse, ele não compreendia por que ela se recusava a aceitar um simples convite para sair.
- Pense no assunto, está bem?

- Não creio que...

- Por favor. Conversaremos amanhã. Agora preciso me apressar. - Desta vez ele mentia. Queria apenas desligar logo o telefone. - Boa noite.

- Boa noite... – Atordoada, Anahí afastava o aparelho do ouvido quando o ouviu chamá-la.

- Anahí?

- Sim?

- Eu menti.

- De novo?

- Sim. Não sou rico. - E desligou o aparelho. O esboço de um sorriso surgiu nos lábios de Anahí, embora não durasse mais que um instante. 

Por que seu coração batia com esperanças vãs toda vez que falava com ele?

Durante a noite de quinta-feira, Anahí tentou se convencer que não esperava telefonema algum. Finalmente foi para a cama com uma certeza que tivera o tempo todo. Havia achado que Alfonso ligaria... Que a instigaria a aceitar o convite... Que terminaria a conversa com outra confissão...

"Anahí?" - ele diria antes de desligar. - "Sim?" - ela responderia como das vezes anteriores. - “Eu menti”.- “Mentiu?" - “Sim. Não sou um grande amante. Amante... 

Que tipo de amante Alfonso Herrera seria? 

A curiosidade a surpreendeu. Fazia muito tempo que não pensava num homem em termos tão íntimos. Convencera-se de que não poderia ser uma boa amante de um homem e por isso deixaria o assunto de lado. 

"Um homem quer sua mulher cheirando a perfume, não a linimento. Um homem quer ouvir seus gritos de êxtase, não de dor. Meu Deus, um homem não quer se sentir um canalha por fazer amor com a própria esposa!"

Essa lembrança dolorosa surgiu de repente, como um monstro do meio da escuridão, deprimindo Anahí tanto quanto na ocasião em que, por acaso, escutara o desabafo do ex-noivo com um amigo. Até aquele momento, anos atrás, não tinha pensado seriamente em como pareceria aos olhos de um homem. Naquele instante aturdido, uma parte de sua auto-estima, uma parte da sua feminilidade havia sido destruída. E nunca mais reposta.


Nenhum homem queria uma mulher doente. Tratava-se de uma das grandes verdades da vida - pelo menos no caso de Anahí. Ela riu com amargura, cedendo a um raro momento de auto piedade. Piedade... A idéia lhe veio à cabeça como um raio.
Por isso Alfonso a convidava para sair? Sentia pena dela? Uma sensação de raiva tomou-a por inteiro. E, em seu estado depressivo, precipitou-se do provável para o certo. Alfonso Herrera sentia pena dela. Por que outro motivo um homem tão viril e saudável se interessaria por uma mulher doente?

Lágrimas lhe encheram os olhos. Entretanto, não as deixou cair. 
Preferiu praguejar baixinho: amaldiçoou a doença que mudara sua vida; amaldiçoou Alfonso Herrera por fazê-la sorrir, por despertar seu interesse, por fazê-la a desejar que tudo fosse diferente.


****
A sexta-feira amanheceu cinzenta, com uma névoa espessa e fria cobrindo a cidade.
- Por que não vai almoçar? Sugeriu enquanto se preparava para datilografar o prospecto da Sra. Hecker.

- Não, vá você primeiro - disse Anahí. - Preciso relacionar a equipe médica que levaremos conosco a El Paso.

- Deixe isso para mais tarde. Vá comer.

Anahí pôs a caneta sobre a mesa e sorriu.
- Estive tão mal-humorada assim a manhã toda? Não precisa responder. 

Ao se erguer, sentiu uma pontada na perna esquerda, mas sua única concessão à dor foi uma pequena pausa e uma tomada silenciosa de fôlego.
- Quer que eu traga um hambúrguer?

- Sim, por favor.

Lá fora soprava um vento frio e úmido. Apesar disso, Anahí sentia-se melhor por sair do escritório. Precisava ver os últimos dias em perspectiva: não significavam nada no plano geral da sua vida. De fato, as rosas resumiam com clareza seu relacionamento com Alfonso Herrera - naquela manhã encontrara-as mortas, as pétalas espalhadas sobre a mesa da sala de jantar. Então as jogara fora e continuara sua rotina.


Parada ao lado do carro, estava tão concentrada em procurar as chaves na bolsa que não deu atenção ao ruído de outro veículo entrando no estacionamento. O som de uma voz conhecida, porém, não passou despercebido.
- Oi.

Anahí se virou sobressaltada, o olhar cruzando com o de Alfonso. Uma série de perguntas lhe veio à mente: "O que ele quer?”, "Por que me deixo afetar tanto por esse homem?"
- Oi - ele repetiu, sorridente.

- Oi.

- Vai almoçar?

Com receio de que ele sugerisse que almoçassem juntos, ela pensou em mentir, mas não conseguiu.
- Sim, vou buscar um hambúrguer. É mais rápido.

- Nesse caso, não a deterei mais que um minuto. Desculpe-me por não ter telefonado ontem: é que fiquei preso a compromissos...

- Está tudo bem. Não esperava que você ligasse.

Os dois mentiam: Anahí aguardava ansiosa o telefonema, e Alfonso não tivera nenhum compromisso. Ele não tinha entrado em contato de propósito, para evitar uma recusa pelo telefone. Torcia para que sua presença dificultasse a rejeição.

Enquanto Anahí receava que ele percebesse sua mentira, Alfonso imaginava se ela fazia idéia do quanto havia lutado consigo mesmo para não lhe telefonar. O jogador também se perguntava porque aquela obsessão aumentava cada vez que a via.
- Bem - ele rompeu o silêncio - quanto a esta noite... Posso apanhá-la em sua casa por volta das sete?

