MESMO DEPOIS DA CONSIDERÁVEL FESTA de boas-vindas no aeroporto, as estradas rumo ao palácio estavam cercadas de multidões torcendo por nós. A parte triste é que não podíamos abaixar a janela do carro para agradecer. O guarda no banco da frente disse que deveríamos nos considerar uma extensão da família real. Muitos nos adoravam, mas havia pessoas lá fora que não se importariam em nos ferir para ferir o príncipe. Ou a própria monarquia.
Eu estava presa ao lado de Maria no carro. Era um modelo especial com dois bancos de passageiros na parte de trás, um voltado para o outro, e vidros escuros. Ashley e Marlee iam sentadas à nossa frente. Marlee olhava radiante pela janela. O motivo era óbvio: seu nome estava escrito em diversos cartazes. Seria impossível contar quantos admiradores ela tinha.
O nome de Ashley também aparecia aqui e ali, quase tanto quanto o de Maria e bem mais que o meu. Ashley, sempre uma dama, não se deixou levar pelo pensamento de ser uma das favoritas no concurso. Maria, eu podia notar, estava irritada.
— O que você acha que ela fez? — cochichou no meu ouvido enquanto Marlee e Ashley conversavam sobre suas casas.
— Como assim? — cochichei de volta.
— Para ser tão popular. Você acha que ela subornou alguém?
Seus olhos frios se fixaram em Marlee, como se estivesse aferindo o valor dela mentalmente.
— Ela era uma Quatro — afirmei, com ar cético. — Não teria dinheiro para subornar alguém.
Maria estalou a língua.
— Por favor... Uma mulher possui outros meios de conseguir o que quer — ela disse, virando para olhar a janela.
Levei um tempo para compreender o que quis dizer e não gostei nada daquilo. Não porque era óbvio que uma pessoa tão inocente como Marlee seria incapaz de pensar em dormir com alguém – ou seja, quebrar uma lei – para se dar bem, mas porque ficava claro que a vida no palácio ia ser pior do que eu tinha imaginado.
Eu não tive uma boa visão do local na chegada, mas reparei nas paredes: tinham um tom amarelo-claro e eram muito, muito altas. Havia guardas no alto de cada um dos lados do amplo portão, que se abria para dentro conforme nos aproximávamos. O carro entrou e seguiu uma pista de cascalho que contornava uma fonte e conduzia à porta principal, onde alguns oficiais esperavam para nos dar as boas-vindas.
Com pouco mais que um “oi”, duas mulheres me agarram pelo braço e me arrastaram para dentro.
— Perdoe-nos pela pressa, senhorita, mas seu grupo está atrasado — uma delas disse.
— Ah, acho que foi culpa minha. Falei demais no aeroporto.
— Você estava conversando com a multidão? — a outra perguntou com ar de surpresa.
Elas trocaram um olhar que não compreendi antes de começarem a indicar para onde devíamos ir.
A sala de jantar ficava à direita, contaram, e o Grande Salão à esquerda. Vi um pedacinho florescente de jardim do outro lado das portas de vidro. Queria ter parado. Antes de conseguir processar para onde íamos, as duas me empurraram para um salão gigantesco com pessoas que passavam de um lado para o outro.
Abriu-se uma brecha naquele formigueiro humano. Pude ver fileiras de profissionais cortando o cabelo e fazendo as unhas das garotas. Roupas pendiam de cabides, e as pessoas gritavam coisas como “Encontrei o tom!” e “Assim ela parece gorda”.
— Aqui estão elas!
Vi uma mulher caminhando na nossa direção. Com certeza era a responsável.
— Meu nome é Silvia. Conversamos pelo telefone — ela se apresentou e imediatamente se pôs a trabalhar. — Uma coisa de cada vez. Primeiro, as fotos do “antes”. Venham aqui — ela ordenou, apontando uma cadeira em frente a um biombo no canto do salão. — Não se preocupem com as câmeras, senhoritas. Faremos um especial sobre a transformação de vocês. Todas as meninas de Illéa vão querer ficar parecidas com vocês quando tivermos terminado.
