Fanfic: C'est' finale (AyD) | Tema: Portiñon, AyD, Dulce & Anahi

Abri a janela e fui recebida por um baque de vento frio que atingiu em cheio meu rosto, secando os últimos vestígios de umidade que restavam ali. Eu havia passado o dia parcialmente presa em meu quarto. Chorado boa parte das vezes sozinha, feito uma criancinha quando perde um brinquedo. Eu estava prestes a perder o meu, só que a essa altura... eu não sabia mais como classificá-lo.

Anahí havia feito o que nenhum homem foi capaz de fazer comigo. Ela me irritava... me seduzia... me satisfazia. Me fazia odiá-la e ao mesmo tempo querer cuidar dela. Uma bagunça de sentimentos que, de nenhuma forma, poderia soar como algum tipo de pecado.

Será que esse sentimento torturante é o que chamam de amor? Será que foi preciso perdê-la pra me dar conta de que... eu a amava?

Suspirei, espantada por não sentir nenhum tipo de repulsa naquele pensamento insólito. Andei pelo quarto a passos impacientes, me vendo atravessar a noite daquela forma, sem conseguir dormir.

A lembrança do seu pedido de repente estalou em minha cabeça. Eu tinha uma promessa pra cumprir, e aquilo poderia soar de todas as formas, mas eu sabia da verdadeira, eu só queria estar ao seu lado... mais uma vez.

- Nem que seja a última! - Murmurei, já com a mão na maçaneta.

Nos segundos seguintes eu descia as escadas em passos trôpegos, com a respiração ofegante e o coração acelerado.

Encostei meus dedos na madeira maciça da porta e suspirei ao perceber que estavam trêmulos. Em seguida, escorreguei os mesmos até que eles se fechassem ao redor da pequena maçaneta de metal, me causando uma ligeira sensação de segurança que duraria até que eu impulsionasse o objeto e adentrasse pela porta, já aberta.

Um baque de alívio me consumiu ao vê-la ali, debruçada sobre a cama dormindo com suas feições de anjo, num sono que parecia ser recente.

Era possível dormir daquele jeito, mesmo diante de uma noticia como aquela? Será que só eu sofria com a sua partida?

- Anahi... - Murmurei, deslizando meus dedos em seu pé, na tentativa de acordá-la com meu toque.

A loira se moveu sob os lençóis e grunhiu algo sem parecer notar minha presença. Levei a mão até seu ombro e o balancei fazendo com que ela se assustasse ao finalmente acordar.

- Dulce? - Indagou num sussurro rouco, buscando minha imagem na escuridão do seu quarto.

- Levanta daí! Você tem muito que aprender por hoje. - Ordenei, dando a volta na cama e acendendo a luz.

Anahi levou as mãos ao rosto se defendendo da claridade repentina e apoiou os cotovelos na cama, se inclinado sobre eles e sentando em seguida.

- Eu to sonhando? - Esfregou os olhos e me olhou novamente. - É você mesmo?

- Não, é o Michelangelo! Claro que sou eu, você não tá sonhando, patricinha... tem mais alguma pergunta? - Ela entreabriu a boca, porém permaneceu muda. – Ótimo, agora vamos!

- Revoltada assim só pode ser você mesmo! Ei, mas espera aí...

Segui até a porta e parei, me virando pra olhá-la.

- Achei que estivesse doente... o que está fazendo aqui?

- Bom, eu estou cumprindo a minha promessa... ou por acaso já perdeu o interesse por meus quadros?

Anahí franziu o cenho parecendo analisar por alguns segundos minhas palavras e depois sorriu, parecendo concordar com seu sorriso  naquela aula repentina em plena madrugada.

- Você é louca sabia? - Levantou, atraindo minha atenção pro seu corpo. - Mas eu topo o desafio.

Anahi vestia apenas um blusão que se ajustava perfeitamente em seu corpo, deixando a mostra seu ombro esquerdo e cobrindo apenas uma parte das suas coxas.

Como ela conseguia ser provocante até dormindo?

- Você... não vai se vestir?

- Eu já estou vestida... - Me olhou, baixando provocantemente o tom da sua voz. - Professora..

Estremeci e embora eu não estivesse querendo ser forte naquela noite, podia sentir o grau de dificuldade que teria em ensinar minha mais nova ‘aluna’. O que me aliviava era saber que enquanto estivesse do seu lado, esqueceria de todo resto.

- Bom, não vamos precisar de apresentações. - Desci a escada sob o ranger do velho piso de madeira e liguei a meia luz, que clareou apenas uma parte daquele lugar. – Acho que você já conhece o meu ateliê/sótão. - Brinquei me virando pra encontrá-la.

Ainda parada na escada, Anahí sorria enquanto seus olhos azuis analisavam atentamente cada detalhe daquele minúsculo espaço em que estávamos, dando uma claridade própria ao seu rosto, capaz de desnortear o mais reles dos seres.

Era quase impossível resistir a sua presença tão estarrecedora.

- São mesmo fascinantes, Dul. - Comentou me despertando do transe, seguiu em seguida até o pequeno armário de madeira posto recentemente por mim. – Ei, isso não estava aqui da última vez... o que guarda nele?