Algo explodiu dentro dela, algo que se desenvolvia há dias, talvez anos. Uma série de emoções acumuladas - sua mágoa passada, o auto conceito, a humilhação de ser alvo de piedade de Alfonso eclodiram num acesso de fúria, intensificada pela consciência de que no fundo gostaria de sair com aquele homem.
- Dane-se, Alfonso Herrera! Não quero sua piedade!

Piedade. A palavra o atingiu como uma bofetada. Chocado, ele não disse nada. Absolutamente nada. Apenas olhava para ela confuso, atônito.

- De que está falando? - perguntou depois de um longo silêncio.


- Você já se desculpou por aquela noite de sexta, e não quero nem preciso da sua piedade ou de quem quer que seja. Não sou caso de caridade!

Ela desviou o olhar. Oh, Deus, por que ele não a deixava em paz? Voltou a procurar as chaves, desta vez com desespero. Mas Alfonso não desistiu facilmente. Segurou, gentil porém firmemente, o braço dela e a obrigou a encará-lo. O movimento brusco provocou a queda das chaves à qual nenhum dos dois deu atenção.

- Na verdade, você está duplamente enganada, querida. - Seus olhos esverdiados, habitualmente marotos, expressavam uma cólera que condizia com a fama do temperamento Irlandês.

A palavra "querida" estava longe de ser uma forma carinhosa de tratamento, e Anahí não pôde deixar de imaginar como soaria se fosse Doce e sensual? Capaz de fazer uma mulher se sentir desejada? Capaz de fazer uma mulher se sentir mulher? Esses pensamentos, porém, se perderam sob a avalanche da ira que Alfonso continuou expressar:

- Não a convidei para sair como um pedido de desculpas e muito menos por sentir pena de você. Meu verdadeiro objetivo, Anahí era fazer uma gozação. Sabe, adoro me divertir às custas de pessoas deficientes, particularmente de cegos ou de gente em cadeiras de rodas, mas não é todo dia que encontro um desses pela frente e tive de me contentar com uma moça manca de bengala.

Segundos se passaram sem que ninguém falasse. Nem se movesse. O coração de Anahí batia num ritmo que parecia dizer: "Boba! Boba! Boba!" O olhar de Alfonso continuava fulminante, entretanto, ela pouco a pouco percebeu algo mais nas profundezas esverdiadas. Mágoa? Vulnerabilidade? Não tinha certeza.

De repente ele retomou a fala, embora com um fio de voz: 
- Como pôde pensar que eu... Ora, esqueça o assunto! - Virou-se abruptamente e estava a caminho de seu Porsche branco quando parou para gritar: - Moça, você sofre de um sério complexo! - A cena atraía a atenção dos transeuntes.

- Alfonso! - Anahí agiu num impulso, guiada pelo coração. - Alfonso, espere!


Levou algum tempo e muita paciência para recuperar as chaves com a bengala. Quando finalmente conseguiu, foi até a lanchonete mais próxima e voltou ao escritório com dois hambúrgueres. Susan prudentemente evitou qualquer comentário ao perceber que a chefe retornara duas vezes mais mal-humorada do que quando saíra.

-Quer que eu jogue isso fora? a secretária perguntou cerca de meia hora depois, referindo-se ao hambúrguer praticamente intacto de Anahí.

- Como?

- Ainda vai comer isso?

Anahí olhou para o sanduíche esquecido na mesa e sacudiu a cabeça.
- Obrigada - murmurou distraída quando a secretária recolheu a embalagem do hambúrguer.

"Devo telefonar para ele me desculpar? Sim, eu o magoei." Ela pôs a mão no telefone, apenas para retirá-la em seguida. "Não. O que vou dizer?" Suspirou. "Simplesmente peça desculpas. Sabe fazer isso, não?" Desta vez tirou o fone do gancho, porém o manteve no ar. "E se ele não tiver voltado para o hotel ainda? E se não quiser falar comigo? E se eu for a maior covarde que já existiu?" Suspirando em derrota, devolveu o aparelho ao lugar. Talvez fosse melhor deixá-lo sair de sua vida, mesmo que de uma forma tão traumática. Talvez...

O telefone tocou.

Anahí sobressaltou-se na cadeira.

Susan observava a silenciosa indecisão da chefe com ar interrogativo. De repente Anahí voltou a assumir um ar profissional, grata pela interrupção ao curso infrutífero de seus pensamentos.

- Viagens e Excursões Farrel, às suas ordens.

- Esteja pronta às sete! - disse uma voz masculina com firmeza, e a ligação foi cortada em seguida.

Anahí ficou a olhar atônita para o aparelho por alguns instantes, ouvindo o ruído de linha e as batidas do próprio coração.

Ele continuava zangado. E tipicamente objetivo. E ainda capaz de fazê-la sorrir, ela reconheceu, não sem espanto diante do tremor incontrolável dos lábios.


***
A campainha tocou as sete em ponto.

Anahí respirou fundo e enxugou as mãos úmidas de nervosismo. Enquanto atravessava a sala, pensamentos perturbadores passavam por sua cabeça. Devia ter telefonado de volta a ele e dado uma resposta negativa definitiva. Devia dizer-lhe isso agora e mandá-lo embora. Devia...

As idéias se perderam ao abrir a porta. Contra a própria vontade, a visão de Alfonso Herrera parado na varanda afetou seu lado feminino em parte sufocado.

Alfonso também se embevecia com a visão da mulher à sua frente. Parecia angelical no conjunto de lã rosa. Como da primeira vez que a vira, o impacto foi grande. Céus, que poderes sedutores aquela fada possuía? Também o surpreendia encontrá-la pronta para saírem, uma surpresa que suspeitava que fosse partilhada pela própria Anahí.

