Fanfics Brasil - Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada

Fanfic: Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada


Capítulo: 7? Capítulo

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Um Poncho alegre e despreocupado, naquela mesma tarde, contou-lhe ter sonhado durante toda a noite com dona Dulce, transformada em avestruz, a persegui-lo numa campina sem fim, não sabia exatamente se na intenção de vadiar com ele nos pastos verde – era um avestruz fêmea e em seus olhos brilhava uma luz velhaca – ou se pretendia devorá-lo a bicadas, pois o perseguia com o enorme bico aberto e ameaçador. Acordava agoniado, sacudia o sonho fora, tentava dormir pensando em assunto mais ameno, e lá voltava retinente professora a correr atrás dele com o olho libertino e o bico agressivo. Estivesse dona Dulce em seu quotidiano invólucro carnal, e Poncho não fugiria, enfrentaria a parada, empreenderia o diabo da gringa em cima dos matos, com seu acento e seus conhecimentos de psicologia. Mas com ela vestida de penas, virada num avestruz descomunal, não lhe restava alternativa, além da vergonhosa retirada. Quatro, cinco vezes repetiu-se o pesadelo, e de manhã, cansado de tanto correr, banhado em suor, viu-se Poncho com o palpite, mas certeiro e sem tostão. Vasculhou a casa, dona Any estava lisa, ele levara-lhe na véspera até as moedas. Saiu na esperança de morder uns conhecidos, a praça revelou-se fraquíssima, Poncho andara abusando ultimamente de seu parco credito. Foi quando, ao passar ante a Casa Stela, a bem sortida loja de Christian, ocorreu-lhe a idéia luminosa e divertida de dedicar-se por breve prazo ao honesto trabalho de sapataria, única maneira de obter rapidamente uns trocados.


Não houvesse empreendido a operação comercial, desonesta e desastrada aparência, em verdade sutil e lucrativa, e jamais se perdoaria, pois deu o avestruz – dona Dulce não mentia nem em sonhos – e Poncho cobrou um dinheiro alto. Agradecido e digno, procurou em seguida Christian na loja e, ante os empregados atônitos, pagou-lhe o valor da mercadoria comprada pela manhã, comentou a rir o golpe primoroso e o convidou para um trago comemorativo. Christian declinou do convite, mas não se zangou com Poncho, continuou a dar-se com ele e a vender-lhe sapatos com desconto e a prazo. Abatimento de dez por cento no valor da conta, credito limitado a um par de sapatos em cada compra e só após ter sido liquidada a fatura anterior.


Prova ainda mais impressionante de prestigio de Poncho foi ter Christian comparecido à sentinela. Por breves minutos, é verdade, mas era aquele o primeiro velório do comerciante nos últimos dez anos.  Tinha horror a todo e qualquer compromisso social, sobretudo a cerimônias fúnebres, velórios, cemitérios, missas de sétimo dia, o que levava dona Maite a gritar-lhe quando ele se recusava a acompanhá-la a um de seus vários enterros semanais:


- Quando você morrer, Christian, não vai ter gente nem para carregar o caixão... Vai ser uma vergonha.


Christian punha-lhe um olhar torvo, não respondia, o dedo grande da Mão  direita  metido entre os dentes, num gesto seu, habitua, de resignação ante perpetuo alvoroço da esposa.


Compareceram os importantes, como Celestino e Christian, como o parente Chimbo, o arquiteto Chaves, o Dr. Barreiros, proeminente figura da justiça, e o poeta Godofredo Filho. Chegaram incorporados os colegas da repartição, a todos eles Poncho devia pequena quantias. A comandá-los, oratório solene, veio o ilustre Diretor de Parques e Jardins, trajando terno preto. Vieram os vizinhos, os ricos e os pobres, os remediados também. E vieram todos quantos na Bahia naquela então freqüentavam os cassinos de jogo, os cabarés, as bancas de bicho, as alegres casas de mulheres: Mirandão, Curvelo, Pé de Jegue, Waldomiro Lins e seu jovem irmão Wilson, Anacreon, Cardoso Peroba, Arigof, Pierre Verger com seu perfil de pássaro e seus mistérios de Ifá. Alguns, como doutor Giovanni Guimarães, médico e jornalista, pertenciam aos dois grupos, familiares dos grandes e dos pequenos, dos respeitáveis e dos irresponsáveis.  


Os importantes recordavam Poncho entre risos, sua historias cheias de picardia e malicia, seus golpes divertidos, sua trampolinagens atrevidas, suas atrapalhações e confusões, seu bom coração, sua gentileza, sua graça inconseqüente. Também os vizinhos assim o relembravam: boêmio sem horários e sem limites. Uns e outros ampliavam a realidade, inventavam detalhes, atribuíam-lhe casos e aventuras, a lenda de Poncho começava a nascer ali junto de seu corpo, quase na hora mesmo de sua morte. O citado doutor Giovanni Guimarães imaginava pedaços inteiros de histórias, floreava os acontecidos, era chegado a uma mentirazinha bem apoiada em datas e locais precisos:


- Um dia, há quatro anos passados, no mês de março, encontrei Poncho na casa de Três Duques, jogando 17. Estava vestido com uma capa de borracha, por beixo não tinha roupa nenhuma, nuzinho. Botara tudo no prego, empenhara calça e paletó, camisa e cueca, para poder jogar. Ramiro, aquele espanhol canguinha do Setenta e Sete, só queria aceitar a calça e o paletó, que diabo iria fazer com uma camisa de colarinho puído, uma velha cueca, uma gravata vagabunda? Mas Poncho lhe impingiu até o par de meias, guardou apenas os sapatos. E tinha tanto mel na língua que conseguiu que Ramiro, aquela fera que vocês conhecem, lhe emprestasse uma capa de borracha quase nova pois não ia sair nu, rua afora, em direção à de Três Duques...


