Fanfics Brasil - Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada

Fanfic: Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada


Capítulo: 24? Capítulo

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Assim, a completa verdade sobre Marichelo, o artesão só a veio conhecer depois de casado. Haviam decidido habitar todos no primeiro andar da Ladeira do Alvo, solução econômica e sentimental, pois gastariam menos e continuariam juntos, e outra coisa não demonstravam querer Morais e dona Marichelo senão continuarem para sempre juntos. Rosália resistira a esses planos temerários, "quem casa quer casa", recordava ela, mas como fazer frente a essa lua-demel da mãe e do noivo?


Não durou seis meses a lua-de-mel, desfez-se a combinação, pois, como informou o genro aos conhecidos: "Só Cristo agüentaria morar com dona Marichelo e ainda assim não era certeza, precisava experimentar para ver se o Nazareno tinha bastante competência. Pois talvez nem ele suportasse".


Mudaram-se para o fim do mundo do Cabula, quase zona rural. Morais preferia enfrentar aquêle bonde comprido e lento, viagem de nunca acabar, descarrilhando a tôda hora, atrasado para sempre; preferia sair pela madrugada para chegar a tempo na oficina situada nas imediações da Ladeira dos Galés; meter-se naqueles matos esconsos onde sibilavam venenosas cobras cascavéis e onde os exus dos muitos candomblés da redondeza andavam soltos pelos caminhos fazendo misérias, a tolerar o convívio quotidiano da sogra. Antes as cascavéis e os exus.


No primeiro andar da Ladeira do Alvo ficaram apenas Any adolescente, apurando em moça bonita - delicado rosto, seios altos e altaneiras ancas -, e dona Marichelo, uma dona Marichelo cada vez mais agre, limitada agora às graças e às prendas daquela filha, seus derradeiros trunfos na batalha pela ascensão social, batalha tantas vezes perdida.


Não perdera, no entanto, sua resistência, não se abalara sua firme  vontade de subir, de galgar os degraus a conduzi-la ao mundo dos ricos. Nas suas noites fatigadas de insonia (dormia pouco, ficava a ruminar projetos) decidira não entregar a caçula a nenhum outro Morais. Destinava Any a melhor partido, a rapaz de qualidade, a branco fino, a doutor formado ou a comerciante forte. Defenderia com unhas e dentes aquela última trincheira, não se repetiria o acontecido com Rosália. Não só Any era muito mais dócil e cordata como não receava ficar solteirona, não tinha conversa de casamento, não se levantava contra a mãe quando esta lhe proibia engraçar-se com empregadinhos de escritório, caixeiros de armarinho, galegos de balcão de padaria. Obedecia sem resmungos, não se revoltava aos berros, não se trancava no quarto ameaçando suicídio, num calundu daqueles, como o fazia Rosália quando dona Marichelo, zelosa de seu futuro, lhe interditava qualquer reles namorico. Resultado: casara com aquele mequetrefe do Morais, um zé-ninguém, nem sequer caixeiro, um simples artesão, um operário, que horror! Socialmente ainda menos importante do que elas. Podia ser um colosso no trabalho, podia ganhar dinheiro, ser bom marido, alegre camarada: a verdade, porém, é que a filha, em vez de subir, descera na escala social; assim, pelo menos, amargava dona Marichelo, destinada a outras alturas. Com Any era diferente, não iria repetir-se o equívoco.