Ao perceber que estavam parados, apenas a se olhar em silêncio, ela se desconcertou.
- Eu... Bem, não sabia exatamente o que vestir. Você não disse aonde íamos...

- Você está... Bem. - Ele se absteve de um elogio mais efusivo e condizente com o que achava, receando provocar uma reação negativa. - Só precisará de um casaco. Está frio.

- Já separei um.

Seus olhares se cruzaram por mais um longo instante antes de ela se virar para apanhar o casaco cinzento pendurado no encosto de uma cadeira.

Mesmo sem ser convidado, Alfonso entrou na casa e apreciou a decoração. A classe imperava no ambiente sóbrio e simples. Como sua ocupante...

- Deixe-me ajudá-la. - Sem esperar resposta, ele se adiantou e segurou o casaco para que Anahí o vestisse.

Ela o fez mais do que depressa. De repente tudo que desejava era se distanciar daquele homem o mais rápido possível.
- Pronta?

- Pronta - ela confirmou, evitando encará-lo enquanto apanhava a bolsa.

A noite estava realmente fria, com o ar úmido e pesado da chuva que não havia caído.
A caminho do carro, Alfonso diminuiu o passo em consideração à Anahí. A consciência disso a impacientou com o andar que lhe parecia ainda mais lento que de costume.


- A propósito - ele observou, o hálito se vaporizando com ar frio - vamos a uma festa de aniversário. Do Christopher.

- Parece divertido. É uma surpresa?

- Pensávamos que sim. Mas ele me telefonou à tarde para perguntar o quanto devia se atrasar, pois queria nos dar tempo de preparar tudo.

Anahí riu com espontaneidade. Era bom fazê-lo depois de um dia tão tenso. Para Alfonso, por outro lado, era agradável vê-la sorrir.

- Tanto esforço para guardar segredo em vão - ela comentou.

- É verdade. Mas foi a última vez. Se bem que... Acho que vamos surpreendê-lo de qualquer forma.

- Suponho que não vá me contar do que se trata.

- Acertou! Você pode ser uma espiã.

- Tem razão, a própria Mata Hari.

Ao se aproximarem do carro e ele abrir a porta do passageiro, bastou um olhar para o assento baixo - que lhe dificultava a entrada e praticamente impossibilitava a saída - para apagar o sorriso de Anahí.

- O que foi? - Alfonso indagou.

- Nada. Peço-lhe apenas que tenha um pouco de paciência até eu conseguir entrar aí. Carros esportes são bonitos, mas...

-...Baixos demais - ele completou, só então lembrando da dificuldade dela para se erguer da poltrona na festa. Amaldiçoou a memória fraca. - Sinto muito. Esqueci esse detalhe. Vamos de táxi.

- Não seja tolo. Só levarei um minuto. De costas para o banco, ela se abaixou devagarzinho, ignorando a pontada de dor e deliberadamente escondendo o rosto dele. Quando pensou que não agüentaria mais, sentiu o estofado sob si. Afundou nele e relaxou, esperando a dor passar. - Pronto, não foi tão mau assim - balbuciou, com um sorriso forçado.

Alfonso, no entanto, não se deixou enganar. Sabia que ela mentia. Estranhamente, sofreu com a dor dela. Mais estranhamente ainda, decidiu aceitar a mentira pressentindo que se relacionava com orgulho. Sem uma palavra, fechou a porta e deu a volta para ocupar o volante.

- Ficará quente num instante - ele informou, ligando o aquecedor.


- Já me sinto melhor.

- Este tipo de tempo afeta você? Quero dizer, o frio e a umidade?

- Um pouco. Principalmente a umidade.

- Sente dor?

Anahí ia mentir, "minimizar" como Mayte costumava dizer, porém ele a impediu: 
- Diga a verdade.

- Um pouco - ela admitiu. - Mais no quadril.

- Não há nada que os médicos possam fazer? Uma vez li sobre juntas artificiais.

- O lado direito do meu quadril já tem um pino de platina. Agora estou aguardando para operar o esquerdo também. Além disso, tenho implantes nos dedos e pulsos. Como vê, sou um verdadeiro embuste.

- Pois para mim - retrucou ele, desviando o olhar do trânsito para mirá-la - parece bem real.

O comentário provocou emoções estranhas em Anahí - Uma onda de calor lhe atravessou o corpo e as batidas do coração se aceleraram.
- Quando? - Alfonso quis saber.

- Quando o quê?

- Quando será a operação?

- Ah... Em abril. Assim que passar a semana do hotel fazenda.

Alfonso ia comentar que nada era mais importante que a saúde, contudo se conteve a tempo. Não se sentia no direito de fazer um julgamento tão pessoal. Preferiu mudar de assunto, embora a admiração por aquela mulher só aumentasse.

- A cirurgia porá fim à dor?

- No quadril, sim.

- Mas não ao resto do corpo?

De repente Anahí não sentiu mais inclinação para mentir.

De certo modo, constituía um alívio expor toda verdade sobre sua saúde. Tratava-se também de uma ousadia. Por alguma razão inexplicável, queria desafiá-lo a conhecer a verdade. Era como se pusesse à prova a reação dele.

- Não, a dor surgirá e desaparecerá a seu bel prazer no resto do corpo. A doença é cíclica. Ás vezes some, outras volta com força total. É totalmente imprevisível. - Com um sorriso irônico, acrescentou: - Faz parte do charme da enfermidade. Nunca se sabe que planos terão de ser cancelados.

- Entendo...


