Fanfics Brasil - Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada

Fanfic: Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada


Capítulo: 21? Capítulo

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DE HÁ MUITO DONA MARICHELO CONTROLAVA COM MÃO DE FERRO O PARCO dinheiro das comissões, entregando semanalmente ao representante comercial os estritos níqueis para o bonde e para o maço de cigarros Aromáticos – um maço a cada dois dias. Pois, ainda assim, o dinheiro economizado mal deu para as despesas do enterro, das roupas de luto, para os dias de nojo. Comissões a receber das ultimas vendas, quase não existiam, uma ridicularia, e dona Marichelo viu-se com o filho rapazola e ginasiano e as duas filhas mocinhas – Any apenas adolescente – e sem fonte de renda.


Nem por ser ela quem era, agre e desabrida, de convivência desagradável e difícil, nem por isso devem-se negar ou esconder suas qualidades positivas, sua decisão e força de vontade, e tudo quanto fez para completar a criação dos filhos e para manter-se pelo menos na posição onde a deixara a morte do marido, sem rolar Ladeira do Alvo abaixo para os cantos de rua ou para os sórdidos quartos dos casarões do Pelourinho.


Agarrou-se ao sobrado com toda sua violenta obstinação. Mudar-se dali para moradia mais barata significava o término de todas as suas esperanças de ascensão social. Precisava manter Heitor nos estudos até o fim do curso secundário, empregá-lo depois, e casar as meninas, casá-las bem. Para isso era preciso não descer, não deixar-se arrastar pela pobreza sem máscara, exposta e despudorada, sem pejo nem vergonha. Ela, dona Marichelo, sentia vergonha da pobreza, ah! Muita vergonha, como de um delito a merecer castigo.


Tinha de permanecer no andar da Ladeira do Alvo, custasse o que custasse. Assim explicou ao cunhado quando ele viera emprestar-lhe as economias de dona Lita (pagas depois por dona Marichelo, tostão a tostão, diga-se em sua honra). Nem casa de preço razoável no fim do mundo da Plataforma, nem porão habitável na Lapinha, nem quarto e sala sublocados nas Portas do Carmo; manteve-se plantada na Ladeira do Alvo, no sobrado de aluguel relativamente elevado, sobretudo para quem como ela, não dispunha de posses, nem muitas nem poucas.


Dali, das sacadas amplas do primeiro andar, podia olhar o futuro com confiança: nem tudo estava perdido. Modificaria os planos anteriores sem desistir de suas pretensões. Se de imediato cedesse, largando a casa bem posta, mobiliada, com tapetes e cortinas, indo para um cortiço qualquer, já não lhe seriam permitidas sequer esperanças e ilusões. Veria Heitor atrás de um balcão de secos e molhados, quando muito de uma loja, caixeirinho a vida inteira; veria as meninas com idêntico destino, se não fossem terminar garçonetes de bares ou cafés, no frete dos patrões e dos fregueses, caminho direto para a zona, para o horror das ruas de mulheres-damas. Dali, do sobrado, podia resistir a todas essas ameaças. Abandoná-lo era como render-se sem luta.


Por isso recusou oferta de emprego de balconista para Heitor, arranjado por Antenor Lima. Assim como não admitiu sequer discutir com Rosália, quando a filha lhe apareceu disposta a trabalhar, como uma espécie de recepcionista e secretária, na "Foto Elegante", florescente estabelecimento da Baixa dos Sapateiros, onde Andrés Gutiérrez, espanhol moreno e de bigodinho recortado, explorava a arte fotográfica em suas mais diversas modalidades: desde os instantâneos três por quatro, para carteiras de identidade e profissionais ("entrega em vinte e quatro horas"), até as "incomparáveis ampliações coloridas, verdadeiras maravilhas", passando pelos retratos dos mais diversos tamanhos e pelos flagrantes de batizados, matrimônios, primeiras comunhões e outros festivos eventos, dignos da amarelecida eternidade dos álbuns familiares. Onde houvesse uma fotografia a fazer, lá surgia Andrés Gutiérrez com sua máquina, seu ajudante, um chinês sem idade de tão velho, encarquilhado e suspeito. Rumores circulavam - haviam chegado aos ouvidos de dona Marichelo, sempre aguçados para esses falatórios - sobre Andrés, sua "Foto Elegante", seu ajudante e a amplitude do negócio. Diziam ser de sua produção certos postais vendidos pelo chinês em envelopes fechados, supra-sumo da arte naturalista,"nus artísticos" de garantido sucesso. Para tais fotos, segundo as comadres, posavam mocinhas pobres e fáceis, em troca de uns magros mil-réis. De passagem, usufruía delas certamente Andrés, e quem sabe? O chinês; as beatas contavam horrores a propósito do atelier de fotografia. Não é de admirar-se ter dona Marichelo corrido com a filha, quando ela, entusiasmada e ingênua, lhe revelou a oferta do espanhol:


- Se me falar nisso outra vez, te arranco o couro, te dou uma surra de criar bicho. . .