Enquanto dona Marichelo forjava planos, Any fazia-se conhecida professora de culinária, especialmente de cozinha baiana. Nascera com o dom dos temperos, desde menina ás voltas com receitas e molhos, aprendendo quitutes, gastando sal e açúcar. De há muito recebia encomendas de pratos baianos, constantemente chamada a ajudar em vatapás e efós, em moquecas e xinxins, inclusive em famosos carurus de Cosme e Damião como o da casa de sua tia Lita e o de dona Dorothy Alves, onde se reuniam dezenas de convidados e ainda sobrava comida para outros tantos. Carurus anuais, promessas feitas aos santos mabaças, aos ibejes. Com o tempo seu renome foi-se espalhando, vinham lhe pedir receitas, levavam-na à casa de gente rica para ensinar o ponto e o tempêro desse e daquele prato mais difícíl. Dona Detinha Falcão, dona Lígia Oliva, dona Laurita Tavares, dona Ivany Silveira, outras senhoras "de representação", de cuja amizade tanto se gabava dona Marichelo, recomendavam-na a amigas, Any não tinha mãos a medir. Foi uma dessas senhoras esnobes e endinheiradas quem lhe deu a idéia da escola, pois, tendo-lhe pedido receitas teóricas e demonstrações práticas, fez questão, ao pagar-lhe o trabalho, de esclarecer que estava remunerando a ótima professora e boa amiga, e não gratificando uma cozinheira. Sutilezas gentis de dona Luísa Silveira, sergipana fidalga toda cheia de astúcias e não-me-toques.


A sério, com escola montada, Any só começou a lecionar depois da partida de Rosália e Morais para o Rio de Janeiro. O mecânico concluiu não ser suficiente a distância entre os altos do Cabula e a Ladeira do Alvo, quis colocar entre sua casa e a sogra o próprio mar-oceano, tomara sagrada aversão a dona Marichelo, "a megera", como dizia: "aquilo é peste, fome e guerra!"


Logo prosperou a escola, até senhoras do Canela e do Garcia, mesmo da Barra, vieram desvendar os mistérios do azeite doce e do azeite de dendê; uma das primeiras foi dona Magá Paternostro, ricaça cheia de relações, entusiástica propagandista dos dotes de Any.


O tempo foi passando, carriam os anos, Any não tinha pressa em arranjar noivo, agora era dona Marichelo quem começava a preocupar-se, afinal a filha caçula já não era menina. Any encolhia os ombros, interessada apenas na escola. O irmão, numa de suas vindas de Nazareth, desenhara um cartaz com tinta de côr - elogiavam muito seu jeito para o desenho -, pendurara sob a sacada:


 



ESCOLA DE CULINARIA SABOR E ARTE



 


Heitor lera nos jornais extenso noticiário sobre uma escola "Saber e Arte", experiência de um fulano vindo dos Estados Unidos, um tal de Anísio Teixeira. Com a mudança de uma letra no título em moda, adaptou-o aos interesses da irmã. Ao lado das letras caprichadas, colher, garfo e faca cruzados em gracioso tripé, completavam a obra do artista (se fôsse


hoje já podia Heitor ir pensando numa exposição individual e na venda de uns quadros a bom preço, mas era naqueles tempos, e o funcionário da Ferrovia contentou-se com os elogios da irmã, da mãe e de certa aluna de Any, uma de olhos molhados, que atendia por Celeste).


As aulas de culinária davam o necessário para o sustento da casa, as parcas despesas de mãe e filha, e também para guardar algum dinheiro, tendo em vista os gastos de um futuro matrimônio. Mas, sobretudo, enchiam o tempo de Any, libertavam-na um pouco de dona Marichelo a repetir-lhe quanto sacrifício lhe custara criar e educar os filhos, criar e educar aquela filha caçula, e de como lhe era necessário encontrar marido rico que as arrancasse dali, da Ladeira do Alvo e do fogão, para as delícias da Barra, da Graça, da Vitória.


Any, porém não parecia preocupada com namôro ou noivado. Nas festinhas, dançava com uns e com outros, ouvia os galanteios, sorria agradecida, não ia além disso. Não correspondeu nem mesmo aos apaixonados apelos de um doutorando em medicina, um paraense alegre, festeiro e almofadinha. Não lhe deu corda, apesar da excitação de dona Marichelo: finalmente um estudante, e quase doutor, aspirava à mão de sua filha.


 


- Não gosto dêle . . . - declarou Flor, peremptória. - Feio como o cão . . .


