Fanfic: Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada
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A NOITE, DIANTE DA RESIDENCIA EM FESTA, OS DOIS EMBUSTEIROS apostaram com outros valdevinos: penetrariam no baile e nele seriam recebidos como se fossem convidados de honra. Penetraram e foram recebidos com todas as honras, tratados a velas de libra, pois Poncho fêz-se reconhecer pelo Major e por dona Aurora como sobrinho do impedido Delegado Auxiliar enquanto empossava Mirandão no inexistente cargo de secretário particular de Chimbo.
- Doutor Airton Herrera, meu tio, teve de acompanhar o Governador ao Congresso de Obstetrícia. Mas, como fazia questão de não faltar ao seu convite, mandou-me a mim e ao seu Secretário, doutor Miranda, para representá-lo. Eu sou o doutor Alfonso Herrera . . .
O Major confessou-se comovido com a gentileza do Delegado, a oferecer-lhe desculpas, a fazer-se representar. Lastimava não tê-lo na festa, seu desejo seria homenageá-lo, mas recebiam,ele e sua esposa, de braços abertos, o representante de seu estimado amigo. Estendia a mão para Poncho quando Mirandão, em extase e desbragado, corrigiu e pôs todas as coisas em seus lugares:
- Perdoe-me, Major, a intromissão: representante do Doutor Delegado Auxiliar é a minha modesta pessoa, eu doutor José Rodrigues de Miranda, livre docente da Escola de Agronomia, requisitado pelo doutor Airton . . . O meu amigo doutor Alfonso, se bem sobrinho do Delegado, não o representa e, sim, ao Senhor Governador...
- Ao Governador? - exclamou o Major, embargado com tanta honra.
- Sim - encarrilhou Poncho - quando o Governador ouvira o Delegado Auxiliar pedir a seu Secretário e a seu sobrinho que fossem á festa do Major, lhe ordenara (pois servia no Gabinete de Sua Excelência) abraçar "seu bom amigo Pergentino e cumprimentar sua digna esposa".
O Major e dona Aurora, empanzinados de vaidade, abriam passagem, faziam apresentações, mandavam encher os copos, preparar os pratos, tudo era pouco para Poncho e Mirandão. Lá fora, embasbacados, os colegas de maroteira não podiam crer nos próprios olhos. Que patifaria teriam inventado os dois cínicos para serem assim recebidos? Não havia memória de penetra algum ter conseguido atravessar os batentes da porta do Major, para quem era uma questão de honra manter a festa nos limites estritos dos seus convidados, seus amigos, que lhe garantiam a decência e o renome. Jurando por seus gloriosos galões, gabava-se: "Penetra, em minha festa, só passando sobre meu cadáver!" E os penetras mais exímios da cidade, capazes de penetrar - e tendo penetrado - em festas de todo fechadas e imponentes, guardadas pela polícia, até em festas no Palácio do Govêrno e na casa do doutor Clemente Mariano, festas ao lado das quais a do Major era simples assustado, dancinha de pobre, forrobodó de bairro, arrasta-pé, esses penetras famosos, todos eles, fracassaram em suas tentativas, cada ano renovadas, de penetrar na festa do Major. Nenhum alcançara transpor os defendidos umbrais.
Nenhum, é exagero. Gio Gantois, estudante astucioso, em comparsaria com outro não menos moleque, o já anteriormente referido Lev Língua de Prata, na ocasião ainda acadêmico, conseguiram os dois, certa feita, penetrar e por meia hora, mais ou menos, manter-se na festa logo depois expulsos a safanões e sopapos, o musculoso Gio em luta corporal com os convidados, o galalau do Lev trocando pontapés com o Major. Como triunfaram e, logo após o triunfo, tão lamentàvelmente fracassaram? Se bem seja outra história, vale a pena contá-la para assim ainda mais valorizar-se o feito de Poncho e Mirandão.