Olhei por armário colocado entre as paredes e imaginei o que Anahí diria se visse seu rosto pintado em formas e telas diferentes.

Um ótimo esconderijo dos meus desabafos nas noites confusas.

- Não! - Exclamei, afastando sua mão da gaveta. - Você tem que se preocupar apenas com aquilo.

Apontei a tela em branco ao centro da sala, Anahí se aproximou e deslizou seus dedos pela superfície lisa da mesma, com um ar de desinteresse pairando em seu rosto.

- Você é o mistério em pessoa, Dulce! - Olhou de relance para o armário e em seguida pra mim. - Não é mesmo?

- Não, você que é curiosa demais não é mesmo?! - Segurei seus ombros e os girei deixando seu corpo frente à tela novamente. - Esse será seu objeto de trabalho, não deve desprezá-lo.

- Desculpa... professora. - Sussurrou, e eu percebi que havia ficado sem graça.

- Está bem! - Puxei a banqueta com os pincéis e pus ao seu lado. - Aí está o que você precisa, são essas coisas que irão dar vida a essa tela.

Girei nos calcanhares e fiquei na sua frente, deixando apenas a tela entre nós.

- Pra começar quero que você pinte alguma coisa, algo que goste...

- Não quer ver o estrago, não é mesmo? - Brincou, se referindo a minha mudança de posição.

- Acredite, você vai se concentrar melhor se eu não estiver olhando.

- Isso serve só pra tela ou pra mim também?

Virei os olhos e dei as costas. Ela riu baixinho e eu fiquei imaginando seu rosto clareando com aquele sorriso.

- Alguma dica? Acho melhor você ter, porque eu não faço noção do que pintar aqui.

- Bom, você tem que enxergar além do que está vendo. Deve imaginar as formas antes de expressá-las, mas não exatamente o que vai pintar. Deixe que isso surja naturalmente, me entende?

- Claro! Você me ajudou bastante! - Ironizou, me fazendo rir do tom da sua voz.

- Fecha os olhos! - Ordenei inclinando o rosto pra olhá-la. Any obedeceu sem questionar e, por alguns instantes, me deleitei com aquele fato. - Agora imagine algo que seja capaz de mexer com você, algo que te irrite profundamente, que te tire do sério ou faça você perder a cabeça, mas que... ao mesmo tempo, seja algo do qual queira...bastante.

A loira abriu os olhos lentamente, me devorando com aquele par de olhos azuis provocantes. Virei o rosto e suspirei, tentando manter o equilíbrio que ela ameaçava roubar sempre que me olhava daquele jeito.

- Agora ponha tudo na tela!

Cruzei os braços e esperei pacientemente pelo fim de seu trabalho. Podia ouvir o som do pincel deslizando timidamente pela tela. Sentir o cheiro da tinta escorregadia pairando sob o ar abafado daquele lugar e a sintonia que me envolvia diretamente naquele ambiente, mesmo que não fossem as minhas mãos que estivessem trabalhando, mas sim as mãos suaves e macias de Anahí.


Era como se, de alguma forma, eu estivesse ligada a ela.

- Pronto, já pode parar de fingir que não tá curiosa!

Virei-me em um movimento rápido revelando assim minha ânsia. Anahí enlargueceu o sorriso estampado em seu rosto e pôs as mãos na tela ameaçando girá-la a qualquer momento.

O que ela poderia ter pintando em tão pouco tempo?

- Algo que mexesse comigo... que me irritasse... e me fizesse perder a cabeça. - Me encarou e eu estremeci mais uma vez. - Mas que eu quisesse bastante...

Suas mãos viraram o quadro e eu passei a acompanhar, desnorteada, os traços tortos destacados na tela, como numa sequência de riscos que formavam algo parecido com um boneco... e se não fosse a cabeleira ruiva, não descobriria que se tratava de um retrato meu.

Tirei meus olhos do quadro e a olhei, um olhar que transformou o sorriso ansioso em seus lábios, numa risada travessa que eu acabei acompanhando já completamente desarmada.

- O que acha da minha obra prima? Pega leve viu...

- Acho que ofendeu aos deuses da arte! - Exclamei, e ela pareceu se divertir com a minha crítica. - Você é terrível!

- Credo! Que parte do pega leve, você não entendeu?

- Estou sendo sincera!

- Sua sinceridade cativa. - Virou o quadro novamente e tornou a observá-lo. - Achei que nesses lances de arte o que valesse é o sentimento..

Me aproximei sendo seguida por seus olhos curiosos e parei ficando atrás da mesma. Anahí não se mexeu, apenas deixou que eu guiasse seu braço pela estrutura grossa da tinta que ela havia usado ainda a pouco.

- O que você sente? - Sussurrei, e percebi que ela havia se arrepiado. - Sente algo forte quanto toca na tela?

- Não..- Retrucou, me surpreendendo com o mesmo tom de voz. – Só sinto algo quando eu toco em você... - Virou repentinamente tomando meu rosto entre suas mãos, seus olhos me devoravam e eu podia me embriagar com o cheiro do perfume natural da sua pele.

Eu não poderia resistir, quando na verdade, já estava completamente entregue aquela mulher.