De fato, várias pessoas com câmeras perambulavam pelo salão, filmando de perto os sapatos das garotas e fazendo entrevistas. Após as fotos, Silvia começou a disparar ordens diferentes.
— Levem a senhorita Celeste para a estação quatro, a senhorita Ashley para a cinco... e parece que acabaram de liberar a estação dez. Leve a senhorita Marlee para lá. A senhorita America vai para a seis.
— Então, é o seguinte — disse um moreno baixo, conduzindo-me para o assento número seis. — Precisamos conversar sobre sua imagem.
Ele ia direto ao assunto.
— Minha imagem?
Já não estava boa? Não foi ela que me levou até ali?
— Que impressão você quer dar? Com esses cabelos castanhos, podemos te deixar bem sedutora. Mas se essa não for sua jogada, pensamos em outra coisa — ele disse sem rodeios.
— Não vou mudar tudo em mim para arranjar um cara que nem conheço — eu disse, enquanto em minha cabeça completava a frase com um “e de quem não gosto”.
— Nossa, temos alguém especial aqui? — ele disse, como se fosse uma criança.
— E não somos todos especiais?
O homem deu um sorriso.
— Tudo bem, então. Não vamos mudar sua imagem; vamos apenas melhorá-la. Preciso dar uma polida em você, mas sua aversão a tudo que é falso pode até ser uma grande vantagem aqui. Continue assim, querida.
Ele me deu um tapinha nas costas e saiu, não sem antes chamar um grupo de mulheres que se moveu em bloco na minha direção.
Não sabia que a “polida” de que ele tinha falado era literalmente uma polida. Uma mulher começou a esfregar meu corpo, o que aparentemente eu era incapaz de fazer direito sozinha. Em seguida, cada pedacinho de pele descoberta foi untado com loções e óleos que me deixaram com cheiro de baunilha. Segundo a moça que os passava em mim, era o aroma favorito do príncipe.
Assim que terminaram de me deixar macia e suave, as atenções se voltaram para as minhas unhas. Apararam, lixaram e – milagrosamente – conseguiram até tirar os pedaços mais duros de cutícula. Eu disse que preferia não pintar as unhas, mas as moças ficaram tão chateadas que deixei que fizessem meu pé. Uma das moças escolheu um tom mais neutro, então o resultado não ficou tão ruim.
O grupo que trabalhou em minhas unhas saiu para dar lugar a outra moça, enquanto eu permanecia quieta na cadeira à espera da próxima rodada de embelezamento. Uma equipe de filmagem passou por mim e focalizou minhas mãos.
— Não se mexa — ordenou uma mulher, olhando torto para minhas unhas. — Mas você não vai passar nada nelas?
— Não.
Ela deu um suspiro, sem me convencer, e foi embora.
Percebi alguma coisa tremendo à minha esquerda. Vi então uma menina de olhos perdidos balançando as pernas sob uma grande capa que alguém tinha jogado por cima dela.
— Está tudo bem? — perguntei.
Minha voz a tirou do transe. Ela suspirou.
— Querem tingir meu cabelo de loiro. Disseram que ia combinar mais com meu tom de pele. Acho que só estou nervosa.
Ela abriu um sorriso tenso, que retribuí.
— Seu nome é Sosie, certo?
— Isso — ela sorriu, ainda ansiosa. — E o seu é America?
Concordei com a cabeça.
— Disseram que você veio com aquela Maria. Ela é terrível!
Respirei fundo. O salão inteiro escutava os gritos de Celeste com as pobres assistentes, ordenando que lhe levassem algo ou simplesmente saíssem da frente.
— Você não faz ideia — murmurei, e demos uma risadinha. — Olha, eu acho seu cabelo lindo.
E era mesmo. Nem escuro demais, nem claro demais, e bem cheio.
— Obrigada.
— Se não quiser mudar a cor dele, não mude.
Sosie sorriu, mas dava para notar que ela não sabia ao certo se eu estava tentando ser sua amiga ou prejudicá-la. Antes de ela dizer qualquer coisa, mais equipes chegaram, gritando suas instruções tão alto que não houve como terminar a conversa.