Por aquele tempo havia aportado à Bahia, com muito reclame nas gazetas, para dois únicos espetáculos no Conservatório, um extravagante concertista a manejar instrumento ainda mais singular: um serrote, tão melodioso quanto o mais afinado piano. Tratava-se de um russo, de nome estrambótico, o "russo do serrote mágico", como anunciavam os cartazes de propaganda e as notícias nos jornais. Gio possuía velho serrote de carpina, e Lev, filho de russo, o nome estrambótico. Doidos os dois por uma boa molecagem, embrulharam o serrote em papel pardo, engoliram umas cachaças para animar, apresentaram-se na porta do Major como o russo do serrote e seu empresário. O Major Tiririca possuía um sexto sentido quando se tratava de penetras: percebia-os no ar, à distância. Bateu os olhos em Lev e Gio e uma voz interior deu-lhe o alarma. Mas já os convidados, ao anúncio da presença do "russo do serrote mágico", saudavam entusiasmados a possibilidade de ouvi-lo tocar. Em silêncio, curtido de dúvidas, o Major abriu a porta, permitindo a entrada aos dois malandrins. Ficou, porém, a vigiá-los.
Encostaram eles o serrote atrás de um móvel, o Major comprovou a avidez com que se dirigiam à sala de jantar, a pressa em comer e beber. Trocando um olhar com dona Aurora, a quem igualmente toda aquela encenação não parecia là muito católica, exigiu então o Major, apoiado pela totalidade dos convidados ansiosos, imediata demonstração musical. Primeiro o concerto, depois a pitança. Por mais tentasse Gio, com um conversê tapeativo, adiar o momento do desastre, não o conseguiu, não obteve prazo nem apelação. Ao demais, por qualquer estranha metamorfose, Lev sentira-se de súbito inspirado, vivia seu papel de forma tão realista a ponto de considerar-se o verdadeiro russo dos concertos. Assim, sem mais se fazer rogar, tomou do velho serrote, entre palmas e bravos. Foi tão perfeito - curvada em ângulo sua magra e comprida anatomia, a cabeleira desfeita, os olhos no astral, um autêntico maestro - que a todos enganou, fazendo vacilar mesmo o Major e dona Aurora, enquanto não feriu, com uma colher de café, o bojo do serrote. Mas apenas lhe aplicou o primeiro golpe e - como depois Gio contaria - todos os presentes, sem exceção, compreenderam tratar-se de uma farsa. Só Lev persistia, cada vez mais autêntico e possuído, a vibrar colheradas no serrote, sem que o Major, esposa e convidados demonstrassem a menor simpatia por tanto empenho e arte.
O Major adiantou-se, seguido por alguns amigos, os mais sensíveis a tais brincadeiras de mau gosto. A travessia do corredor, a caminho da porta da rua, foi longa e épica, verdadeiramente inesquecivel, Gio e Lev a recordariam vida a fora. Pescoções, pontapés, esbarros e quedas. Dona Aurora desejava arrancar os olhos dos dois rapazes, o Major contentou-se com atirá-los à rua, em meio ao povo do sereno (e em cima dos corpos caídos jogaram o serrote cada vez menos sonoro).
Com Poncho e Mirandão nada disso sucedera, nem o Major nem dona Aurora tiveram a mais leve suspeita. Comeram e beberam do bom e do melhor, Poncho arrastando o pé de valsa pela sala, Mirandão a interrogar-se se devia ou não erguer, em nome de Chimbo, um brinde ao Major e a dona Aurora. Sorria na cadeira, ouvindo dona Marichelo perguntar quem era o moço dançarino, cavalheiro de sua filha. Para obter maior efeito, respondeu com outra pergunta:
- O Major não lhe apresentou?
- Não. Eu estava lá dentro, não vi quando ele chegou.
- Pois, estimada senhora, tenho o prazer de lhe informar. Trata-se do doutor Alfonso Herrera, sobrinho do doutor Airton Herrera, Delegado Auxiliar, neto do Senador . . .
- Não me diga que é do Senador Herrera, esse tão falado...
- Desse mesmo, minha distinta. O mandachuva, o bamba, o bambambã, o Deus-Menino da política, esse mesmo, meu padrinho...