 


Não houve conselho nem bronca de uma dona Marichelo em fúria que a fizesse mudar de opinião. A mãe entrou em pânico: iria repetir-se o caso de Rosália, revelando-se Any igual a irmã, obstinada, disposta a resolver por conta própria sobre noivo e casamento? Quando pensava ter na filha mais moça a repetição da natureza do finado Gil, curvada à sua vontade, lá saía ela a antipatizar com o doutorzinho às vésperas do diploma, filho de pai latifundiário no Pará, dono de navios e ilhas, de seringais, matas de castanheiros, tribos de índios selvagens e rios imensos. Recamado de ouro. Dona Marichelo partira a informar-se e, na volta, após ouvir alguns conhecidos, já se fazia na Amazônia a reinar sobre léguas de terra, a mandar e desmandar em caboclos e índios. Finalmente aparecera o príncipe encantado, não fora inútil sua espera, nem seu sacrifício mal-empregado. Num navio do rio Amazonas aportaria ela nas soberbas casas da Barra, nos trancados palacetes da Graça, os donos a cortejá-la em salamaleques e adulações.


Any sorria com seu delicado rosto redondo, cor de mate, sorria com as formosas covinhas das faces, com os olhos surpresos, repetia com sua voz cansada, voz de dengo e de madorna:


 


- Não gosto dêle . . . E feio como a necessidade . . .


 


"Que diabo ela pensava?", dona Marichelo subia a serra. Any estava agindo como se casamento fosse gostar ou não gostar, houvesse homem feio e bonito, como se pretendente igual a Pedro Borges andasse sobrando pela Ladeira do Alvo.


 


- O amor vem com a convivência, minha condessa de titica, com os interesses em comum, com os filhos. Basta que não haja antipatia. Voce tem raiva dele?


 


- Eu? Não, Deus me livre. Ele é até bonzinho. Mas só caso com o


homem que eu ame . . . Esse Pedro é um bicho de feio . . .  - Any devorava


romances da Biblioteca das Moças, apetecia-lhe rapaz pobre e bonito, atrevido e moreno.


Espumava dona Marichelo de raiva e excitação; a voz esganiçada cruzando a rua, transmitindo os ecos da disputa a todos os vizinhos:


 


- Feio! Onde já se viu homem feio ou bonito? A beleza do homem, desgraçada, não está na cara, está é no caráter, na sua posição social, em suas posses. Onde já se viu homem rico ser feio?


 


Quanto a ela, não trocava o feioso Borges (e até não era tão horrível assim, um tipo alto e forte, a cara um pouco espinhosa, é verdade) por toda essa caterva de moleques atrevidos e insolentes do Rio Vermelho, sem tostão no bolso, sem onde cair mortos, uns vagabundos. O doutor Borges - antecipava-lhe o título - era moço de bem, via-se logo em seus modos, de família distinta do Pará, distinta e podre de rica. Ela, dona Marichelo, tinha sabido: a residência dêles em Belém era um palácio, só de criados mais de uma dúzia. Uma dúzia, ouviu, filha ruim, caprichosa e tôla, fátua e absurda. Todos os pisos de mármore, de mármore as escadarias. Estendia as mãos, teatral:


 


- Onde já se viu homem rico ser feio?


 


Any sorria, as covinhas do rosto eram uma lindeza, não tinha pressa em casar. Tapava a boca da mãe:


 


- A senhora fala como se eu fôsse mulher-dama para medir os homens pelo dinheiro . . . Não gosto dele, se acabou . . .


 


A luta entre dona Marichelo, irritada e irritante, num nervosismo de doente, e Any, serena como se nada estivesse acontecendo, peleja da qual Pedro Borges era objetivo e prêmio, atingiu o ápice quando das festas de formatura no fim daquele ano. O doutorando as convidara para o ato solene e para o baile.


 


Para o ato solene, no salão nobre da Faculdade, dona Marichelo vestiu-se de sogra, toda armada em tafetá, majestosa como um peru de roda, a rir até pelos babados das mangas, um pente de dançarina espanhola espetado no coque. No baile de formatura, Any resplandecia em rendas e filós, não teve descanso. Não falhou uma só contra-dança, tantos os cavalheiros a solicitarem-na. Mas, nem assim concedeu esperanças ao recém-formado.


