Fanfics Brasil - * Senhora *

Fanfic: * Senhora *


Capítulo: 3? Capítulo

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II


 


 


Seriam nove horas do dia. Um sol ardente de março esbate-se nas venezianas que vestem as sacadas de uma sala, nas Laranjeiras. A luz coada pelas venezianas empanadas debruça com a suavidade do resplendor o gracioso busto de Dulce sobre o aveludado escarlate do papel que forra o gabinete.


 


Reclinada na conversadeira com os olhos a vagar pelo crepúsculo do aposento, a moça parece imersa em intensa cogitação. O recolho apaga-lhe no semblante, como no porte, a reverberação mordaz que de ordinário ela desfere de si, como a chama sulfúrea de um relâmpago. Mas a serenidade que se derramara por toda a sua pessoa, se de alguma sorte desmaia a cintilação de sua beleza, a embebe de um fluído inefável de meiguice e carinho, que a torna irresistível.


 


Seus olhos já não têm aqueles vivos lampejos, que despedem dos salões, e que, a igual do mormaço, crestam. Nos lábios, em vez de um lindo sorriso, borbulha agora a flor d’alma a rever os íntimos enlevos. Sombreia o formoso rosto uma tinta de melancolia que não lhe é habitual desde certo tempo, e que não obstante se diria o matiz mais próprio das feições delicadas. Há mulheres assim, a quem um perfume de tristeza idealiza. As mais violentas paixões são inspiradas por esses anjos de exílio.


 


Dulce concentra-se de todo dentro de si; ninguém ao ver essa gentil menina, de aparência tão calma e tranqüila, acreditaria que nesse momento ela agita e resolve o problema de sua existência; e prepara-se para sacrificar irremediavelmente todo o seu futuro.


 


Alguém que entrava no gabinete veio arrancar a formosa pensativa à sua longa meditação. Era D. Firmina Mascarenhas, a senhora que exercia junto de Dulce o ofício de guarda-moça. A viúva aproximou-se da conversadeira para estalar um beijo na face da menina, que só nessa ocasião acordou da profunda distração em que estava absorta. Dulce correu a vista surpresa pelo aposento; e olhou uma miniatura de relógio presa à cintura por uma cadeia de ouro fosco. Entretanto D. Firmina, acomodando a sua gordura semi-secular em uma das vastas cadeiras de braços que ficavam ao lado da conversadeira, dispunha-se a esperar pelo almoço.


 


- Está fatigada de ontem? - Perguntou a viúva com expressão de afetada ternura que exigia seu cargo.


 


- Nem por isso; mas sinto-me lânguida; há de ser o calor. - respondeu a moça para dar uma razão qualquer de sua atitude pensativa.


 


- Estes bailes que acabam tão tarde não devem ser bons para a saúde; por isso é que na Ciudad de México há tanta moça magra e amarela. Ora, ontem, quando serviram a ceia pouco faltava para tocar matinas em Santa Teresa. Se a primeira quadrilha começou com o toque do Aragão!... Havia muita confusão; o serviço não esteve mau, mas andou tão atrapalhado!...  


 


D. Firmina continuou por aí além a descrever suas impressões do baile de véspera, sem tirar os olhos do semblante de Dulce, onde espiava o efeito de suas palavras, pronta a desdizer-se de qualquer observação, ao menor indício de contrariedade. Deixou-a  moça falar, desejosa de desprender-se e embalar-se ao rumor dessa voz que ouvia, sem compreender. Sabia que a viúva conversava acerca do baile; mas não acompanhava o que ela dizia. De repente, porém, interrompeu-a:


 


- Que tal achou a Amaralzinha, D. Firmina? - A velha fez semblante de recordar-se.


 


- A Amaralzinha?... É aquela moça toda de azul?


 


- Com espigas de prata nos cabelos e nos apanhados da saia; simples e de


muito bom gosto.


 


- Lembra-me. É uma menina bem galante! - Afirmou a viúva.


 


- E bem educada. Dizem que toca piano perfeitamente, e que tem uma voz muito agradável.


