Fanfic: A probabilidade estatística do amor à primeira vista(adaptada) | Tema: Vondy

Dá uma olha na capa antes de devolver um livro, e ela percebe que ele reconheceu o título. Demora alguns segundos pra se dar conta de que o garoto deve ter achado que ela é uma dessas pessoas que lê Dickens no aeroporto. Dulce quase explica pra ele que não; na verdade, tem o livro há anos e nunca nem o abriu. Em vez de dizer isso, sorri e olha pra janela a fim de evitar qualquer tipo de conversa.

Ela não está com vontade de bater papo, nem mesmo com alguém tão bonito quanto ele. Não queria nem estar ali. O dia que a espera é com um ser vivo pulsante, uma indo em sua direção em alta velocidade; em breve, a coisa vai nocauteá-la. O medo de entrar no avião – e de estar em Londres – é físico e faz com que fique inquieta, balance as pernas e fique mexendo os dedos.

O homem a seu lado assoa o nariz e , depois, volta a erguer o jornal. Dulce torce para que também não seja o passageiro a seu lado no avião. Sete horas é muito tempo, uma parte muito grande do dia, pra ser deixada nas mãos da sorte. Viajar com alguém desconhecido é uma idéia estranha, porém quantas vezes tinha voltado para a Flórida, para Chicago ou Denver na companhia de uma pessoa totalmente desconhecida, lado a lado, ombro com ombro, pelo país afora? Viagens de avião são assim: você pode passar horas conversando com uma pessoa sem nem saber seu nome, pode contar seus maiores segredos e, depois, nunca mais vê-la.

O homem se inclina para ler o jornal e seu braço toca de Dulce. Ela se levanta abruptamente e joga a mochila sobre o ombro. A área de embarque ainda está lotada. Olha para a janela e sente vontade de estar lá fora. Não sabe como vai conseguir ficar sentada ali por mais três horas, mas a idéia de carregar mala do meio daquela multidão é estressante. Coloca a mala perto da cadeira para que ninguém se sente e fala para a mulher de gola rulê:

-A senhora pode dar uma olhada na minha mala? – pergunta. A mulher fica segurando as agulhas do crochê e franze a testa.

-Você não devia fazer isso. – diz enfaticamente

- É só por um ou dois minutinhos – explica Dulce.

A mulher balança a cabeça como se não quisesse fazer parte das consequências do ato de Dulce.

-Eu posso tomar conta – diz o garoto.

Dulce olha pra ele – olha de verdade – pela primeira vez. Seu cabelo é de um loiro escuro e meio grande demais e há migalhas na frente da camisa, mas ele tem alguma coisa interessante. Talvez seja sotaque, que, com certeza, é britânico, ou a boca tensa, evitando um sorriso. O coração bate mais forte. Ele olha pra ela e para a mulher, cujos lábios estão apertados em uma linha tensa, indicando um julgamento negativo.

-Isso é contra a lei – diz a mulher e olha pra dois seguranças em pé ao lado da praça de alimentação.

Dulce olha novamente para o garoto, que sorri.

-Tudo bem – diz ela –, eu levo a mala. Obrigada mesmo assim.

E começa a pegar as coisas. Coloca o livro embaixo do braço e a mochila sobre o ombro. A mulher nem recolhe os pés para que ela movimente a mala. No final da área de espera, o carpete sem cor termina e dá início ao chão de linóleo. A mala trava na junção da borracha que une os dois pisos e, depois, balança de uma roda para outra. Quando Dulce tenta estabilizá-la o livro cai de novo. Ela abaixa pra pegá-lo, mas deixa o casaco de moletom cair.

Só pode ser piada, pensa, soprando uma mecha de cabelo que está em seu rosto. Arruma tudo e estica a mão para pegar a mala, mas não acha a alça. Ela se vira e fica surpresa ao ver garoto a seu lado. Ele está segurando a mala.

-O que você está fazendo? – pergunta, olhando pra ele.

- Achei que precisava de ajuda.

Dulce continua olhando.

-E se eu andar com você, vou ajudar sem está fazendo nada ilegal – observa com um sorriso.

Ela ergue as sobrancelhas e ele estica as costas, demonstrando certa insegurança. Ela pensa na possibilidade de ele estar querendo roubar a mala, mas, se o caso for este, o plano não é muito bom, pois só tem um par de sapatos e um vestido lá dentro, e ela até ficaria feliz em se ver livre deles.

Dulce fica lá parada, perguntando-se o que fez para merecer um guarda-costas. No entanto, a multidão está cada vez maior, a mochila está pesada e os olhos do garoto tem um quê de solidão, como se não quisesse ser abandonado naquele momento. Dulce conhece esse sentimento. Depois de alguns segundos, ela concorda. Ele inclina a mala sobre as rodinhas e eles começam a caminhar.