Fanfic: Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada
Os importantes, sentados na sala de jantar, no corredor, na porta da rua, relembravam Poncho entre anedotas e risos. Os outros, os parceiros de jogo e de malandragem, recordavam-no em silencio, sérios e comovidos, demoravam na sala de visitas, de pé, ao lado do corpo. Ao entrar, paravam ante dona Any, apertavam-lhe a mão, encabulados, como se fossem responsáveis pelos malfeitos de Poncho. Muitos deles não conheciam sequer, nunca a tinham visto, mas, de tanto ouvirem falar nela, sabiam como por vezes Poncho tomava-lhe até o dinheiro das despesas para jogá-lo no Pálace, no Tabaris, no Abaixadinho, no antro de Zezé Meningite, no de Abilío Moqueca, nas múltiplas roletas ilegais da cidade, inclusive na mal-afamada casa de tavolagem do negro Paranaguá Ventura, onde por principio só o banqueiro devia ganhar.
Figura torva e amedrontadora essa do negro Paranaguá Ventura com sua incontáveis entradas na policia, um rol de acusações jamais completamente prvadas, sua fama de ladrão, estuprador e assassino. Por crime de morte respondera a júri e fora absolvido mais por falta de coragem dos jurados do que por falta de provas. Diziam-no autor de dois outros assassinatos, sem falar na mulher esfaqueada na Ladeira de São Miguel, em pleno meio-dia, pois essa escapara por um triz. O covil de Paranaguá, freqüentavam-no apenas capadocios profissionais de baralhos marcados, gatunos, batedore de carteira, vigaristas, gente sem nada mais a perder. Pois bem: até lá chegava Poncho com seu magro dinheiro e riso alegre, e talvez fosse ele um dos poucos eleitos a poder gabar-se de haver ganhado alguma vez nos dados viciados de Paranaguá. Segundo constava, de quando em quando, o negro permetia a um parceiro de sua afeição acertar uma bolada.
Vieram também as alunas de dona Any, quase todas. Alunas e ex-alunas, unânimes no desejo de consolar a estimada e competente professora, tão boazinha, coitada! De três em três meses, sucediam-se as turmas nos cursos de culinária geral (pela manhã) e de culinária baiana (pela tarde), formavam-se em forno e fogão. Com diploma impresso e quadro de formatura exposto em loja da Avenida Sete, desde uma turma antiga, á qual pertencera dona Oscarlina, enfermeira de categoria, funcionaria do Hospital Português, esbelta e esporreteada, doida por um enredo. Exigira diploma e quadro, movimentara as colegas, fizera uma agitação dos demônios, recolhera contribuições, arranjara desenhista de raça, pintara sete, a enxerida. Assim pressionada dona Any concordou, inclusive com o desenhista, um conhecido de dona Oscarlinda, não sem proclamar, no entanto a competência de seu irmão Heitor – que desenhara o cartaz com o nome da Escola, ainda na Ladeira do Alvo -, infelizmente residindo agora em Nazareth das Farinhas. De qualquer maneira, sentia-se vaidosa ao ler, no diploma e no quadro de formatura, em grossas letras tipográficas:
Escola de Culinária Sabor e Arte
E, logo abaixo, em caracteres floreados:
Diretora – Anahí Puentes Herrera
Poncho, nos raros dias em que, acordando mais cedo, permanecia em casa, rondava as alunas, envolvendo-se nas aulas de culinária, pertubando-as. Reunidas em torno da professora, álacres e graciosas, elas anotavam as receitas, as quantidades exatas de camarão, de azeite-de-dendê, de coco ralado, uma pitada de pimenta-do-reino, aprendiam como tratar o peixe, como preparar a carne, como bater os ovos. Poncho interrompia com uma piada sobre ovos, de duplo sentido, riam-se as descaradas.
Umas descaradas, quase todas elas. Muita amizade e adulação com dona Any, mas de olhos interessados no patife. Lá estava ele com seu ar trêfego e altivo, escornado numa cadeira ou estendido num degrau da porta da cozinha, a La godaça, a medi-las de cima a baixo, demorando-se nas pernas, nos joelhos, no caminho das coxas, na altura dos seios. Elas baixavam os olhos, o não-sei-que-diga não baixava os dele.
Dona Any preparava os pratos salgado e os bolos, tortas e doces, nas aulas práticas. Poncho emitia conceitos, arrotava chalaças, comia os quitutes, circulando em torno delas, puxando conversa com as mais bonitas, arriscando a mão salafrária se alguma mais árdega se aproximava.