- Seu padrinho?
- De crisma. E avô de Poncho . . .
- Poncho?
- É o apelido dele, de menino. É o neto preferido do Senador.
- É estudante?
- Não já lhe disse que é doutor? Formado, minha senhora, advogado. Oficial de Gabinete do Governador, alto funcionário municipal, fiscal ...
- Fiscal do consumo? - aquela informação excedia os sonhos mais temerários de dona Marichelo.
- Fiscal de jogo, minha ilustríssima, - e em voz cochichada: - É a
fiscalização que deixa mais, uma fortuna por mês, sem falar nos agrados, uma fichinha aqui outra acolá . . . E, agora, ainda por cima, encarapitado no Gabinete do Governador . . .
Sentia-se generoso:
- A senhora não tem algum parente pobre que deseje empregar? Se tiver, é só dizer, dar o nome . . . - respirou fundo, contente consigo mesmo, prosseguiu indômito: - Está vendo ele ali, dançando? Pois não se admire se na próxima eleição ele sair deputado . . .
- Tão novo ainda . . .
- O que é que a senhora quer? Nasceu em berço de ouro, encontrou o prato feito, seu caminho é de rosas. - Mirandão sentia-se um poeta nessa noite de glória, improvisaria um discurso monumental, arrancando lágrimas à própria dona Aurora, a fera do Rio Vermelho.
Dona Marichelo apertou os olhos miúdos, uma chama de ambição, amarela, a brilhar em sua frente. Joãozinho Navarro arremetava o tango nuns floreios caprichados, Poncho e Any sorriam um para o outro. Dona Marichelo estremeceu de emoção: jamais vira assim a face da filha, e bem a conhecia. E o rapaz - perguntava-se ela -, fora ele também atingido e para sempre marcado? Havia na face de Poncho um ar de inocência, uma candura, tal sinceridade; dona Marichelo sentiu-se comovida. Ah! Milagroso Senhor do Bonfim, seria aquele o genro rico e importante que os céus lhe destinaram? Ainda mais rico e importante do que o paraense Pedro Borges, com suas léguas de terra e de rio, suas dúzias de empregados. Um genro neto de Senador, íntimo do governo, ele próprio governo: "ai, minha Nossa Senhora da Capistóla, valei-me! Concedei-me, meu Senhor do Bonfim, a graça desse milagre e acompanharei descalça a procissão da lavagem, levando flôres e uma quartinha de água pura."
O Major aproximava-se, dona Marichelo agradeceu a Mirandão, dirigiu-se ao dono da casa, apontou o grupo formado por Poncho e Any, dona Lita e Pôrto, num canto da sala. Mirandão observou a manobra da velha lambisgóia, fez um esforço, pôs-se também de pé, foi por uma cerveja. Dona Marichelo pedia ao major:
- Major, me apresente àquele moço . . .
- Não conhece? Pois é um parente do doutor Airton Herrera, o Delegado Auxiliar, meu amigo do peito . . . - sorria vaidoso, acrescentando: - Para os íntimos, Chimbo . . . Ele mesmo me disse: "Pergentino, trate-me de Chimbo, somos amigos ou não?" Homem sem besteira, direito . . . Me fez um favorzão . . . - falava para todos, alardeando sua amizade com o Delegado. Dona Marichelo apertava a mão do jovem, Any esclarecia:
- Minha mãe, doutor Alfonso . . .
- Poncho para os amigos . . .
- Doutor Herrera vive à sombra do nosso eminente chefe, o Governador. Trabalha em seu gabinete . . .
- O Governador gosta muito do senhor, Major. Ainda hoje me disse: "Dê um abraço em meu amigo Pergentino, amigo do peito..." O Major chegava a ficar vexado de felicidade:
- Obrigado, doutor . . .
Pôrto, a quem tal intimidade palaciana deixava um pouco tímido, comentou:
- Muita responsabilidade . . . Mas também muita importância...
Poncho fazia-se modesto:
- Tolice . . . Nem sei se vou continuar no Palácio . . .
- E por quê? - quis saber dona Lita.
