Fanfics Brasil - Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada

Fanfic: Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada


Capítulo: 32? Capítulo

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No outro dia, Any quase não pôde levantar-se, o corpo todo doído, o lapo roxo no pescoço. A Ladeira em pêso comentava os acontecimentos, a negra Juventina, soberana em sua janela, a distribuir detalhes, doutor Carlos Passos criticando os métodos educacionais de dona Marichelo, se bem não lhe negasse razão para desgôsto e zanga. Pocho compareceu na hora costumeira; todo o primeiro andar mantinha-se fechado, a sacada vazia, a porta da escada de ferrôlho e tranca. A janela do quarto de Any dava sôbre a rua transversal, por


entre as venezianas fugiam résteas de luz. Logo houve quem contasse da surra da véspera, segundo as comadres, Any suspirava prêsa no quarto, de chave passada. Poncho concordou com a negra Juventina quando a amásia de Antenor Lima definiu dona Marichelo com justeza e literatura: "uma hiena bestial, é o que ela é, seu Poncho"; ouviu as notícias em silêncio, disse até-logo, foi-se embora.Para volver depois de meia noite e abrir todas as janelas das redondezas, acordar a ladeira e as ruas próximas com a mais maviosa serenata, tão maviosa e apaixonada como muito poucas até hoje se fizeram nessa ou em qualquer outra cidade. Quem a escutou guarda sua lembrança imperecível nos ouvidos e no coração.


 


Também, pudera! Poncho reunira para Any o melhor de quanto existia. Trouxera o magrelo Carlinhos Mascarenhas, o cavaquinho de ouro; fôra buscá-lo no castelo de Carla, no aconchegado leito de Marianinha Pentelhuda. Ao violino, via-se a figura popular de Edgard Cocô, o non-plus-ultra, igual só no Rio de Janeiro ou nas estranjas. Soprava a flauta - e com que dignidade e maestria! - o bacharel em direito Walter da Silveira; Poncho o arrancara de cima dos livros, pois, recém-formado, preparava-se a fundo para concurso de magistrado; em breve, escolhido meretíssimo juiz, não mais exibiria em público sua insigne flauta, privando as massas de celestial deleite.


 


Quanto ao violão, dedilhava-o um moço querido de toda a gente por sua educação e alegria, seu jeito modesto e ao mesmo tempo fidalgo, sua competência no beber, sua finura de trato, e sua música: a qualidade única de seu violão, dele e de mais ninguém, e sua voz de mistério e picardia. Um retado. Aparecera últimamente a tocar e a cantar no rádio, e já o sucesso o cercava. Repetia-se seu nome, Dorival Caymmi, e os íntimos exaltavam suas composições inéditas; no dia em que fossem divulgadas, o moreno ficaria célebre. De Poncho era amigo do peito, juntos haviam tomado os primeiros tragos e varado as primeiras madrugadas. Traziam de reserva a Jenner Augusto, pálido cantor de cabaré, e de quebra a


Mirandão, já bêbado.


 


Ao pé da ladeira, detiveram-se por uns minutos; o violino de Edgard Cocô soluçou os primeiros acordes, dilacerantes. Entraram a seguir o cavaquinho, a flauta, o violão - e Caymmi abriu o eco, soltou a voz em dueto com Poncho, cujos gorjeios não valiam lá grande coisa. Grande era sua causa, sua paixão proibida: o desejo de desagravar a namorada, curar suas tristezas, apaziguar seu sono, trazer-lhe o consôlo da música, prova de seu amor:


 


"Noite alta, céu risonho a quietude é guase um sonho e o luar cai .sobre a mata gual! uma chuva de prata de raríssimo escplendor . . . Só tu dormes, não escutas o teu cantor . .  


 


A modinha de Cândido das Neves subia a ladeira mais depressa do que eles, apareciam cabeças curiosas, demoravam-se à janela presas ao fascínio da música, à voz de Caymmi. A negra Juventina batia palmas aplaudindo, era do partido de Any e de Poncho e doida por serenatas. Alguns despertavam com raiva, na idéia de protestar, mas a doçura da canção os vencia, adormeciam ouvindo o chamado de amor. Doutor Carlos Passos foi um desses: saltou da cama numa sanha assassina; seu dia era trabalhoso, começava no hospital às seis da manhã e por vezes só volvia à casa às nove da noite. Mas entre o quarto e a janela foi-se aplacando sua ira e trauteava a melodia ao debruçar-se no beiral para ouvir mais cômodo.