Meu cabelo foi lavado, condicionado, hidratado e amaciado. Antes, era bem comprido e tinha corte reto. Minha mãe o cortava, e era o melhor que ela podia fazer. Quando terminaram, ele estava vários dedos mais curto e tinha camadas. Gostei delas; faziam meu cabelo brilhar em diferentes contrastes. Algumas garotas fizeram luzes. Outras, como Sosie, mudaram completamente a cor do cabelo. Nesse quesito, tanto eu como minhas assistentes concordamos que não era necessário fazer nada.
Uma moça muito linda fez minha maquiagem. Pedi que não carregasse muito, e o resultado ficou bom. Um monte de meninas ficou parecendo um pouco mais velha ou mais jovem. Eu ainda parecia comigo mesma. E, claro, Celeste também, uma vez que já estava com o rosto inteiro rebocado quando chegou.
Usei um roupão durante a maior parte do processo. Quando terminaram de me ajeitar, levaram-me para as araras. Meu nome estava marcado em uma barra de onde pendiam vestidos para uma semana. Parecia que as candidatas a princesa não usavam calça.
Acabei escolhendo um vestido creme. Tinha bom caimento nos ombros, batia nos joelhos e ficava confortável na cintura. A moça que me ajudava disse que era um vestido para o dia, e garantiu que os vestidos de noite já estavam no meu quarto, para onde as outras araras logo seriam levadas. Em seguida, ela pôs um broche prateado perto da alça do vestido. Meu nome estava escrito nele em letras brilhantes. Por fim, ela me deu uns sapatos de salto médio que chamava de “saltos de gatinha”, e me mandou de volta para o canto, onde iam tirar minha foto do “depois”. De lá, mandaram-me para uma das quatro estações menores alinhadas contra a parede. Cada uma delas tinha uma cadeira, um biombo e uma câmera bem na frente.
Sentei e esperei, como me pediram. Uma mulher se sentou na minha frente com uma prancheta cheia de informações. Ela me pediu um pouco de paciência enquanto encontrava minha papelada.
— Pra que isso? — perguntei.
— É para o especial sobre a transformação. Vamos transmitir um programa sobre a chegada de vocês hoje à noite e, na quarta-feira, um sobre a transformação. Na sexta-feira, vocês vão participar do Jornal Oficial. As pessoas viram as fotos de vocês e sabem um pouco do que está nos formulários de inscrição — ela contou enquanto colocava minha recém-encontrada papelada no alto da pilha na prancheta.
A mulher cruzou os dedos e continuou.
— Mas queremos que o povo realmente torça por vocês. E isso não vai acontecer se eles não conhecerem bem cada uma. Então faremos uma rápida entrevista aqui, e você vai fazer o seu melhor no Jornal Oficial. Não fique tímida quando nos vir circulando pelo palácio. Não estaremos aqui todos os dias, mas vamos aparecer bastante.
— Tudo bem — concordei, obediente.
Eu não queria mesmo ter que falar com equipes de filmagem. Era muito invasivo.
— Então,Mariana Espósito, está pronta? — ela perguntou segundos antes de uma luz vermelha na câmera acender.
— Sim — respondi tentando não parecer nervosa.
— Para ser sincera, não percebo muitas mudanças no seu visual. Você poderia nos dizer como foi sua transformação hoje?
Pensei um pouco.
— Cortaram meu cabelo em camadas e coisas assim.
Passei as mãos por minhas madeixas vermelhas e senti como meu cabelo estava mais suave depois dos cuidados profissionais.
— Também passaram loção de baunilha no meu corpo. Fiquei com cheiro de sobremesa — continuei, cheirando os braços.
Ela riu.
— Que linda. E esse vestido cai muito bem em você.
— Obrigada — eu disse, olhando minhas roupas novas. — Não sou muito de usar vestido, então vou demorar um pouquinho para me acostumar.
— Está certo — disse a entrevistadora. — Você é uma das três Cinco na Seleção. Como a experiência tem sido até agora?
Procurei na minha cabeça uma palavra para descrever como tinha sido o dia, desde minha decepção na praça até a sensação de voar e a simpatia de Marlee.
— Surpreendente.
— Acho que dias ainda mais surpreendentes virão — comentou a entrevistadora.
— Espero que sejam um pouco mais tranquilos do que hoje — repliquei entre suspiros.