- E ganhou? – queria saber o jovem Arthur, filho de seu Christian e dona Maite, ginasiano e admirador de Poncho, a ouvir boquiaberto o relato do jornalista.


Doutor Giovanni olhou o moço, fez uma pausa, sorriu com o rosto todo:


- Qual o quê... Pela madrugada perdeu a capa do espanhol no 17 e foi trazido para casa embrulhado nas folhas de um jornal... – o sorriso transformava-se num riso sonoro, contagioso, ninguém igual a doutor Giovanni para animar uma sentinela.


E como naquele momento entrasse na sala o inumerável Robato, o jornalista acrescentou a prova final, as palavras ainda molhadas do riso:


- Está aí quem não me deixa mentir... Você ainda se lembra Robato, daquela noite em que Poncho foi nu para casa, enrolado num jornal?


Robato não era de vacilar: circundou o olhar em torno, examinando o grupo acomodado num canto da sala de jantar, temeroso de ouvidos femininos e indiscretos, não fossem chegar a desolada viúva tais recordações; mas vacilar não vacilou, não era de recusar desafios, tinha o repente fácil, pegou a deixa no ar:


 


- Nu enrolado num jornal? Ora, se me recordo... – pigarreou para aclarar a voz barroca e desatar a imaginação. – pois se a gazeta era minha... Foi no castelo de Eunice Um Dente Só; alem de nós dois e de Poncho, me lembro de Carlinhos Mascarenhas, de Jenner e de Viriato Tanajura... A gente tinha bebido a noite inteira, um pifa sem medida...


Era esse Robato um notívago da força de Poncho, de outra estirpe, porém. Não o tentava o jogo nem fugia ao trabalho; ao contrario, homem de sete instrumentos, tinha fama de ativo e competente. Fabricava dentadura, consertava rádios e vitrolas, tirava retratos para carteiras, bulia em tudo quanto era maquina, cheio de hábil curiosidade. Sua roleta era a poesia, bem metrificada e bem rimada ( rimas ricas), seu cassino os bares e cabarés onde atravessava as madrugadas na amena companhia de outros tenazes literatos e de raparigas simpatizantes das musas e de seus cultores, a declamar odes, cantos literários, poemas líricos e lúbricos, sonetos de amor. Tudo de sua autoria. Ele mesmo proclamara-se rei mundial do soneto, batera todos os recordes conhecidos, autos ate  aquela data de vinte mil oitocentos e sessenta e cinco sonetos, entre decassílabos e alexandrinos, de arte-menor e de arte-maior, e anaciclicos. Um principio de calva ameaçava-lhe a cabeleira morena de vate mas não lhe diminuía a simpatia radiosa.


Tomou da palavra e novamente Poncho atravessava a sala envolto em jornais, não mais iria esquecê-lo o jovem Arthur, dele se recordaria para sempre: embrulhado nas folhas de A Tarde, Poncho, herói de um mundo proibido e fascinante.


Sucediam-se as historias enquanto dona Maite,dona Dulce, a casadoira Regina, outras moças e senhoras, serviam cafezinho com bolos, cálices de cachaça e de licor de frutas. A vizinhança providenciara para que nada faltasse ao velório.



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Autor(a): Bela

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Os importantes, sentados na sala de jantar, no corredor, na porta da rua, relembravam Poncho entre anedotas e risos.  Os outros, os parceiros de jogo e de malandragem, recordavam-no em silencio, sérios e comovidos, demoravam na sala de visitas, de pé, ao lado do corpo. Ao entrar, paravam ante dona Any, apertavam-lhe a mão, encabulados, como se fosse ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 6



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  • bela Postado em 08/09/2009 - 11:57:21

    Postei em Dona Any e Seus Dois Maridos ....
    comentem por favor sim....
    bjinhoss

  • anacarolinaa Postado em 30/08/2009 - 20:53:01

    oii! será que você pode conferir minha mini web De Repente ?
    Ah! Adorei sua web!
    Obg!
    Bjooo

  • millarbd Postado em 26/08/2009 - 20:26:27

    ADOREIIIIIIIIIIIIII... POSTA MAIS...., PLIS....

  • marcos00 Postado em 26/08/2009 - 20:24:41

    2 leitorr

    kkk

  • bela Postado em 26/08/2009 - 19:54:13

    eba !!!! primera leitora... q bom q gostou ... espere q goste do resto...rsrsrs

  • millarbd Postado em 26/08/2009 - 17:00:25

    1 leitora... ja gostei.. posta logo!


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