 


"Lua manda tua luz prateada despertar a minha amada . . .


 


Estavam parados agora em baixo da luz de um poste, bem na esquina fronteira ao sobrado. Poncho destacara-se, um pouco do grupo para melhor situar-se sob o foco elétrico e mais fàcilmente ser visto por Any. Os sons da flauta do doutor Silveira subiam pela parede os ais do cavaquinho penetravam na sacada, o violino de Edgard Cocô abria asjanelas do quarto da moça, ia arrancá-la da cama num estremecimento.


 


"Deus do Céu, é Poncho!" Correu para a janela, suspendeu a veneziana, lá estava ele sob a luz, os loiros cabelos, os braços estendidos para o alto:


 


"Quero matar meus decejos Sufocá-la com meus beijos . . ."


 


Alguns noctivagos juntavam-se a escutar, Cazuza Funil saíra vestido num velho pijama, atraído pela música e pela possibilidade de alguma garrafa em mão dos seresteiros. Na sacada do primeiro andar, surgindo da escuridão, apareceu dona Marichelo, sua cólera cortou a música e o poema:


 


- Vadios! Vagabundos!


Mais alta a canção, a voz de Caymmi subia para as estrêlas:


 


"Canto . . . e a mulher que eu amo tanto ainda me está e.ná dormindo. . .


 


Onde encontrara Any aquela rosa de tão vermelha quase negra? Poncho a recolhia no ar, noite romântica de namorados, no céu a lua amarela e um perfume de alecrim, toda a ladeira a cantar em côro para Any presa em seu quarto:


 


"Lá no alto a lua esquiva está no céu tão pensativa e as estrêlas tão serenas . . .


 


Desembocava dona Marichelo na porta da rua, escancarando-a, desfeito o coque, envolta numa bata enxovalhada e em ódio. Varou para o grupo, num desvario de fúria:


 


- Fora, fora daqui! - gritava em desespêro - Chamo a polícia, dou queixa na delegacia, cachorros! Tão inesperada e violenta aparição - por instantes eles perderam o aprumo, sustiveram o canto. Dona Marichelo ergueu-se vitoriosa na rua em silêncio:


 


- Fora! Cambada de cachorros, fora!


 


Mas foi só um instante. Logo a flauta do doutor Silveira fêz ouvir um som como um riso de mofa, como o assovio de um moleque, musiquinha mais de deboche e de sotaque: Então todos viram Poncho adiantar-se em direção a sua futura sogra e diante-dela, ao som da flauta, executar com perfeição e donaire, num catado de pés e num gingo de corpo, o passo do siri-bocêta, o difícil e famoso passo do siri-bocêta. Sufocada, em pânico, sem voz, dona Marichelo recolheu suas últimas forças, o suficiente para correr escadas acima.


 


A serenata reconquistou a noite e a rua, prosseguiu rumo à madrugada. Noctívagos mais ou menos bêbados reforçaram o côro, o guarda-noturno surgiu em sua ronda e foi ficando por ali, a escutar e aplaudir. A garrafa pressentida por Cazuza Funil apareceu, o repertório era vasto. Cantaram Poncho e Caymmi, cantou Jenner Augusto, cantou doutor Walter com voz profunda de baixo, cantou o guarda-noturno, seu sonho era cantar na Rádio. Cantava a rua inteira na serenata de Any. Any reclinada em sua alta janela, vestida de babados e rendas, coberta de luar. Lá embaixo, Poncho, galante cavalheiro na mão a rosa de tão vermelha quase negra, rosa de seu amor.



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Autor(a): Bela

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 6



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  • bela Postado em 08/09/2009 - 11:57:21

    Postei em Dona Any e Seus Dois Maridos ....
    comentem por favor sim....
    bjinhoss

  • anacarolinaa Postado em 30/08/2009 - 20:53:01

    oii! será que você pode conferir minha mini web De Repente ?
    Ah! Adorei sua web!
    Obg!
    Bjooo

  • millarbd Postado em 26/08/2009 - 20:26:27

    ADOREIIIIIIIIIIIIII... POSTA MAIS...., PLIS....

  • marcos00 Postado em 26/08/2009 - 20:24:41

    2 leitorr

    kkk

  • bela Postado em 26/08/2009 - 19:54:13

    eba !!!! primera leitora... q bom q gostou ... espere q goste do resto...rsrsrs

  • millarbd Postado em 26/08/2009 - 17:00:25

    1 leitora... ja gostei.. posta logo!


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