Ela duvidava. Simplesmente porque não havia como ele entender. 
Ninguém, exceto um artrítico, seria capaz de compreender o que era planejar com antecedência, esperar ansiosamente a concretização dos planos e, então, vê-los destruídos. Não havia como explicar uma dor tão intensa, tão implacável que chegava a aterrorizar.

Esse pensamento conduziu naturalmente a outro, que a perturbara a tarde inteira. Será que a consciência daquela realidade acabara por levá-la ao pessimismo, a uma visão do mundo cheio de amargura? 
Sempre se julgara realista, por pura questão de sobrevivência, porém, talvez a acusação anterior de Alfonso encerrasse algum fundamento.

- Acha realmente que sofro de um sério complexo?

A pergunta rompeu o silêncio e apanhou Alfonso totalmente desprevenido.
Ele notou o traço inegável de mágoa na voz dela e desejou se esganar pela língua solta.

- Eu estava com raiva quando disse isso. Talvez você não acredite - acrescentou, com um sorriso - mas tenho um temperamento forte.

- Não diga! Você, um temperamento forte?

Trocaram sorrisos diante da ironia; ela a imaginar que havia algo de encantador no dele, e ele a desejar beijá-la.

- Não respondeu a minha pergunta - Anahí insistiu. - Você me considera complexa?

- Digamos apenas que me parece que você não se vê como as outras pessoas a vêem. Caso contrário, jamais teria me dito o que disse lá no estacionamento.

Aproveitando uma parada no sinal vermelho, ele passou o braço pelos ombros dela e não resistiu à tentação de lhe tocar as pontas dos cabelos.

- Quero lhe garantir, Anahí, que não a convidei para sair por piedade.

Olhos nos olhos, não havia como duvidar da sinceridade daquelas palavras, e ela desejou perguntar por que então ele a convidara para sair. Mas não o fez. E ficou na dúvida se por recear o que ouviria em resposta ou o que não ouviria.

O momento de intimidade passou quando o semáforo mudou para o verde.
- Você parece conhecer bem a cidade - ela comentou, mudando de assunto.

- Nasci aqui.

- É mesmo?


- Sim, Para lá do Canal Irlandês.

Anahí conhecia o bairro a que ele se referia. Tratava-se originalmente de um reduto de imigrantes irlandeses, atualmente ocupado por minorias de várias raças. Havia se transformado numa área estranha. Por um lado, tinha uma ala pobre e violenta, em que não se recomendava andar sozinho à noite; por outro, passava por uma onda de renovação com a reforma de alguns dos antigos casarões para onde se mudavam executivos bem sucedidos.

- Então é realmente descendente de irlandeses?

- Eu precisava de uma desculpa para o meu temperamento.

- O temperamento que posso não acreditar que você tenha de verdade?

- Naturalmente.

- Seus pais ainda moram aqui?

- Não. Eles se mudaram para a Flórida alguns anos atrás. Os dois estão na faixa dos oitenta, mas continuam muito ativos.

- Que maravilha!

- É verdade. Eles agora desfrutam do prazer bem merecido. Levaram uma vida dura. Papai foi dono de uma loja de roupas durante trinta e cinco anos enquanto mamãe trabalhou como doméstica. Fomos muito pobres, só que nada impediu de sermos felizes.

- Tem irmãos?

Ele soltou uma gargalhada.
- Se tenho irmãos? Quatro irmãs e três irmãos, para ser exato. Papai costumava dizer que ele e mamãe fizeram pelo menos uma coisa bem na vida. Graças aos santos, puseram no mundo os bebês mais bonitos.

Ambos caíram na risada.
- Alguns deles mora aqui?

- Não. Estão espalhados por várias cidades. Porém, sempre procuramos nos reunir no verão. Em geral no feriado de quatro de julho. Nem sempre é possível, mas tentamos. Meus velhos nos embuíram de um forte senso de família, sem falar da absoluta questão que faziam de nos educar. Não queriam que os filhos tivessem de dar tanto duro quanto eles ou fossem tão pobres. "Não nos contentaremos com segundos lugares", papai sempre dizia. "Não nos satisfaremos com menos”.Assim, de oito filhos saíram três médicos, um advogado, um professor de lingüística, um contador público, uma nutricionista e...


-...Uma celebridade e grande amante - ela completou.

Alfonso sorriu com malícia da brincadeira, mas logo assumiu um ar pensativo.

- A verdade é que meus irmãos se esforçaram muito para chegar onde estão.

- Fala como se você não.

- Sou o único que não tem diploma universitário. Abandonei os estudos para me tornar jogador profissional. Quase matei meus pais de desgosto. Ele dizia que eu me contentava com pouco. Não que se opusesse ao futebol; pelo contrário, era um torcedor fanático. Mas achava que eu devia obter diploma. Vivia falando "Um dia o futebol acabará, e então Poncho, o que fará?" Talvez o velho estivesse certo. Talvez agora eu esteja à beira do nada.

- Acho difícil acreditar nisso. Além do mais, não vejo por que alguém julgaria que você não se esforçou para chegar onde está.

- Na realidade não tive de dar duro nenhum. Jogar futebol é algo natural para mim. Nunca precisei me esforçar para isso. De fato, pensando bem, obtive tudo em minha vida com facilidade. Talvez com facilidade demais.

Para Anahí, parecia que ele falava como se devesse desculpas ao mundo por ser bom no que fazia, por ter talento. Também sentia um pouco de remorso da parte dele por desapontar o pai, embora não concordasse com esse ponto de vista.

- Talvez você não se veja como as outras pessoas o vêem - ela repetiu o que ouvira antes.

- Parece que caí em minha própria armadilha.

Anahí apenas sorriu em triunfo. Prosseguiram um pouco em silêncio, a atenção do motorista exigida para o tráfego intenso da noite de sexta.