 


- Mas não costuma aparecer na sociedade. É a primeira vez que a encontramos; não me lembro de tê-la visto antes.


 


- Foi à primeira vez!


 


Pronunciando estas palavras, a moça parecia de novo sentir sua alma atraída imperiosamente por esse pensamento desconhecido que a absorvia. Mas reagiu contra essa preocupação e dirigiu-se à viúva em um tom vivo e instante:


 


- Diga-me uma coisa, D. Firmina!


 


- O que é, Dulce?


 


- Mas há de ser franca. Promete-me?


 


- Franca? Mais do que eu sou, menina? Se é este o meu defeito!... - A moça hesitava:


 


- Experimente senhora! Quem a senhora acha mais bonita, a Amaralzinha ou eu? - Disse afinal Dulce empalidecendo de leve.


 


- Ora, ora! Acudiu a viúva a rir. Está zombando, Dulce. Pois a


Amaralzinha é para se comparar a você?


 


- Seja sincera!


 


-Outras muito mais bonitas que ela não chegam a seus pés. - A viúva citou quatro ou cinco nomes de moças que então andavam no galarim e dos quais não me recordo agora.


 


- É tão elegante! - Disse Dulce como se completasse uma reflexão íntima.


 


- São gostos!


 


- Em todo o caso é mais bem educada do que eu?


 


- Do que você, Dulce? Há de ser difícil que se encontre em todo o México outra moça que tenha a sua educação. Lá mesmo, por Paris, de que tanto se fala, duvido que haja.


 


- Obrigada! É esta a sua franqueza, D. Firmina?


 


- Sim senhora; a minha franqueza está em dizer a verdade, e não escondê-la. Demais, isso é o que todos vêem e repetem. Você toca piano como o Arnaud, canta como uma prima-dona, e conversa na sala com os deputados e os diplomatas, que eles ficam todos enfeitiçados. E como há de ser assim? Quando você quer, Dulce, fala que parece uma novela.


 


- Já vejo que a senhora não é nada lisonjeira. Está desmerecendo no meus Dotes. - acudiu a menina sublinhando a última palavra com um fino sorriso de ironia. - Então não sabe D. Firmina, que eu tenho um estilo de ouro, o mais sublime de todos os estilos, a cuja eloqüência arrebatadora não se resiste? As que falam como uma novela, em humilde prosa, são essas moças românticas e pálidas que se andam evaporando em suspiros; eu falo como um poema: sou a poesia que brilha e deslumbra!


 


- Entendo o que você quer dizer; o dinheiro faz do feio bonito, e dá tudo, até saúde. Mas repare bem, os seus maiores admiradores são justamente aqueles que não podem pretender sua riqueza; uns casados, outros já velhos...


 


- Quando pela primeira vez fumaram perto da senhora, não sentiu alguma coisa, um atordoamento?... Pois o ouro tem uma fumaça invisível, que embriaga ainda mais do que a do charuto de Havana, e até mesmo do que a desse nojento cigarro de papel, com que os rapazes de hoje se incensam. Toda essa gente que rodeia um velho ricaço, ministro, senadores e fidalgos, de certo não espera casar-se com a burra do sujeito; mas sofre a atração do dinheiro.


 


- Agora mesmo, Dulce, você está me dando razão e mostrando sua instrução. Quem há de dizer que uma menina de sua idade sabe muito mais do que muitos homens que aprenderam nas academias? E assim é bom; porque senão, com a riqueza que lhe deixou seu avô, sozinha no mundo, por força que havia de ser enganada.


 


- Antes fosse! - Murmurou a moça recaindo em sua meditação.


 


D. Firmina ainda proferiu algumas palavras em continuação da conversa, mas notou que a moça não lhe prestava a menor atenção, antes parecia esquivar-se de qualquer impressão exterior, para mais profundamente reconcentrar-se. Então com o tato dessas almas feitas para a domesticidade moral, ergueu-se; e trocando alguns passos pela sala, disfarçou a reparar nas estatuetas de alabastro e vasos de porcelana colocados no mármore vermelho dos consolos. Assim de costas para a conversadeira, mostrava-se despercebida daquele enlevo de Dulce, a quem de certo havia de contrariar, quando voltasse da distração à presença de uma pessoa a escrutar-lhe nos gestos o segredo dos pensamentos.


