Fanfic: Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada
Ao vê-lo assim, porém, largado sobre o leito, inteiramente nu, não podia dona Any, por mais esforço que fizesse, deixar de recordá-lo como era na hora do desejo desatado: Poncho não tolerava peça de roupa sobre os corpos, nem podibundo lençol a cobri-los, o pudor não era seu forte. Quando a chamava para cama, dizia-lhe: vamos vadiar, minha filha; era o amor, para ele, como uma festa de infinita alegria e liberdade, à qual se entregava com aquele seu reconhecido entusiasmo aliado a uma competência proclamada por múltiplas mulheres, de diferentes condições e classes. Nos primeiros tempos de casamento dona Any ficava toda encabulada e sem jeito, pois ele a exigia nuinha por inteiro:
-Onde já se viu vadiar de camisola? Por que tu te esconde? A vadiação é coisa santa, foi inventada por Deus no paraíso, tu não sabe?
Não só a despia toda, como, achando pouco, tocava e brincava com os detalhes de seu corpo de curvas largas e reentrâncias profundas onde cruzavam-se sombra e luz num jogo de mistérios. Dona Any tentava cobrir-se, Poncho arrancava o lençol entre risos, expunha-lhe os seios rijos, a formosa bunda, o ventre quase despido de pêlos. Tomava dela como de um brinquedo, um brinquedo ou um fechado botão de rosa que ele fazia desabrochar em cada noite de prazer. Dona Any ia perdendo a timidez, entregando-se àquela festa lasciva, crescendo em violência, tornando-se amante animosa e audaz. Nunca, porém, abandonou por completo a pudicía e a vergonha; era necessário reconquistá-la cada vez, pois, apenas desperta dessas loucas audácias e dos ais de desmaio, voltava a ser tímida e pudorosa esposa.
Naquela hora, a sós com a morte de Poncho, deu-se conta dona Any, então e completamente, de sua viuvez e de que não mais o teria, nem em seus braços voltaria a desmaiar. Porque desde o momento do trágico boato transmitido de boca em boca, ate a chegada do rabecão, no fim da tarde, vivera a professora de culinária uma espécie de sonho mau e amo mesmo tempo um tanto excitante: o impacto da noticia, a caminhada em prantos até o Largo Dois de Julho, o encontro com o corpo, a multidão a rodeá-la, a cuidar dela, a oferecer-lhe solidariedade e conforto, à volta para casa quase carregada por dona Maite e dona Dulce, pelo professor Epaminondas e por Mendez, o espanhol do botequim. Tudo tão rápido e confuso, não lhe deixara tempo para pensar e realizar por completo a morte de Poncho.
O corpo fora levado do Largo para o necrotério, mas nem assim ela teve um momento de sossego. De repente tornara-se o centro da vida não só de sua rua, mas de todas as artérias adjacentes, e isso num domingo de carnaval. Até o trazerem de volta, embrulhado num lençol, o traje de baiana numa pequena trouxa colorida, dona Any não parou de receber pêsames, provas de amizade, gentilezas, numa continua romaria de vizinhos, conhecidos e amigos. Dona Maite e dona Dulce, essas, abandonaram inteiramente os afazeres de suas casas, já um tanto descuidados devido ao carnaval, almoços e jantares entregues ao critério das amas apressadas. Não despregaram as duas de junto de dona Any, cada qual mais dedicada e consoladora.
Lá fora era carnaval com seus mascarados, seus blocos e ranchos, suas fantasis ricas ou divertidas. As musicas das multiplicadas orquestras, os Zé-pereiras, os zabumbas, os blocos, os ranchos, afoxés com seus tamborins e atabaques. De quando em vez, dona Maite não resistia e corria ate a janela debruçava-se, arriscava um olho, trocava facécias com um mascarado conhecido, transmitia a noticia da morte de Poncho, aplaudia uma fantasia original ou um bloco bonito. Por vezes chamava dona Dulce, se um rancho particularmente animado surgia na esquina. E quando o Afoxé dos Filhos do Mar, já na parte da tarde, deu entrada na rua, com sua figuração inesquecível, acompanhado por grande multidão a sambar, até dona Any, as lagrima mal contidas, aproximou-se da janela e espiou o afoxé tão anunciado nos jornais, maior beleza do carnaval baiano espiou mas sem se mostrar, escondida pelas largas espáduas de dona Dulce. Dona Maite, esquecida do morto e das conveniências, batia palmas entusiásticas.