Nem mesmo quando ele, em vésperas de partir para a Amazônia longínqua, veio visitá-las, trazendo o pai para melhor impressionar. Chamava-se Ricardo o graúdo paraense, um gigante, vozeirão de trovoada, os dedos pejados de jóias - dona Marichelo quase desmaia ao fitar tanta pedra preciosa. Havia um carbonado sem tamanho, valia pelo menos cinqüenta contos de réis, ai, meu Deus!


O velho falou de suas terras, dos índios mansos e da borracha, das histórias do rio Amazonas. Falou também de sua alegria ao ver o filho doutor, de canudo de médico. Só lhe faltava agora vê-lo casado, com moça direita, modesta e sincera, não fazia questão de dinheiro, dinheiro ele juntara bastante - movia os dedos, os brilhantes faiscavam, iluminando a sala. Queria nora que lhe desse netos e netas para encherem de bulha e calor aquela austera casa de mármore, em Belém, onde o velho Ricardo, viúvo, vivera solitário os anos de Faculdade de Pedro. Falava e olhava para Any como à espera de uma palavra, de um gesto, de um sorriso: se aquilo não era introdução para um pedido de casamento, então dona Marichelo era uma ignorante de tais coisas. Tremia ela de emoção de ânsia, chegara a hora abençoada, jamais estivera tão perto de seus objetivos, fitava a bobela da filha esperando seu acordo tímido porém firme. Mas Any apenas disse com sua voz de madorna:


 


- Não vai faltar moça bonita e direita para casar com Pedro, ele bem merece. Eu só queria que fosse aqui, na Bahia, que era para eu preparar o banquete do casamento.


 


Pedro Borges recolheu sem ressentimentos a aliança de ouro já adquirida, o velho Ricardo pigarreou, mudou de assunto. Dona Marichelo sentiu-se mal, ofegante, o coração descarrilhando. Saiu da sala num repente indignado, temia ter uma coisa, desejou ver a filha morta e enterrada, a ingrata, a bestalhona, a idiota, imimiga da própria mãe, amaldiçoada! Como se atrevia ela a recusar a mão do doutor – agora realmente doutor -, do moço rico, do herdeiro das ilhas, dos rios e dos índios, dos mármores todos, dos faiscantes anéis, ai, como se atrevia a infeliz bastarda?


Ah! que muro de ódio e inimizade, de imperdoável incompreensão, intransponível de rancor, não se ergueria entre mãe e filha, juntas para sempre e para sempre separadas, se naquele começo de ano, logo após a partida do desprezado Borges, não houvesse surgido Poncho! Ah!, diante dos títulos, da posição e da fortuna de Poncho - pelo próprio Poncho e por alguns de seus amigos fora dona Marichelo amplamente informada – não passava o paraense de um pobretão, com todo o mármore de seu palácio e seus doze criados; de um indigente, com toda sua terra e toda sua água.


 



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Autor(a): Bela

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 6



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  • bela Postado em 08/09/2009 - 11:57:21

    Postei em Dona Any e Seus Dois Maridos ....
    comentem por favor sim....
    bjinhoss

  • anacarolinaa Postado em 30/08/2009 - 20:53:01

    oii! será que você pode conferir minha mini web De Repente ?
    Ah! Adorei sua web!
    Obg!
    Bjooo

  • millarbd Postado em 26/08/2009 - 20:26:27

    ADOREIIIIIIIIIIIIII... POSTA MAIS...., PLIS....

  • marcos00 Postado em 26/08/2009 - 20:24:41

    2 leitorr

    kkk

  • bela Postado em 26/08/2009 - 19:54:13

    eba !!!! primera leitora... q bom q gostou ... espere q goste do resto...rsrsrs

  • millarbd Postado em 26/08/2009 - 17:00:25

    1 leitora... ja gostei.. posta logo!


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