Fanfic: Novo Mundo
Eles estavam correndo atrás de mim, quase me alcançando. Eu corria pela minha vida, tudo no automático, modo fuga ligado. Acabei tropeçando no meu próprio pé em toda aquela correria, cai no chão e antes que pudesse tentar me levantar uma mão segurou meu braço fortemente, virei o rosto e tudo que pude ver foram aqueles olhos pratas, o olhar das almas.
Chutei a coberta longe, estava tendo mais um de meus pesadelos. Esse era o mais comum, que as almas me encontrariam e colocariam uma delas em mim. Lavei meu rosto e analisei meus olhos no espelho, sabia que encontraria castanhos entediantes, no entanto, reconfortantes. Pisquei algumas vezes confirmando que nada mudaria e expirei em alivio. Analisar meus olhos tinha se tornado uma rotina, antes também passava a mão no meu pescoço para sentir a pele lisinha, mas já fazia algum tempo que tinha falsificado a cicatriz.
Deixei o banheiro e sentei na frente do meu computador, o liguei e logo fui cumprimentada com o `whoosh` do ar passando pelas ventoinhas. Acho que hoje escreveria sobre meu sonho, a semana em si tinha sido bem calma, mal tinha saído da casa. Meu blog ficava em um lado B da internet, onde as almas não encontrariam, apenas a malícia de um humano o levaria a quebrar códigos para chegar nessa área. Eu me sentia menos sozinha escrevendo pra algo que humanos poderiam ter acesso, mas mesmo depois de todos esses anos, nunca nem um acesso, estava falando sozinha. Onde quer que os humanos estejam, eles não têm acesso ao computador.
"Entrada 1073
Hoje o dia não começou nada bem, quero dizer, outro pesadelo. O mesmo de sempre, ser perseguida pelas almas e achar que elas vão me pegar. Já virou costume porém ainda me assusto bastante, acordo suando e exaltada. A única vantagem é que já fazem anos que deixei de gritar, você sabe, mais pela sobrevivência. Sonhos agradáveis me faltam, não tenho nada bom a imaginar faz tempo, pela escassa possibilidade de sair de casa acabo ficando descansada demais, se é que isso é possível. Estou esperando uma brecha para poder ir até uma livraria, já li todos os livros que tenho, algumas vezes. Queria poder ir a uma biblioteca, sempre gostei da sensação, de conhecimento infinito, porém é tão arriscado quanto uma livraria, e saber que não posso pegar nem um livro é tortura. Se não devolver é certo que irão me achar. Do jeito que essas almas são certinhas, nem mesmo atrasam livros na biblioteca. Os dias me passam sem sentido, não tenho nada a desejar ou esperar. Desejar e esperar que os humanos tomem o planeta de volta é esperança em vão. A este ponto sonho apenas em encontrar outro humano, ou qualquer contato, nem que seja por este blog."
Postei e sai do computador. Subi as escadas do porão e encontrei minha tia na cozinha, lavando a louça. Seu cabelo loiro brilhava com a luz do sol, ela se virou e seu olho ficou ainda mais prata no sol.
- Olá querida, dormiu bem?
Sorri e acenei com a cabeça, sentei na mesa pensativa. Minha tia era uma alma, quero dizer, ela era minha tia, mas tinha uma alma nela. Todas suas memórias estavam lá vivas, e eram tão fortes que ela, Rosa, me amava também. Minha tia, Tereza, me criou desde pequena, meus pais morreram muito cedo, mal lembrava deles. E assim que foi colocada lá, veio me procurar, onde sempre me escondi, no porão.
- Outro pesadelo.
- Ah, não consegue ficar livre deles, não é? Não se preocupe querida, você está a salvo, não vão te achar, não existem razões para procurarem por você.
Era verdade, assim que me achou reportou para os Procuradores que eu não estava na casa, e teria fugido e provavelmente não teria sobrevivido. Os Procuradores longe de duvidar de uma alma a deixaram livre e nunca questionaram mais meu paradeiro. Já estávamos aqui faziam anos, eu estava perto de completar meus 16 anos.