— O que você achou da concorrência até agora?
Engoli em seco.
— As outras garotas são muito simpáticas — eu disse, completando na minha cabeça: “Com uma notável exceção”.
— Ahã... Ela percebeu que minha resposta escondia algo.
— E o que você acha do resultado da transformação? Tem medo de que outra menina tenha ficado melhor?
Ponderei minha resposta. Dizer não seria esnobe, e dizer sim seria dar uma de coitada.
— Acho que conseguiram realçar a beleza individual de cada garota.
Ela sorriu.
— Muito bem. É o suficiente.
— Já?
— A gente tem que encaixar trinta e cinco entrevistas em uma hora e meia. O que fizemos está de bom tamanho.
— Certo.
Até que não foi ruim.
— Obrigada. Você pode se sentar naquele sofá ali que alguém logo virá cuidar de você.
Levantei-me e fui para o grande sofá circular no canto. Duas meninas que eu ainda não conhecia estavam sentadas ali, conversando calmamente. Olhei para os lados e vi alguém dizer que o último lote acabara de chegar. Mais correria nas estações. Prestei tanta atenção no tumulto que quase não notei quando Marlee se sentou ao meu lado.
— Marlee! Seu cabelo!
— Eu sei. Puseram um aplique. Você acha que o príncipe vai gostar? — ela parecia realmente preocupada.
— Claro! Quem não gostaria de uma loira estonteante?
— America, você é tão simpática. Aquelas pessoas no aeroporto amaram você.
— Ah, eu só estava sendo legal com elas. Você também cumprimentou bastante gente — repliquei.
— Sim, mas bem menos que você.
Baixei a cabeça, um pouco envergonhada de receber um elogio por uma coisa tão óbvia. Quando a levantei de novo, olhei para as duas garotas sentadas conosco: Emmica Brass e Samantha Lowell. Ainda não tínhamos sido apresentadas, mas eu sabia quem elas eram. Fiquei com a pulga atrás da orelha. As duas me olhavam de um jeito esquisito. Antes de eu ter tempo para pensar no motivo disso, Silvia aproximou-se.
— Muito bem, garotas, estão prontas?
Ela conferiu a hora e nos olhou, esperando uma reação. Depois, continuou.
— Vou fazer um passeio rápido com vocês pelo palácio e depois mostrar seus quartos.
Marlee bateu palmas, e nós quatro nos levantamos para sair. Silvia contou que aquele lugar onde nos maquiaram e paparicaram era o Salão das Mulheres. Geralmente a rainha, suas damas de companhia e outras mulheres da realeza se divertiam ali.
— Acostumem-se àquele salão. Vocês passarão boa parte do tempo lá. Agora, quando vocês entraram, viram o Grande Salão, que geralmente é usado para festas e banquetes. Se houvesse muitas mais de vocês por aqui, seria lá que faríamos as refeições. Mas a sala de jantar normal é grande o suficiente para suas necessidades. Vamos dar uma passada por lá.
Silvia mostrou onde a família real fazia suas refeições, em uma mesa à parte. As Selecionadas ficariam em mesas compridas dispostas como um “U” bem estreito. Nossos lugares já estavam marcados com plaquinhas muito elegantes. Eu ia me sentar entre Ashley e Tiny Lee, que tinha visto de passagem no Salão das Mulheres, e à frente de Kriss Ambers.
Deixamos a sala de jantar e descemos as escadas até a sala de onde transmitiam o Jornal Oficial de Illéa. De volta ao andar de cima, nossa guia apontou a sala onde o rei e o príncipe trabalhavam na maior parte do tempo. A área estava além dos nossos limites.
— Outra coisa fora dos limites: o terceiro andar. Lá ficam os cômodos reservados à família real, então nenhuma intrusão será tolerada. Os quartos de vocês estão localizados no segundo andar. Vocês ocuparam boa parte dos quartos de visitas, mas não se preocupem: ainda temos espaço para quem chegar. Estas portas aqui dão para o jardim dos fundos. Olá, Hector. Olá, Markson.