- E você? - ele retomou a conversa. - Tem irmãos?

- Nenhum. Sou uma mimada filha única

- E seus pais?

- Estão mortos. Meu pai morreu quando eu tinha cinco anos e minha mãe quando eu tinha vinte e um.

Após ouvir sobre a unida família Herrera, ocorreu a ela que nenhum dos seus relacionamentos mais significativos havia terminado bem. A morte do pai lhe ensinara muito cedo na vida que o amor não a ligava para sempre à pessoa amada. Uma lição reforçada pela perda da mãe.


Então sofrera a traição do noivo. Talvez, de forma irônica, tivesse tido a sorte em ser forçada a viver sozinha. Pelo menos não podia perder o que não possuía.

- Já foi casada?

- Não. Onde é a festa?

Alfonso fitou-a de relance, em dúvida: ela estava ansiosa para mudar de assunto ou apenas curiosa sobre a festa?
- Aqui no Sheraton - ele informou, indicando o hotel logo adiante.

Ao estacionarem, Anahí constatou que o frio e a umidade, somados aos esforços despendidos para entrar no carro, haviam deixado seu quadril ainda mais rígido. A dor aguda voltou só dela girar as pernas para fora do carro. Apoiando-se na porta, impulsionou o corpo para cima. Em vão. Os músculos se recusavam a cooperar de uma posição tão baixa. Tentou outra vez, ganhando apenas uma dor mais forte como recompensa. O suor lhe brotava na testa.

Além da dor física, havia outra - não menos mortificante - relacionada com orgulho ferido, com vergonha de expor sua debilidade àquele homem. Respirando fundo, porém, superou o embaraço e o encarou.

Alfonso entendeu o pedido silencioso de ajuda. Mas também sabia o que o gesto custava aos sentimentos de Anahí. Segurando-a pelo braço, colocou-a de pé num instante.

A dor percorreu a perna de Anahí, aumentando várias vezes com a pressão exercida sobre o quadril para que ela pudesse ficar de pé. A testa estava molhada, o coração acelerado e a respiração difícil.

- Obrigada - sussurrou como se expressasse um segredo de namorados.

- Não seja por isso - ele respondeu, ainda a segurá-la pelo braço.

Permaneceram alguns instantes assim, próximos, mas distantes, ambos esperando que a dor cessasse.

- Não precisamos ir à festa - sugeriu Alfonso.

Anahí o encarou com um sorriso, que embora débil expressava sinceridade.

- E perder a oportunidade de ser vista com Alfonso Herrera? Está brincando!

Ele sorriu também, imaginando que jamais conhecera uma mulher como aquela. Tão linda. Tão desejada. A obsessão aumentava.


Anahí não era o tipo de mulher que Alfonso Herrera em geral levava a festas. Disso ela teve certeza no momento em que entrou na suíte lotada do hotel. Era evidente a expressão de surpresa nos rostos dos convidados. 

Logo, porém, foi cercada por sorrisos e cumprimentos calorosos.
- Oi! - cumprimentou uma moça, aproximando-se.

- Já estava na hora de chegarem - um rapaz comentou em seguida.

- Ora, ora, se não é o Malandro Irlandês! - Christian mal disfarçou o espanto de ver Anahí. De repente compreendia a persistência do colega na agência após a sessão de fotografias. Ele se virou para ela. - Não me diga que uma moça tão bonita não conseguiu programa melhor para uma noite de sexta do que sair com esse sujeito.

- Não comece, Christian - Alfonso advertiu.

- Na verdade - Anahí retrucou sorridente - ele não me deixou escolha. Simplesmente telefonou e disse "esteja pronta". - Ela se surpreendeu com o próprio tom jocoso e o olhar maroto que lançou a Alfonso. Como recompensa, ganhou um sorriso estonteante.

- Ainda tentando se poupar da humilhação de ser rejeitado, hein, Herrera? - provocou Christian.

- O que posso dizer? Ele encolheu os ombros. - Como vê, meu método funciona.

- E então, o que acha? - O companheiro de equipe mudou de assunto, indicando o quarto. - Está bem, não?

A suíte ampla estava decorada com faixas pretas como a simbolizar luto, além de balões e flores da mesma cor espalhados por todos os lados. Para completar um quadro grande trazia a inscrição: "Sinceras condolências".
- Fizemos um bom trabalho - confirmou Poncho. - Isso deve deprimi-lo.

- É... Parece suficientemente lúgubre. Venha - Christian chamou Anahí - Vou apresentá-la ao pessoal. Obviamente esse mal-educado com quem você está não o fará.

- Gostaria de se sentar? - Alfonso perguntou a Anahí, falando em tom confidencial, Lembrava-se muito bem da dor que ela sentira há apenas alguns minutos, e que provavelmente ainda sentia.


A preocupação estampada em seus olhos esverdeados era tão genuína que a comoveu. Bem no fundo do coração, uma porta se abria para aquele homem.

- Eu me sentarei logo - ela cochichou em resposta, amedrontada com os súbitos sentimentos que a invadiam.

- Não deixe que ele a canse - alertou Poncho. - Enquanto isso, vou até meu quarto apanhar o presente de Chris. Voltarei logo.

Anahí assentiu com um gesto de cabeça e seguiu Christian para as apresentações. O grupo se compunha de cerca de vinte pessoas, todas elas de uma forma ou de outra, ligadas ao meio esportivo. A maioria eram jogadores, acompanhados pelas esposas ou namoradas, entre as quais se destacava uma morena - líder da torcida dos Cowboys de Dallas - cuja beleza seria capaz de encantar qualquer homem. Seria do tipo com quem Alfonso normalmente era visto? Com toda a certeza! 