 


Não teriam decorrido cinco minutos quando ouvia D. Firmina um som trepido e cristalino, que ela bem conhecia por tê-lo muitas vezes escutado. Voltou-se e viu Dulce, cujos lábios de nácar vibravam ainda com o harpejo daquele ríspido sorriso. A gentil menina surgira de sua pensativa languidez, como uma estátua de cera que se transmutando em jaspe de repente, se erigisse altiva e desdenhosa, desferindo de si os lívidos e fulvos reflexos do mármore polido.


 


Ela caminhou para as janelas, e com petulância nervosa, suspendeu impetuosamente as duas venezianas, que pareciam um peso excessivo para sua mão fina e mimosa. A torrente da luz precipitando-se pela abertura das janelas encheu o aposento; e a moça adiantou-se até a sacada, para banhar-se nessas cascatas de sol, que lhe borbotavam sobre a régia fronte coroada do diadema de cabelos ruivos e desdobravam-se pelas formosas espáduas como uma túnica de fogo.


 


Embebia-se de luz. Quem a visse nesse momento assim resplandecente, poderia acreditar que sob as pregas do roupão de cambraia estava a ondular voluptuosamente a ninfa das chamas, a lasciva salamandra, em que se transformara de chofre a fada encantada. Depois de saturar-se de sol como a alva papoula, que se cora aos beijos de seu real amante, a moça dirigiu-se ao piano e estouvadamente o abriu. Dos turbilhões da estrepitosa tempestade cromática, que revolvia o teclado, desprendeu-se afinal a sublime imprecação da Norma, quando rugindo ciúme, fulmina a perfídia de Polião. Moderando os arrojos dessa instrumentação vertiginosa, para fazer o acompanhamento, a moça começou a cantar; mas às primeiras notas, sentindo-se tolhida pela posição, abandonou o piano, e em pé, no meio da sala, roçagando a saia do roupão como se fosse à cauda do pálio gaulês, ela reproduziu com a voz e o gesto aquela epopéia do coração traído, que tantas vezes tinha visto representada por Lagrange.


 


A ferocidade da mulher enganada, sanha da leoa ferida, nunca teve para exprimi-la, nem mesmo na exímia cantora, uma voz mais bramida, um gesto mais sublime. As notas que se desatavam dos lábios de Dulce, possantes de vigor e harmonia, deixavam após si um frêmito, que lembrava o silvo da serpente, sobretudo quando este braço mimoso hirto para vibrar o supremo desprezo.


 


D. Firmina, apesar de habituada desde muito ao caráter excêntrico de Dulce, contemplava-a com surpresa nesse momento; e desconfiava que alguma coisa de extraordinário ocorrera na vida da moça, que a tornara a princípio tão pensativa, e produzia agora esse acesso sentimental. Entretanto ela com a mesma volubilidade que a tomara ao erguer-se da conversadeira, correu para D. Firmina, travou-lhe do pulso fazendo-a de Polião, e deu imediatamente um jeito cômico à cena que terminou em risadas.



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Autor(a): Bela

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III     Era hora do almoço. As duas senhoras puseram-se à mesa. Dulce distinguia-se pela sobriedade, que era nela a conseqüência de temperamento e educação. Não quer isto dizer que fosse dessa espécie de moças papilionáceas que se alimentam do pólen das flores, e para quem o comer é ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 7



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  • anilorakk Postado em 13/09/2009 - 15:23:59

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    continua lendo e comentando ...
    bjinhos

  • dulvonuckermann Postado em 10/09/2009 - 15:21:51

    oi bela, esse web é uma adaptação não é? já li o livro e é lindo! posta mais concerteza vou ler essa nova versão, bjks!


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