- Fiz uma torta de legumes, quer que esquente? Você deve se alimentar, ai pode sair, hoje está um belo dia, com todo esse sol um óculos cairia bem.
Antes que pudesse responder ela já estava ligando o forno e enchendo um copo com limonada. Quase nunca saia de casa, e quando conseguia uma oportunidade dessa sempre tomava cuidados. Sair em dias em que as ruas são menos movimentadas, horários menos movimentados, dias ensolarados onde poderia usar óculos de sol e não ter meu olho notado. Quase nunca entrava em lugares fechados, manter os óculos com certeza levantaria suspeitas. As almas são estranhamente corretas e seguem todas regras e lógicas. O mais importante era passar despercebida.
Comi toda a torta e corri para meu porão para colocar patins e óculos para sair, e aproveitar o resto de sol do dia. A parte mais difícil era com certeza sair e ver antigos vizinhos, amigos e colegas agora todos com almas dentro deles. A maioria das vezes passava despercebida, não me reconheciam depois de tantos anos, além de eu ter mudado a cor do meu cabelo, até onde sabiam eu era a menina que morava na casa de Rosa que quase ninguém via. E como não tinham nada a suspeitar, andar pelo bairro era bem tranquilo.
Sai com meus patins e segui pelo meu percurso favorito, era mais longo que o caminho comum para o parque, mas também haviam menos pessoas, e a verdade é que quando mais tempo passava longe de casa melhor. A vida sozinha era cansativa. Ver o movimento, mesmo que pouco era reconfortante. As vezes até conseguia fantasiar que nada tinha mudado, mas a verdade é que nem eu sabia como o mundo deveria ser sem as almas, quando chegaram eu era muito nova.
Escolhi o lugar mais vazio e mais longe da entrada do parque, me joguei na grama e senti aquele cheiro reconfortante, poderia viver aqui. Fechei meus olhos e sonhei com um mundo perfeito, onde almas e humanos coexistiam e tudo era lindo.
*
Senti algo no meu rosto, pinicando. Mexi o nariz em incomodo e coloquei a mão. Era uma folha. Encarei minhas pálpebras agora pretas ao invés de vermelhas da luz do sol. Abri os olhos desesperada, o sol já estava se pondo, quase sumindo, estava anoitecendo e ainda não estava em casa, Rosa deveria estar louca atrás de mim.
Coloquei de volta os patins e guardei o óculos de sol jogado no bolso, me levantei e tentei me limpar de restos de terra, grama e folhinhas. Sai correndo do parque rumo minha casa, na dúvida se arriscava o caminho mais curto e movimentado, no entanto chegando mais rápido, ou o mais longo e menos movimentado. Decidi que ambas tinham a mesma probabilidade de erro, então optei pelo caminho que estava acostumada. Patinava como se não houvesse amanhã, sempre olhando por cima dos ombros para ter certeza que não estava sendo seguida, o que apesar de improvável, meu medo era maior. Estava me aproximando da esquina onde a loja de conveniência ficava, olhei pra trás mais uma vez para me certificar, em um milésimo de segundo ao desvirar me choco com uma menina e caímos no chão, entrelaçadas. Antes que pudesse doer tornozelo, perna ou qualquer outra parte do corpo, sou consumida pelo medo. É agora, o momento que sonhei minha vida inteira, de um jeito ruim, meu maior pesadelo se realizando. Não consigo me soltar dela e estou desesperada, no calor do momento nem vi outras duas figuras se aproximando, só me chamaram atenção quando uma delas gritou:
- Ei! Você! Qual o seu problema?!
Autor(a): Angelina
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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Nunca desejei morrer tanto quanto agora. O que aconteceria comigo? Consegui em toda a pressa dar um encontrão em uma alma, como pude ser tão desastrada? Perder hora, não prestar atenção, não parava de me xingar internamente. Fiquei com a cabeça baixa para que não vissem meus olhos, quem sabe conseguiria fugir dessa, min ...
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