Nada mais natural do que uma moça bonita e saudável namorar um homem bonito e saudável. Essa constatação apenas reforçou o que Anahí já suspeitava. Ela e Alfonso Herrera pouco ou nada tinham em comum.

Entretanto, embora se recusasse a reconhecer isso, ansiava por sua companhia. Quando ele voltou, seus olhares se cruzaram de imediato. Trocaram sorrisos, ela sentindo-se aliviada, flutuando de felicidade. Alfonso parou apenas para depositar o presente num monte de outros antes de se juntar a Anahí.

- Vejo que arrumou um lugar para se sentar.

- Se reparar bem, vai perceber também que é o lugar mais alto do recinto.

- Sinto muito quanto ao carro.

- Não foi culpa sua.

- Foi, sim.

- Não foi e assunto encerrado, Herrera.

- Como queira, srta. Puente. O que gostaria de tomar?

- Uma... Perrier.

- Não prefere um vinho?

- Não posso misturar bebida alcoólica com minha medicação.

- Que seja Perrier então. - Alfonso foi até o bar e voltou com dois copos de bebida.

- Isso não era necessário - ela protestou.

- Eu adoro Perrier.

- Quando foi à última vez que tomou uma?


- Vai jogar pesado, hein? Muito bem, deixe-me ver...Sabe, creio que esta é a primeira vez. Mas estou gostando. Juro que sim.

- Não mude seus hábitos por minha causa.

- Assunto encerrado, Giovanna.

- Mas não é necessário...

Ele encarou com ar de advertência.
- Como queira, Sr. Herrera.

Nesse instante, Christian aproximou-se deles.
- Está tudo marcado para as nove - disse, num tom conspiratório.

- Muito bem. - Poncho consultou o relógio. - Ela disse quanto?

- Setenta e cinco. Podemos pagar depois.

- Ela disse quanto tempo durará?

- Uns quinze minutos.

Notando que Anahí fazia um ar intrigado, Alfonso tratou de tranqüilizá-la.
- Isso não é o que parece.

- Sinceramente, espero que não.

Naquele instante houve batidas à porta.
- É ele! Alguém sussurrou.

- É o Chris!

- Rápido! Vamos nos esconder!

- Por quê? Ele sabe que estamos aqui - uma voz argumentou.

- Vamos, rapazes! - Christopher berrou do outro lado da porta. - Abram aqui e comecemos logo essa festa!

- Eu não disse? - comentou alguém.
- Peguem a cadeira! Peguem a cadeira!

Todos se enfileiraram diante da porta enquanto um dos rapazes trazia a cadeira de rodas previamente escondida no banheiro.

- Já não era sem tempo... Chris desabou quando a porta se abriu. O que é isso, pessoal? - ele se referia à cadeira. Alguém o obrigou a sentar-se nela e outro colocou um xale rendado sobre seus ombros.

A festa começava, com risos, bebidas, comida e diversão. Anahí não ficou imune ao espírito comemorativo. Ainda que a dor no quadril persistisse, divertia-se de verdade, sempre procurando se concentrar em algo positivo, tal como a piada que o aniversariante contava. Ela riu como todos.

- Está contente por ter vindo? - Alfonso sussurrou-lhe ao ouvido. Ele não saíra de seu lado desde que voltara com o presente de Chris.

- Sim, seus amigos são muitos simpáticos. - Notando que ele segurava uma lata de cerveja, Anahí não conteve uma provocação: - O que aconteceu Poncho? Acabou o estoque de Perrier?


Sem nada dizer, ele sorriu da brincadeira e apertou-lhe a nuca. A avalanche de sensações que o contato causou felizmente foi reprimida pelo anúncio de que era hora de Chris abrir os presentes.
Ao consultar o relógio e constatar que faltavam vinte minutos para as nove, Alfonso insistiu nisso.

- Gostaria de ter trazido um presente também - Anahí comentou.

- Não se preocupe. Coloquei seu nome junto com o meu no cartão... Ontem.

Surpresa diante daquela declaração, ela tentou ficar séria, reclamar, porém não resistiu. Acabou rindo.
- É sempre tão convencido, Poncho?

- Você está aqui, não?

Ela foi obrigada a se render às evidências. Aliás, não podia negar que se divertia ou que jamais tivesse conhecido alguém como Alfonso Herrera.

Uma gargalhada geral atraiu sua atenção outra vez para a festa. 
Muitos dos presentes eram jocosos - vitaminas, polidor de dentadura e tubos de linimento - embora Anahí não considerasse trinta e dois, por exemplo, não se julgava velha. Também não faltaram as lembranças picantes, vexando-a. 

- Sinto muito - Alfonso se desculpou em meio às gargalhadas.

- Não me diga que nosso presente está entre esses.

- Não está. Nós lhe demos um suéter perfeitamente normal.

O suéter foi o último presente aberto, provocando surpresa entre os convidados.
- Obrigado a vocês - o aniversariante agradeceu a Anahí e Poncho.

Ela sorriu em resposta, mas no íntimo estranhava a associação com um homem, mesmo daquela forma descompromissada. Era uma sensação que, se não a agradava, tampouco a desgostava.

O bolo de chocolate tinha mais calorias do que Anahí devia consumir. Entretanto ela comeu todo pedaço que lhe foi servido.

- São nove horas - ela observou. - A propósito, não me deixe comer outra fatia desse bolo mesmo que eu implore, chore ou lhe ofereça muito dinheiro.

- Quanto está pensando em me oferecer? - Alfonso brincou.

- Não muito.

- Nesse caso não poderá comer outro pedaço de bolo. Bem, já são nove horas. A surpresa está atrasada.