A Andrés ameaçou com cadeia, atirando-lhe às fuças todo seu círculo de relações de prestígio: fosse se meter com sua filha e veria o resultado, galego porco de uma figa, com suas imundícies, sua devassidão; ela, dona Marichelo, iria à polícia. . .


Andrés, também ele de cabelo na venta, espanhol de maus bofes revidara no mesmo diapasão. Começou dizendo que galego era o chifrudo pai de dona Marichelo: então ele, condoído com a situação da família após a morte de seu Gil, homem educado e bom, merecedor de melhor esposa, vinha oferecer um emprego à moça, a quem mal conhecia no único intuito de ajudá-la, e a paga que obtinha era essa vaca histérica a gritar nas portas de seu estabelecimento, ameaçando deus e o mundo, inventando histórias, calúnias miseráveis? Se ela não silenciasse aquela latrina que usava como boca, que fosse se estourar nos infernos e depressa, quem chamaria as autoridades seria ele, cidadão estabelecido, cumpridor das leis, em dia com os impostos, ele, andaluz de boa cepa, e aquela bruxa a xingá-lo de galego . . . Indiferente à disputa o chinês limpava com um fósforo as unhas compridas como garras, unhas que, segundo as más línguas. . .


Verdade ou não aquelas excitantes histórias, dona Marichelo não criara as filhas, não as educara, prendadas e gentis, para o bico de nenhum Andrés Gutiérrez, andaluz, galego ou chinês, pouco se lhe dava. . . As filhas eram agora sua alavanca para mudar o rumo do destino, sua escada para subir, para elevar-se. Recusou outros empregos, mais bem intencionados, para Rosália e Flor, não queria as moças expostas ao público e ao perigo. Lugar de donzela é no lar, sua meta o casamento, assim pensava dona Marichelo. Mandar as filhas para balcão de armarinho, bilheteria de cinema, sala de espera de consultório médico ou dentário, era entregar-se, confessar a pobreza, exibi-la, chaga mais repulsiva e pestilenta! Poria as meninas a trabalhar, sim, mas em casa, nas prendas domésticas por elas acumuladas, tendo em vista noivo e marido. Se antes, prendas e matrimônio eram detalhes importantes nos planos de dona Marichelo, agora se transformavam na peça fundamental de seus projetos.


Enquanto Gil fora vivo, dona Marichelo planejara formar o filho, fazer dele médico, advogado ou engenheiro, e, apoiada no canudo de doutor, no diploma da Faculdade, ascender às elites, brilhar em meio aos poderosos do mundo. O anel de grau a resplandecer no dedo de Heitor seria sua chave para abrir as portas da gente da alta, desse mundo fechado e distante da Vitória, do Canela, da Graça. Ao lado disso, e em conseqüência, os bons casamentos das meninas, com colegas do filho, doutores de linhagem e de futuro.


A morte de Gil tornava impraticável aquele plano em longo prazo: Heitor ainda estava no ginásio, faltando-lhe dois anos para terminar o secundário - se atrasara, andara sendo reprovado nos exames. Como sustentá-lo durante cinco ou seis anos na Faculdade, estudos demorados e caros? Com esforço e sacrifício poderia mantê-lo no colégio – cursava ele o Ginásio da Bahia, estabelecimento estadual e gratuito – até concluir o ginásio. Possuindo curso secundário completo, ser-lhe-ia possível escapar aos míseros empregos no comércio, a vida toda marcando passo, de metro na mão. Talvez conseguisse lugar num banco ou, por que não? Uma sinecura oficial, emprego público, com garantias e direitos, gratificações e aumentos, promoções, abonos e outros adicionais. Para tanto dona Marichelo contava com suas relações influentes.



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Autor(a): Bela

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 6



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  • bela Postado em 08/09/2009 - 11:57:21

    Postei em Dona Any e Seus Dois Maridos ....
    comentem por favor sim....
    bjinhoss

  • anacarolinaa Postado em 30/08/2009 - 20:53:01

    oii! será que você pode conferir minha mini web De Repente ?
    Ah! Adorei sua web!
    Obg!
    Bjooo

  • millarbd Postado em 26/08/2009 - 20:26:27

    ADOREIIIIIIIIIIIIII... POSTA MAIS...., PLIS....

  • marcos00 Postado em 26/08/2009 - 20:24:41

    2 leitorr

    kkk

  • bela Postado em 26/08/2009 - 19:54:13

    eba !!!! primera leitora... q bom q gostou ... espere q goste do resto...rsrsrs

  • millarbd Postado em 26/08/2009 - 17:00:25

    1 leitora... ja gostei.. posta logo!


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