Fanfics Brasil - Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada

Fanfic: Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada


Capítulo: 36? Capítulo

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14


 


 


Sete anos decorreram entre aquelas primeiras lágrimas choradas por dona Any na noite de núpcias e as da aflita manhã de domingo gordo quando Poncho caiu sem vida em meio a um samba de roda, entre fantasias e máscaras. E, como bem disse dona Dulce - senhora de bem dizer as coisas, adrede e com exato a propósito - ao ver o corpo do môço estendido nas pedras do Largo Dois de Julho, já de todo e para sempre morto: a espôsa chorara naqueles sete anos por seus insignificantes pecados e pelos do marido - pesada carga de culpas e mal- feitos-e ainda sobravam lágrimas.


 


Lágrimas de vergonha e sofrimento, de dor e humilhação. Derramadas sobretudo à noite. Noites êrmas da presença de Poncho, noites insones de espera, longas de passar como se a aurora recuasse para os limites do inferno. Por vêzes a chuva cantava seu acalanto nos telhados, o frio a pedir corpo de homem, quentura de um peito com mata de pêlos, abrigo em braços fortes. Dona Any em vigília, impossível adormecer; o desejo de tê-lo a seu lado era uma ferida exposta. Estremecia em arrepios, num desconfôrto de tristeza, naquela cama cheia


apenas de ânsia e de abandono.


 


Com Poncho presente - ah! com Poncho presente nem frio nem tristeza. Dele vinha um calor alegre a subir das pernas para o rosto de Dona Any e a noite se abria em júbilo. Dona Any sentia-se agasalhada e festiva, um pouco irresponsável como se houvesse bebido um copo de vinho ou um cálice de licor. A presença noturna de Poncho a embriagava, vinho de buquê inebriante, como resistir à sedução de sua boca de palavras e língua? Eram noites de exaltado ímpeto, feéricas noites de aleluia. Escassas, porém, essas noites em que o tinha sem sair após o jantar, estirado no sofá, a cabeça em seu colo, a ouvir o rádio, a contar-lhe histórias, a mão indiscreta a cutucá-la, a bolir com ela, tentando-a; e logo cedo no leito de ferro, na longa cavalgada. Aconteciam de raro em raro. Quando ele, num enjôo repentino e


imprevisivel, abandonava por três quatro dias, por toda uma semana, a estroinice, a baderna, a cachaça e o jôgo e permanecia em casa. Dormindo a maior parte do tempo, futucando nos armários, abusando as alunas, exigindo dona Any para vadiar a qualquer hora, mesmo nas mais impróprias e indiscretas.


 


Dias curtos e cheios esses, com o doudivanas a remexer em tudo, o riso trêfego a ressoar pelo corredor, na janela em prosa com os vizinhos, ouvindo ralhos de dona Maite, em longos bolodórios com dona Dulce, enchendo de movimento e alegria o lar e a rua. Contadas a dedo essas noites inteiras de vertigem e euforia, de riso incontido e cócegas, cafunés, cariciosas palavras e o baque dos corpos desatados no leito de ferro. "Meu doce de côco, minha flor de


manjericão, sal de minha vida, minha quirica pelada, tua chochota é meu favo de mel", que ele dizia, ai as coisas que ele dizia, nem te conto, seu mano!


 


Repetidas em infindável rosário as noites de espera, essas sim. Dona Any dormia sobressaltada, acordando ao menor ruído; ou de todo sem dormir, encostada em ira e dor nos travesseiros até adivinhar-lhe o passo ainda distante e ouvir a chave na fechadura. Pela maneira como a porta era aberta ela sabia da altura da cachaça e do resultado do jôgo. Fechava os olhos, a fingir-se adormecida.


 


Por vezes ele chegava pela madrugada e ela o recolhia em sua ternura, agasalhava seu sono tardio. O rosto fatigado, um sorriso vencido, ele se enrolava como um novêlo na concha de seu corpo. Dona Any engolia as lágrimas para Poncho não se dar conta do chôro e da tristeza: ele já tinha muito com que se amofinar, os nervos rotos na emoção da batalha contra a má sorte. Quase sempre bebido, várias vezes bêbado, adormecia de imediato, não sem antes correrlhe a mão numa carícia e murmurar: "Minha negra pelada, hoje me enterrei mas amanhã tiro a forra . . ." Dona Any continuava em vigília e em desejo, sentindo o corpo de Poncho contra o seu a estremecer no sonho, persistindo em jogar e ainda perdendo. A dormir, repetia números na danação da roleta: "dezessete, dezoito, vinte, vinte-e-três", seus quatro números fatais. Ou reclamava com raiva: "deu gata". Any seguia as variações de seu sonho, e o via a apostar na "lebre francesa", melhor dito no "grande e pequeno", o banqueiro levando as fichas de todo mundo, pois dera gata. Ela acabara por conhecer tôda a nomenclatura, a gína, a louca matemática e a secreta sedução das arapucas do jôgo. E, assim, pela madrugada, ela o protegia contra o mundo, contra as fichas e os dados, contra os crupiés, contra o azar. Cobria-o com seu corpo e o acalentava; assim dormido Poncho era uma criança loira, um menino grande.