- Poncho!

- Ela chegou.


Alfonso se juntou sem demora ao amigo na porta apenas entreaberta. Então trocaram cochichos e sinais incompreensíveis.
- O que está acontecendo? Alguém deu o alarme.

- Quem chegou? - outro quis saber.

- O que vocês estão tramando? - berrou Christopher, desconfiado, ainda na cadeira de rodas.

Nem Poncho nem Christian deram atenção às perguntas. Finalmente Christian correu até um gravador sobre a mesa.
- Christian? - Alfonso jogou com precisão profissional uma fita nas mãos do outro.

- Gol! - alguém gritou.

- Aí, infernais!

- O que está acontecendo, afinal?

Sem mais demora, Christian pôs a fita para tocar. A expectativa dominava a todos, e Anahí não era exceção à regra.

De repente a música encheu o ambiente. Um ritmo tipicamente oriental.
- Senhoras, senhores e estimado aniversariante - Poncho anunciou - tenho a honra de lhes apresentar Diva!

Uma jovem morena entrou no quarto a dançar. Diante da visão da bela moça num esvoaçante traje de seda vermelha, típico da dança do ventre, a platéia irrompeu em aplausos, assobios e risos.

- Vamos, Uckermann, aja como um homem! - um dos amigos gritou.

- Vou pegar vocês dois - ameaçou o aniversariante.

- Não vai não, meu caro - retrucou Christian. - Porque essa moça não o deixará em condições de pegar ninguém.

A gargalhada foi geral.

Diva emprestava uma sensualidade toda especial à dança. Seus cabelos longos balançavam lascivamente nas costas enquanto uma meia-lua dourada cintilava na testa. Os seios voluptuosos pareciam prestes a escapar da tira de pano que os cobria, e o tecido diáfano deixava entrever as pernas bem torneadas. Uma fina corrente de ouro lhe envolvia a cintura.

Tirando uma faixa de seda que fazia parte do traje, ela a passou pelo pescoço de Chris e o puxou para si, ficando com os quadris a centímetros do rosto dele. Encabulado, o aniversariante não sabia o que fazer. E todos riram com sua timidez.


Os insinuantes movimentos abdominais de Diva eram uma alegoria ao eterno desejo entre o homem e a mulher. Aos poucos, Anahí sentiu despertar de uma emoção que tanto se empenhara em manter adormecida. 
Tratava-se apenas do vestígio de uma emoção, de um lampejo da percepção de que, por trás de seu comportamento frio e apesar da deficiência, era uma mulher com as mesmas carências afetivas de todas as mulheres.

A vibração das cordas, a batida dos tambores, o estrépito dos pratos, a ondulação dos quadris... Tudo evocava o ritmo do ato de amar...

Como se tivessem vontade própria, os olhos de Anahí procuraram os de Alfonso, do outro lado do recinto.
Ele olhava para ela, não para a dançarina.
Desta vez não sorria. Mas fitava-a com uma expressão significativa. Por um momento o coração de Anahí pareceu acompanhar o ritmo da música. Pulsante e inebriante.
Ela desviou o olhar, perturbada. Por que o tinha encarado? Por que seu coração batia tão depressa? A ânsia de paz emocional obrigou-a a não questionar naquele momento.

Então procurou concentrar-se na exibição. Diva deslocava a atenção para os outros presentes - um sorriso sedutor aqui, um requebro provocante ali. Inevitavelmente se aproximou de Poncho. A reação dele foi cortês, porém indiferente.

Não surpreendeu Anahí a escolha da dançarina. Poncho era sem dúvida o homem mais bonito da festa, além de possuidor de um charme irresistível. Alguém que parecia viver cada momento em sua plenitude, um ser radiante no sentido mais amplo da palavra.

Essa imagem contrastava com a que Anahí fazia de si mesma. 
Considerava-se o retrato da frustração, do desânimo, enquanto Alfonso era a vivacidade, o otimismo em relação ao futuro.

Diva passou a faixa ao redor do pescoço dele. Ambos sorriram instigados pelos espectadores. Só Anahí não vibrou com a cena. Em seu íntimo surgia um sentimento que ela recusava a classificar como ciúme, embora fosse perturbador, quase insuportável.


A música acabou abruptamente. Seguiram-se os aplausos. Com um sorriso insinuante, Diva puxou a faixa do pescoço de Poncho e se aproximou de Chris. Deu-lhe um beijo, parabenizando-o pelo aniversário, antes de se retirar erguendo a tira de seda num movimento sensual. Christian e Poncho a acompanharam até a porta, quando então lhe pagaram pela apresentação.

Emocionalmente e fisicamente inquieta Anahí levantou-se, sentindo dores no quadril. Devia tomar um analgésico agora? Talvez fosse melhor esperar um pouco mais.

- Aceita outra Perrier? - ofereceu a bela líder da torcida dos Cowboys.

- Sim, obrigada.

- Foi uma exibição empolgante! - a moça comentou enquanto servia a bebida. - Imagine ser capaz de se mover daquele jeito. Eu mal consigo levantar a perna para o alto, mas aquela dançarina...

- Ela é realmente impressionante - concordou Anahí. Imaginando que se contentaria em poder mover-se normalmente.

- O que aconteceu com você? Um acidente? - Era uma pergunta típica, que de forma alguma ofendia Anahí.

- Não, sofro de artrite.

- Artrite? Mas você é tão jovem!

- Essa doença não respeita idade.

Enquanto as duas conversavam, alguém pôs uma fita romântica para tocar. Outra pessoa abriu as cortinas, revelando Nova Orleans em toda sua magnitude milhares de luzes cintilando como diamantes na noite escura.