Dona Any ficava nervosa, agoniada, a ponto de errar as medidas da manteiga derretida no manuê difícil, rogando a Deus fosse Poncho para a rua, para a malandragem, para desgraça do jogo, mas deixasse as alunas em paz.
Agora, no velório, cercavam dona Any e a confortava, mas uma delas, a pequena Ieda, com sua cara de gata arisca, mal podia conter as lagrimas e não desviava os olhos da face do morto. Dona Any logo percebeu o exagero do sentimento, sentiu um baque no peito. Teria se passado alguma coisa entre eles? Nunca notara nada suspeito, mas quem podia garantir não se encontrassem os dois fora da escola, fosse terminar num castelo qualquer? Poncho, desde o caso com a sirigaita da Noêmia, aparentemente deixara de pastorear as alunas. Mas era homem de muita manha, bem podia esperar a desbriada na esquina, botar-lhe conversa, e que mulher resistia à lábia de Poncho? Dona Any acompanhava o olhar de Ieda, descobria o beicinho tremulo da moça. Não lhe restava duvidas, ah! Poncho mais sem jeito...
De todos os desgostos que lhe dera o marido, nenhum comparável ao caso com a donzela Noêmia, putinha de família respeitável, e noiva, um horror! Mas dona Any não queria recordar aquela tristeza antiga na noite da sentinela, quando, pela derradeira vez, fitava a face de Poncho. Tudo aquilo passara, estava distante, a fulana casara, fora embora com o noivo, um Zinho com fumaças de jornalista, talento precoce pois tão jovem e já tão corno, de nome Alberto. Ao demais, com o casamento a pedante enfeara de vez, virar um bucho sem medida.
Quando, naquela ocasião, tudo terminara bem quase por milagre, Poncho lhe dissera no calor do leito e da reconciliação: Mulher permanente pra só mesmo tu sou capz de suportar. O resto é tudo xixica para passar o tempo. Ali no velório, cercada de tanta gente e de tanta afeição, dona Any não deseja relembrar aquela esquecida historia, tampouco vigiar gestos e olhares da pequena Ieda com seu choro malcontido, seu segredo debulhado em lagrimas. Com Poncho morto nada mais importava, para que esclarecer, tirer a limpo, acusar e lastimar-se? Ele morrera, tinha pagado tudo e até com juros, pois tão jovem se finara. Dona Any sentiu-se em paz com o marido, não tinha contas a acertar com ele.
Curvou a cabeça, deixou de controlar os movimentos da moça. Via apenas, ao baixar os olhos, Poncho tocando-lhe o corpo com a mão, no leito de ferro, dizendo-lhe ao ouvido; tudo xixica pra passar o tempo, permanente só tu, Any, minha flor de manjericão, outra nenhuma. Que diabo era xixica? – quis saber de repente saber dona Any. Uma pena. Nunca lhe havia perguntado, mas coisa boa não seria. Sorriu. Tudo xixica, permanente só ela, Any, flor de Poncho em sua mão desfolhada.
Autor(a): Bela
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5 NO OUTRO DIA, ÀS DEZ DA MANHÃ, SAIU O ENTERRO, COM GRANDE acompanhamento. Não havia bloco nem rancho naquela manhã de segunda-feira de carnaval capaz de comparar-se em importância e animação com o funeral de Poncho. Nem de longe. - Espie... Pelo menos espie pela janela... – disse dona Maite a Christian, desist ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 6
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bela Postado em 08/09/2009 - 11:57:21
Postei em Dona Any e Seus Dois Maridos ....
comentem por favor sim....
bjinhoss -
anacarolinaa Postado em 30/08/2009 - 20:53:01
oii! será que você pode conferir minha mini web De Repente ?
Ah! Adorei sua web!
Obg!
Bjooo -
millarbd Postado em 26/08/2009 - 20:26:27
ADOREIIIIIIIIIIIIII... POSTA MAIS...., PLIS....
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marcos00 Postado em 26/08/2009 - 20:24:41
2 leitorr
kkk -
bela Postado em 26/08/2009 - 19:54:13
eba !!!! primera leitora... q bom q gostou ... espere q goste do resto...rsrsrs
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millarbd Postado em 26/08/2009 - 17:00:25
1 leitora... ja gostei.. posta logo!