 


Sucedia também ele não vir, prosseguindo a espera dia a fora, prolongando-se na noite seguinte, já apodrecida em humilhação. Ao vê-la silenciosa e triste, as alunas evitavam as perguntas molestas para não desatar confusas lágrimas de pejo. Entre si, comentavam em ásperas críticas à conduta e má vida do trampolineiro. Como tinha coragem de fazer chorar tão boa espôsa? Mas, bastava ele surgir com sua voz matreira, suas lérias, sua velhacaria, e elas, quase todas, se derretiam assanhadas, uma coceira no rabo e no chibiu.


 


Durante o dia, Poncho multiplicava-se em esforço e correria, por vezes em desespéro, para arranjar numerário para o jogo: em mesa de roleta não tem fiado, ficha só se vende à vista. Rondava pelos Bancos, zanzando em tôrno aos gerentes e subgerentes, para garantir o desconto de uma promissória; cheio de astúcias ao dobrar e convencer hipotéticos avalistas para esse prometido desconto, ou para arrancar quase á força e a juros absurdos umas centenas de mil-réis das unhas somíticas de um agiota. Capaz de levar uma tarde inteira junto a um sovina qualquer, daqueles difíceis na queda, tinha certa satisfação em vencê-los, vendo-os finalmente tomar da caneta e apor a assinatura na letra promissória, sem forças para maior resistência. Avalizar um título ou dar o dinheiro, era a mesma coisa. Aliás, alguns mais práticos, assim resolviam o assunto: Poncho aparecia com uma letra de um conto de réis a pedir aval, a vítima soltava-lhe uma nota de cem ou de duzentos para se ver livre. Porque senão, corria o perigo de assinar e, trinta ou sessenta dias depois, encontrar-se às voltas com um título vencido e sem pagamento. Perigo sério porque Poncho não dava sopa a ninguém.


 


Para resistir à sua lábia era preciso mais do que avareza, era preciso ser um zarro de inabaláveis convicções ideológicas, um insensível aos dramas da vida, um fanático, um sectário sem coração. Como o italiano Guilherme Ricci, da Ladeira do Taboão, de lendária canguinhez. Impávido, levou anos resistindo a Poncho. Outro a resistir com brilho foi o livreiro Dmeval Chaves, naquele tempo ainda simples gerente de livraria, não o ricaço de hoje. Mas um dia Poncho colou-se a ele pela manhã, almoçaram juntos, entraram pela tarde, a aperreá-lo seis horas seguidas, tempo controlado por Mirandão em seu autêntico relógio suiço. Tonto, os ouvidos cansados, rendeu-se o esperto Deneval:


 


- Poncho, eu lhe juro que esta é a primeira letra que eu avalizo em minha vida . . .


 


- Pois começa bem, meu velho, não podia começar melhor. E uma estréia de primeira ordem, agora é só continuar. Aliás, quem avaliza uma vez título meu não pára mais, toma gôsto . . .


 


Saiu correndo para o Banco, deixando o gordo gerente de boca aberta, adernado sobre o balcão de livros, jururu, sem ainda entender a razão do gesto louco, de autógrafo absurdo. Nos tempos em que o jogo funcionava à tarde e à noite no Tabaris, Poncho nem vinha jantar. Comia uma besteira qualquer, um acarajé, um abará, um sanduíche, indo cear alta madrugada, quando a última porta se fechava na derradeira arapuca . . . Os mais renitentes - ele, Giovanni, Anacreon, Mirabeau Sampaio, Meia Porção, o negro Arigof, elegante como um principe de romance russo - saíam em grupo para a Rampa do Mercado, as Sete Portas, a casa de Andreza, para um frege-môsca qualquer onde houvesse um caruru de fôlhas, um vatapá de peixe, cerveja gelada, cachaça pura.



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Autor(a): Bela

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Quando por acaso vinha jantar, era para sair logo depois, antes das nove, sempre apressado. Frustrando as esperanças de dona Any de vê-lo chegar da rua como os maridos das demais chegavam do trabalho; indo pôr-se à vontade, vestir o pijama, ler os jornais, comentar os fatos, convidá-la talvez para uma visita ou para um cinema. Quanto tempo el ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 6



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  • bela Postado em 08/09/2009 - 11:57:21

    Postei em Dona Any e Seus Dois Maridos ....
    comentem por favor sim....
    bjinhoss

  • anacarolinaa Postado em 30/08/2009 - 20:53:01

    oii! será que você pode conferir minha mini web De Repente ?
    Ah! Adorei sua web!
    Obg!
    Bjooo

  • millarbd Postado em 26/08/2009 - 20:26:27

    ADOREIIIIIIIIIIIIII... POSTA MAIS...., PLIS....

  • marcos00 Postado em 26/08/2009 - 20:24:41

    2 leitorr

    kkk

  • bela Postado em 26/08/2009 - 19:54:13

    eba !!!! primera leitora... q bom q gostou ... espere q goste do resto...rsrsrs

  • millarbd Postado em 26/08/2009 - 17:00:25

    1 leitora... ja gostei.. posta logo!


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