Fanfic: Dona Any e Seus Dois Maridos - Adaptada
Ali, na capital, vivia em desconforto, casa pequena, sem um quarto só para ela, dormindo em cama-de- vento na sala onde dona Any lecionava as aulas teóricas, sem armário próprio para seus teréns, enquanto tão ampla a casa do filho, com sobras de comodos. Em Nazareth, ao demais e sobretudo, ela, dona Marichelo, era alguém. Não se impunha apenas como mãe de seu Heitor - funcionário de categoria da Estrada de Ferro, segundo secretário do Clube Social Farinhense, um dos melhores tabuleiros de gamão e dama da cidade (eclodindo nêle a frustrada vocação de seu Gil), um zarro no desenho: copiava a fisionomia de qualquer vivente e reproduzia a lápis cromos de folhinha -, era ela própria ornamento e evidência da melhor sociedade nazarena, onde exibia suas relações metropolitanas, a família Marinho Falcão, dr. Zitelmann Oliva e dona Lígia, o jornalista Nacife, dona Magá, o industrial Nilson Costa e sua chácara no Matatu, e antes de tudo seu compadre doutor Luís Henrique, o "cabecinha de ouro", orgulho da terra.
Na capital, nem mesmo no mundo daquela pequena-burguesia apenas remediada, circunscrito a umas poucas ruas entre o Largo Dois de Julho e Santa Tereza, nem mesmo ali lhe davam atenção e importância; ao contrário, haviam-lhe tomado birra. As amigas mais íntimas de sua filha, dona Maite, dona Dulce, dona Emina, dona Amélia Ruas, dona Jacy, não tiveram pejo em responsabilizá-la pelo estado desalentador da viúva, pondo a culpa em seus maus bofes, nas recriminações e nos insultos, na absurda quizília com o morto. Ou bem mudasse de atitude, largando o falatório e as maldições á memória do genro, ou fosse embora. Um ultimatum.
Por isso mesmo, em reação a tão inominável acinte, dona Marichelo prolongou a visita apesar do desconforto da casa e das restrições da vizinhança. (Dona Jacy até arranjara ama para doná Any: uma encardida Sofia, sua afilhada). Apressou-se a viajar, no entanto, após a missa de mês, ao ter notícias, através do compadre doutor, de sua designação pelo
reverendo Walfrido Moraes para o alto cargo de tesoureira da Campanha em Benefício das Novas Obras da Catedral de Nazareth, em cujo Conselho Diretor esplendiam a esposa do Juiz de Direito (Presidenta), do Prefeito (Primeira Vice), do Delegado (Segunda) e outras eminencias sociais da terra. Há muito almejava dona Marichelo pertencer ao rol das diretoras, mesmo como última vogal da lista; de repente saía tesoureira, nada menos. O Divino Espírito Santo iluminara o padre Walfrido, antes tão reticente ás suas investidas.
Ao sacerdote custara vacilações e dúvidas tal despacho, mas o influente conterrâneo a quem recorrera para obter o pagamento de substanciosas verbas estaduais, condicionou sua decisiva ajuda à posse de dona Marichelo num cargo de inveja na pia congregação das beatas. Chantagem miserável, pensou o vigário, curvando-se a ela, no entanto, pois tinha urgência da bolada e, sem a intervenção do doutor Luís Henrique, como apressar a máquina burocrática? Nas antevésperas, dona Gisela, com quem por vêzes o doutor discutia sôbre os destinos do mundo e as imperfeições do ser humano, informara-lhe:
- Se dona Marichelo não fôr embora, a pobre Any não terá descanso nem para esquecer . . . E ela precisa esquecer, está complexada, é um cunoso caso de morbidez, caro doutor, que só a psicanálise pode explicar. Aliás, Freud cita um exemplo . . .
Dona Maite, que com ela viera, interrompia em tempo:
- É uma caridade que o senhor faz, doutor . . . Bote essa peste longe daqui, mande pra Nazareth, que ninguém aguenta mais . . . "Pobre Heitor, pobre Celeste, pobres crianças . . .", lastimou o doutor e padrinho. Mas, entre dona Any, viúva e freudiana, e o casal já na cangalha de dona Marichelo há anos, não lhe coube vacilação: sacrificou afilhado e a gentil espôsa, em cuja casa almoçava e sempre bem em suas constantes idas ao Recôncavo.
Cada qual com sua cruz, decidiu êle; a dela, dona Any a carregara sete anos a fio: aquêle marido, pesado lenho. Não era justo agora, na esteira da viuvez, empurrar-lhe dona Marichelo, um calvário completo: cruz, coroa de espinhos, vinagre e fel.
Autor(a): Bela
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Sem dona Marichelo, só de raro em raro as xerêtas da vizinhança traziam à baila o nome do maldito, em respeito ás exigências de dona Maite e de dona Dulce, e também porque dona Any retomara o curso normal da vida, após atravessar as infindas areias da ausência. Não a vida de antes e, sim, um calmo viver, pois ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 6
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bela Postado em 08/09/2009 - 11:57:21
Postei em Dona Any e Seus Dois Maridos ....
comentem por favor sim....
bjinhoss -
anacarolinaa Postado em 30/08/2009 - 20:53:01
oii! será que você pode conferir minha mini web De Repente ?
Ah! Adorei sua web!
Obg!
Bjooo -
millarbd Postado em 26/08/2009 - 20:26:27
ADOREIIIIIIIIIIIIII... POSTA MAIS...., PLIS....
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marcos00 Postado em 26/08/2009 - 20:24:41
2 leitorr
kkk -
bela Postado em 26/08/2009 - 19:54:13
eba !!!! primera leitora... q bom q gostou ... espere q goste do resto...rsrsrs
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millarbd Postado em 26/08/2009 - 17:00:25
1 leitora... ja gostei.. posta logo!