Anahí pressentiu a presença dele antes mesmo de vê-lo.
- Você está bem? -indagou Alfonso.

- Levantei-me um pouco para descansar. Ficar sentada muito tempo é quase tão ruim quanto permanecer de pé.

- Dói?

Alguém apagou as luzes, deixando apenas a luminosidade tênue de um abajur criar um ambiente romântico. Alguns casais começaram a dançar.
- Nada de se aproveitar do escuro - uma voz masculina advertiu.

- Por quê não? - outra pessoa rebateu.

- Muito bem, todo mundo se agarrando - concluiu a primeira voz.

- Estou bem - Anahí respondeu evasivamente à pergunta de Alfonso.

- Então vamos dançar.


Antes que ela pudesse considerar a proposta, Alfonso envolveu-lhe a cintura, puxou-a de encontro a si e ficou imóvel, abraçando-a. 

Quando a surpresa inicial passou, a realidade da situação deixou-a aturdida. Estava nos braços de Alfonso, sentindo o cheiro másculo de sua colônia, o rosto quase colado no dela.

- Abraçar-se, minha querida - ele lhe sussurrou ao ouvido, provocando um arrepio-, é no que se resume a dança de todos os casais.

Querida... Ele a chamara assim com raiva e de brincadeira. Como a palavra soaria pronunciada com amor? Bem, não adiantava perder tempo com essa idéia. O importante agora era ignorar aquela leveza que os braços fortes lhe transmitiam. Para isso, resolveu puxar assunto.

- Por que é tão ruim chegar aos trinta?

- Em nosso meio, significa atingir a meia-idade. Passando muito disso, já se é considerado um velho. A partir dessa idade, ficamos em compasso de espera.

- Como assim?

- Espera pela decadência do corpo. Os joelhos em geral são os primeiros. Nos quarto zagueiros também o braço arremessador. Aguardamos então o dia negro em que nos sentiremos a incapacitados para jogar. - Ele a encarou. A expressão sombria. - Estou com trinta e cinco. Quase trinta e seis. - De repente lhe parecia importante partilhar isso com ela.

Anahí, por sua vez, compreendeu o temor que ele sentia e ansiou por consolá-lo.

- Você está uma excelente forma física - murmurou, sentindo a força dos braços dele, a rigidez do peito e a firmeza dos músculos da coxa.

- Está falando como médico do time ou como mulher? - A expressão sombria dava lugar ao ar maroto de sempre.

- O que as outras mulheres dizem? - ela perguntou impulsivamente.

- Nada... Elas sequer suspeitavam da minha crise dos trinta e cinco anos.

Anahí se conscientizou de que estava conhecendo uma faceta daquele homem que poucos, se é que alguém, conheciam.


- "Medo é a cor da meia-noite" - ela recitou num sussurro. - "O som de demônios desconhecidos que chamam seu nome. Medo é fogo, e tempestade, e lugares indescritivelmente frios com os ventos da vida. Medo é trilhar por um caminho escuro e inalterado e de repente perceber que ele não leva a lugar nenhum. Mas ter de caminhar para sempre por ele. Sozinho."

Alfonso fitou-a consciente de que ela também conhecia o medo. Anahí se desconcertou e riu.
- É apenas algo que li uma vez.

Sem nada dizer, Alfonso tomou-lhe as mãos e levou-as até seu pescoço. Então voltou a abraçá-la pela cintura.

Os dois corpos se roçavam à altura dos quadris. Para ambos, porém, o momento era mais do que sensual. Também tinha algo de espiritual. Dois seres e os ventos frios da vida...

Com uma persistência implacável, a dor começou a se intensificar, tornando-se a cada minuto mais forte e aguda, obrigando Anahí a buscar uma postura menos incômoda.

- Você está bem?

- Sim - ela mentiu, ansiosa por não sair do calor daquele abraço.

A música acabou. A dor não.
- Alguém já lhe disse que você dança muito bem? - Poncho perguntou.

- Para ser franca, não. - Ela apressou-se em buscar uma posição confortável no banco alto.

- O que acha disso, Poncho? - alguém da turma o interpelou. 

Aproveitando a distração dele, Anahí pegou um comprimido na bolsa.

- O que acho sobre o que?

- Sobre viajar para o Colorado amanhã. O suéter novo de Chris nos inspirou a ir esquiar.

- Vamos sim - outro encorajou.

- Por que não? - interpelou Chris. - Estamos de férias.

- Podem contar comigo - Christian também aprovou a idéia.

- Eu também - mais um gritou.

Enquanto isso Anahí tomou o analgésico com água Perrier. Em questão de minutos, a viagem para esquiar estava planejada.

- E então, Herrera, vai conosco ou está fora?

- Pensarei a respeito - ele respondeu, os olhos fixos em Anahí desde que a vira tomar o comprimido. Não era preciso muita imaginação para adivinhar para que servia o remédio.



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Autor(a): eduardah

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- Você também, Anahí, venha conosco - convidou a líder de torcida. - Vamos nos divertir muito esquiando, sentando perto da lareira para tomar conhaque quente e... - A moça se interrompeu ao se dar conta do que dizia.- Obrigada pelo convite. - Como sempre, Anahí procurou contornar o embaraço da garota. - Por mais tentador que o ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 4



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  • dessaya Postado em 21/01/2015 - 19:42:52

    u.u

  • franmarmentini Postado em 21/01/2015 - 13:57:34

    :)

  • franmarmentini Postado em 25/08/2014 - 16:34:36

    consegui ler tudo ;)

  • franmarmentini Postado em 25/08/2014 - 07:53:46

    nossa...fiquei muito feliz por vc repostar denovo :) ja vou começar a ler por aki os primeiros capitulos ;)


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