Os dois guardas à porta cumprimentaram com a cabeça. Demorou um pouco para eu reconhecer que a grande arcada à nossa direita era a porta lateral para o Grande Salão, o que significava que o Salão das Mulheres ficava no próximo corredor à direita. Fiquei orgulhosa de mim mesma por ter percebido isso. O palácio era uma espécie de labirinto opulento.
— Vocês não podem sair do palácio em nenhuma circunstância — prosseguiu Silvia. — Às vezes, durante o dia, poderão ir até o jardim, mas nunca sem permissão. Isso é exclusivamente para manter vocês seguras. Apesar de nossos esforços, os rebeldes entraram no palácio uma vez.
Um calafrio percorreu minha espinha.
Entramos em um corredor e subimos as enormes escadas que davam para o segundo andar. Eu sentia tapetes tão espessos sob meus pés que tinha a impressão de afundar um centímetro a cada passo. A luz atravessava janelas no alto; tudo cheirava a flores e raios de sol. As paredes estavam repletas de pinturas grandes que retratavam os reis do passado e alguns líderes americanos e canadenses. Pelo menos era isso que eu achava, já que nenhum deles usava coroa.
— As coisas de vocês já estão nos quartos. Se não gostarem da decoração, basta avisar as criadas. Cada uma de vocês tem três, e elas também já estão nos quartos. Vão ajudar vocês a desfazer as malas e a se preparar para o jantar. Antes do jantar de hoje, vocês se reunirão no Salão das Mulheres para uma projeção especial do Jornal Oficial de Illéa. Semana que vem, estarão ao vivo no programa! Esta noite vocês verão algumas das imagens feitas desde quando saíram de suas casas até a chegada aqui. Será bem especial. Saibam que o príncipe Maxon ainda não viu nada. Ele verá o mesmo que Illéa esta noite. Amanhã vocês o conhecerão oficialmente. Vocês jantarão em grupo, para que possam se conhecer melhor, e amanhã os jogos começam!
Engoli em seco. Regras demais, estrutura demais, gente demais. Eu só queria ficar sozinha com um violino.
Começamos a percorrer o segundo andar; e cada menina ia ficando em seu quarto. O meu era depois de uma curva no corredor, em um pequeno saguão onde também estavam os quartos de Bariel, Tiny e Jenna. Fiquei feliz de não ser bem no meio do tumulto, como o de Marlee. Talvez assim eu tivesse um pouco mais de privacidade.
Assim que nossa guia saiu, abri a porta do meu quarto, para o susto de três mulheres. Uma estava costurando em um dos cantos, as outras limpavam um quarto já perfeito. Elas largaram apressadamente o que faziam para se apresentar: Lucy, Anne e Mary. Esqueci quem era quem quase imediatamente. Custou bastante convencê-las a me deixar sozinha.
Não queria ser grossa, já que estavam ansiosas por ajudar, mas eu precisava de um tempo sozinha.
— Eu só preciso tirar uma soneca. Tenho certeza de que o dia de vocês também foi longo. O melhor que podem fazer por mim é me deixar descansar e dar uma relaxada também. Mas, por favor, me acordem quando for hora de descer.
Depois de uma nova enxurrada de agradecimentos e reverências, que tentei interromper, eu estava a sós. Não ajudou. Tentei me esticar na cama, mas cada milímetro do meu corpo estava tenso, como se não quisesse que eu me sentisse confortável em um lugar que obviamente não era para mim.
Havia um violino no canto, e também um violão e um piano maravilhoso, mas não consegui me empolgar com eles. Minha mala estava bem fechada, esperando ao pé da cama, mas me pareceu trabalho demais. Sabia que eles tinham guardado algumas coisas especiais para mim no armário e nas gavetas, mas também não tive vontade de explorar.
Só fiquei lá deitada, quieta. Sabia que deviam ter passado horas, mas elas pareceram uns poucos minutos quando minhas criadas bateram levemente à porta. Deixei-as entrar e, apesar de parecer estranho, me vestir. Elas estavam tão felizes em ser úteis que eu não podia pedir que saíssem outra vez.
As criadas puxaram partes do meu cabelo para trás e prenderam com presilhas delicadas, além de retocar minha maquiagem. O vestido – que, como o resto do guarda-roupa, fora criado pelas mãos delas – era verde-escuro e sua barra tocava o chão. Sem aqueles saltos médios, eu tropeçaria nele.