Assim fora durante o dia inteiro, desde a hora da noticia. Ate dona Nancy, argentina retraída, nova na rua, casada com o dono da fabrica de cerâmicas, um arrevesado Bernabó, desceu de seu sobrado rico e de sua soberbia, para oferecer condolências e préstimos a dona Any, revelando-se pessoa simpática e educada e trocando com dona Dulce filosóficas considerações sobre a brevidade da vida e sua insegurança.
Não tivera dona Any, como se vê, tempo de refletir em seu novo estado e nas transformações de sua existência. Só quando trouxeram Poncho do necrotério e o deixaram nu no leito de casal onde tantas e tantas vezes tinham feito o amor, então, encontrou-se sozinha com a morte do marido e se sentiu viúva. Jamais voltaria ele a derrubá-la na cama de ferro, arrancado-lhe vestido e combinação, e as peças mais intimas, atirando com o lençol para cima da penteadeira, tomando de cada detalhe de seu corpo, fazendo-a delirar.
Ah1 nunca mais, pensou dona Any, e sentiu um nó na garganta, um tremor nas pernas, compreendeu então que tudo terminara. Ficou ali parada, sem palavras e sem lagrimas, despida de qualquer excitação, distante de toda a representação a cercar a morte. Apenas ela e o cadáver nu de Poncho. Não ia mais ter de esperá-lo madrugada afora, nem de esconder de suas vistas o dinheiro pago pelas aluna, nem de vigiar suas relações com as mais bonitas, nem de apanhar dele nos dias de cachaça e mau humor, nem de ouvir os ácidos comentários dos vizinhos. Nem de rolar na cama, abrindo-se toda para seu desejo, despindo-se da roupa, do lençol e do recato para a festa do amor, a inesquecível festa. O nó na garganta, estrangulando; uma dor no peito, aguda punhalada.
- Any, não está na hora de vestir ele? – a voz de dona Maite ressoava urgente no quarto, vinda da sala. – Não tarda chegar visitas...
A viúva abriu a porta; agora estava seria, calada, sem soluços, sem gemidos, fri e austera. Sozinha no mundo. Os vizinhos entraram para ajudar. Seu Vivaldo, da funerária Paraíso em Flor, viera pessoalmente entregar o caixão barato – fizera considerável abatimento, era companheiro de Poncho nas mesas de roleta e bacará onde jogava ataúde e lapides – e colaborou com eficácia e experiência para fazer o boêmio um morto apresentável. Dona Any a tudo assistiu sem uma palavra, sem uma lagrima, estava sozinha no mundo.
Autor(a): Bela
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4 O CORPO DE PONCHO FOI DEPOSITADO NO CAIXÃO, LEVADO PARA SALA DE visitas onde haviam improvisado um estrado com cadeiras. Seu Vivaldo trouxera flores, contribuição gratuita da funerária. Dona Dulce arrumou uma saudade rosa entre os dedos cruzados de Poncho. Seu Vivaldo considerou para si mesmo o absurdo do gesto: devia colocar entre os d ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 6
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bela Postado em 08/09/2009 - 11:57:21
Postei em Dona Any e Seus Dois Maridos ....
comentem por favor sim....
bjinhoss -
anacarolinaa Postado em 30/08/2009 - 20:53:01
oii! será que você pode conferir minha mini web De Repente ?
Ah! Adorei sua web!
Obg!
Bjooo -
millarbd Postado em 26/08/2009 - 20:26:27
ADOREIIIIIIIIIIIIII... POSTA MAIS...., PLIS....
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marcos00 Postado em 26/08/2009 - 20:24:41
2 leitorr
kkk -
bela Postado em 26/08/2009 - 19:54:13
eba !!!! primera leitora... q bom q gostou ... espere q goste do resto...rsrsrs
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millarbd Postado em 26/08/2009 - 17:00:25
1 leitora... ja gostei.. posta logo!