- Meu avô - confidenciou Poncho -, o Senador . . .
- O Senador Herrera . . . - rezou baixo dona Marichelo. Sorriu-lhe Poncho, uma aura de candura a circundar-lhe o rosto, sorriu melancólico para Any, tão linda:
- Meu avô quer que eu vá para o Rio, oferece-me um lugar . . .
- E o senhor vai aceitar? - morria Any nos olhos de oceano.
- Nada me prende aqui . . . Ninguém . . . Sou tão sozinho . . .
Suspirava Any:
- Tão sozinha . . .
Da sala de jantar reclamavam o Major, ele não tinha momento de descanso, a atender seus convidados, perfeito anfitrião. Alguém apareceu logo depois batendo palmas, rogando silêncio, o doutor Miranda ia saudar os donos da casa. Ouviu-se o estouro de uma garrafa de champanha sendo aberta, a rôlha subindo para o teto. Poncho e Any andaram sorridentes para o discurso, "discurso de Mirandão, alertou Poncho, não é coisa que se perca". Dona Marichelo, o coração aos saltos, comentou para dona Lita e Thales Pôrto ao ver os jovens partindo para o definitivo idílio:
- Não é um par perfeito? Não parecem nascidos um para o outro? Se Deus quiser . .
- Oxente, mulher! Conheceram-se hoje e vosmicê já está armando casamento? - Lita balançou a cabeça, sua irmã estava ficando mesmo doida, com aquela mania de noivo rico para a filha. Dona Marichelo empinou o busto seco, fitou a pessimista, com arrogância.
Da sala de jantar chegava, redonda, encharcada de cerveja, a voz do orador, em seu brinde de saudação. Para lá encaminhou-se a viúva, tôda coberta de esperanças. Palmas saudavam uma frase feliz de Mirandão, ele prosseguia impávido:
- "Nas páginas imortais da História, senhoras e senhores, ficará gravado em fulgentes letras de ouro o nome honrado do Major Pergentino, cidadão de virtudes exponenciais (a voz ficava vibrando no ar ao dizer a palavra bonita), e o nome de sua nobilíssima esposa, esse ornamento da sociedade da Boa Terra, dona Aurora, anjo . . . Sim, meu senhores e minhas senhoras, anjo de impolutas (e repetia, a voz cantante, "impolutas") qualidades, esposa dedicada, virgem de bronze . . .
No centro da sala, Mirandão, o penetra, o braço erguido a empunhar a taça de champanha, dominava convidados e donos da casa, todos presos à sua eloqüência. O Major sorria beato; a dedicada esposa, a virgem de bronze, baixava os olhos, comovida, jamais sua festa alcançara as alturas daquele triunfo.
- ... "dona Aurora, ser amorável, santa, santíssima criatura..." As lágrimas queimavam os olhos da santa criatura.
Autor(a): Bela
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9 O namoro de Any e Ponch desembocou direto no casamento, pois noivado não houve, como logo adiante se constatará, exibindo-se causa e razão dessa anomalia a romper os procedimentos habituais e consagrados em todas as famílias que se prezam. Nambro, aliás, dividido em duas etapas distintas, perfeitamente delimitadas, cada u ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 6
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bela Postado em 08/09/2009 - 11:57:21
Postei em Dona Any e Seus Dois Maridos ....
comentem por favor sim....
bjinhoss -
anacarolinaa Postado em 30/08/2009 - 20:53:01
oii! será que você pode conferir minha mini web De Repente ?
Ah! Adorei sua web!
Obg!
Bjooo -
millarbd Postado em 26/08/2009 - 20:26:27
ADOREIIIIIIIIIIIIII... POSTA MAIS...., PLIS....
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marcos00 Postado em 26/08/2009 - 20:24:41
2 leitorr
kkk -
bela Postado em 26/08/2009 - 19:54:13
eba !!!! primera leitora... q bom q gostou ... espere q goste do resto...rsrsrs
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millarbd Postado em 26/08/2009 - 17:00:25
1 leitora... ja gostei.. posta logo!