Silvia bateu à minha porta pontualmente às seis para me levar para o salão, junto com minhas três vizinhas. Esperamos as demais no vestíbulo ao pé da escada e então marchamos até o Salão das Mulheres. Marlee me viu e caminhamos juntas.
O som de trinta e cinco pares de salto alto contra o mármore da escada era como a música de uma manada elegante. Escutavam-se alguns cochichos, mas a maior parte das moças permanecia em silêncio. Notei que as portas da sala de jantar estavam fechadas quando passamos. Será que a família real estava lá, fazendo sua última refeição a três?
Era estranho sermos convidadas e, no entanto, ainda não termos conhecido nenhum deles.
O Salão das Mulheres tinha mudado na nossa ausência. Os espelhos e cabides já não estavam lá. Em seu lugar, havia mesas e cadeiras preenchendo o salão, além de uns sofás que pareciam bem confortáveis. Marlee olhou para mim e apontou com a cabeça para um deles. Nós nos sentamos juntas. Quando todas estávamos acomodadas, ligaram a TV e assistimos ao Jornal Oficial. As mesmas notícias de sempre – novidades sobre o orçamento dos projetos, a situação das guerras e outro ataque rebelde no leste – para depois dedicarem os trinta minutos finais aos comentários de Gavril sobre as imagens do nosso dia.
— Aqui vemos a senhorita Maria del Cierro se despedir de seus muitos admiradores de Clermont. Essa adorável garota precisou de mais de uma hora para dizer adeus aos fãs.
Maria sorriu convencida ao se ver na TV. Ela estava ao lado de Bariel Pratt, com seus cabelos alisados até o talo e de um loiro tão claro que pareciam brancos. E não havia como dizer de um jeito mais educado: ela tinha seios enormes. Eles se insinuavam no seu vestido tomara que caia, desafiando todos a tentar ignorá-los.
Bariel era linda, mas de um jeito comum. Tinha um estilo parecido com o de Maria. Ao ver as duas juntas pensei na expressão “Mantenha seus inimigos por perto”. Acho que uma viu na outra a concorrente mais forte logo de cara.
— E as outras garotas do meio-leste também são muito populares. A atitude calma e refinada de Ashley Brouillette a define imediatamente como uma dama. Sua expressão humilde ao caminhar em meio à multidão não é muito diferente da expressão da própria rainha. E Marlee Tames, de Kent, estava toda eufórica em sua partida hoje, tendo até mesmo cantado o hino com a banda enviada ao local.
Fotos de Marlee sorrindo e abraçando a multidão da sua província natal apareceram na tela.
— Ela é uma das favoritas de muitas pessoas que entrevistamos hoje.
Marlee estendeu o braço e apertou minha mão. Estava feito: eu ia torcer por ela.
— Quem também viajou com a senhorita Tames foi Mariana Espósito, uma das três Cinco a chegar à Seleção.
Eles me fizeram parecer melhor do que eu realmente estava naquele momento. Tudo de que eu me lembrava era da minha triste busca por alguém na multidão. Mas o trecho que escolheram me fez parecer madura e responsável. A imagem do abraço com meu pai era linda e comovente.
Ainda assim, não foi nada comparado às minhas imagens no aeroporto.
— Sabemos que castas nada significam na Seleção, e parece que não devemos desprezar a senhorita America. Assim que aterrissou em Angeles, tornou-se a queridinha da multidão, parando para tirar fotos, distribuir autógrafos e conversar com quem estava por lá. Ela não tem medo de sujar as mãos, uma qualidade que muitos creem ser necessária à nossa próxima princesa.
Quase todas olharam para mim. Pude ver em seus olhos o mesmo olhar que recebi de Emmica e Samantha. De repente, aquelas encaradas fizeram sentido. Minhas intenções não importavam. As outras garotas não sabiam que eu não queria ganhar. Na visão delas, eu era uma ameaça. E dava para notar que me queriam fora.
Continua.....
karenlessa9:A Maratona vai ser amanha a partir das 7 horas da noite
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