Fanfic: * Senhora *
III
Era hora do almoço. As duas senhoras puseram-se à mesa. Dulce distinguia-se pela sobriedade, que era nela a conseqüência de temperamento e educação. Não quer isto dizer que fosse dessa espécie de moças papilionáceas que se alimentam do pólen das flores, e para quem o comer é um ato desgracioso e prosaico.
Bem ao contrário, ela sabia que a nutrição dá a seiva de beleza, sem a qual as cores desmaiam nas faces e os sorrisos nos lábios, como as efêmeras e pálidas florações de uma roseira ética. Assim não tinha vergonha de comer; e sem vaidade acreditava que o esmalte de seus dentes não era menos gracioso quando eles se triscavam como a crepitação de um colar de pérolas, nem o matiz de seus lábios menos saboroso quando chupavam uma fruta, ou se entreabriam para receber o alimento.
Nessa ocasião, porém, a moça fez exceção a seus hábitos de sobriedade; ela que não gostava de especiarias, e só de longe em longe bebia algumas gotas de licor, quis experimentar quanto molho e condimento picante havia em casa; e para remate bebeu um cálice de Xerez. D. Firmina sem esquecer o almoço, continuava a observar de parte a menina, cada vez mais convencida da existência de um acontecimento importante que havia alterado a calma habitual da moça. Esse acontecimento, na opinião da viúva, não podia ser outro senão aquele que tamanha influência exerce nas meninas de dezoito anos, sobretudo se não dependem de ninguém para dispor de si. D. Firmina tinha, pois como certo que Dulce, a desdenhosa, sentira afinal uma inclinação; estava ansiosa a viúva, para conhecer o feliz que tivera o poder de cativar a altiva rainha dos salões, tão adorada, quanto fria e indiferente.
Revolvia na mente as recordações da noite anterior para certificar-se que não aparecera no baile nenhum moço desconhecido de quem Dulce se pudesse apaixonar de súbito. Devia ser qualquer um dos antigos adoradores, dos que ela escarnecia que por alguma circunstância inexplicável alcançara render-lhe enfim o coração. Não se pode conter a viúva; em risco de desagradar a menina, dirigiu-lhe uma pergunta indireta com que se propunha a entabular a conversa, e conforme a resposta dirigi-la para o ponto.
- Não sei que lhe acho hoje, Dulce! Parece-me tão contente, e até mais bonita, se é possível, do que de costume!
- Deveras!
- Não é exageração, não. Olhe! As moças quando se vestem para um baile onde esperam encontrar alguém, ficam mais bonitas do que são. Mas você está hoje ainda mais bonita do que nos bailes. Nunca lhe vi assim. Aqui anda volta de algum segredinho!
- Quer saber qual é? - perguntou Dulce com um sorriso.
- Não sou curiosa. - replicou a viúva sentindo o pungir daquele sorriso.
- Resolvi ser freira!
- Está bom!
- Mas meu convento há de ser este mesmo mundo em que vivemos, que nenhum outro teria mais penitências e mortificações para mim.
Desmentindo logo após a gravidade destas palavras com uma risada
galhofeira, Aurélia deixou na sala de jantar D. Firmina, espantada de
que uma menina imensamente rica e formosa, desejada por todos, pudesse ter semelhantes pensamentos, ainda mesmo por gracejo.
Dulce que se dirigira ao seu toucador sentou-se a uma escrivaninha de araritá guarnecida de relevos de bronze dourado e escreveu uma carta de poucas linhas. A todos os pormenores dessa comezinha operação, no dobrar a folha de papel, encerrá-la na capa, derreter o lacre e imprimir o sinete, a moça deliberadamente aplicava a maior atenção e esmero. Ou essa carta era destinada a quem tudo lhe merecia, ou nesse apuro e cuidado buscava Dulce disfarçar a hesitação que a surpreendera no momento de realizar uma idéia anteriormente assentada.
Depois de sobrescrita a carta, a moça tirou do segredo da secretária um cofre cor de sândalo embutido de marfim. Havia ali entre cartas e flores murchas um cartão de visita, já amarelo, que ela escondeu no bolso do roupão, depois de guardado na sua carteirinha de veludo. Ao som do tímpano apareceu um criado. Dulce entregou-lhe a carta com um gesto vivo e a voz breve e receosa de súbito arrependimento.
- Para o Sr. Damián! Depressa!
Sentiu então Dulce essa quietude que sucede às lutas do coração. Ela tinha afinal resolvido o problema inextricável de sua vida; e em vez de abandonar-se ao acaso e deixar-se levar pelo turbilhão do mundo, achara em sua alma a força precisa para dirigir os acontecimentos e dominar o futuro.
Daí provinha à calma de que revestia-se ao deixar o toucador e que outra vez imprimia à sua beleza uma doce expressão de melancolia e resignação. D. Firmina como de costume, esperava que Dulce dispusesse a maneira por que passariam a manhã, pois a viúva não tinha outra ocupação que não fosse agradar à menina, fazer-lhe companhia e prestar-se a todas as suas vontades e caprichos. Para isto recebia além do tratamento uma boa mesada que ia acumulando para os tempos difíceis, como já os havia passado logo depois da perda do marido.
- Você não sai hoje, Dulce?
- Pode ser. Mas não se constranja por meu respeito.
- Há de ficar sozinha?
- Tenho em que empregar o tempo. Um negócio grave! - Tornou a menina sorrindo.
- É já alguma penitenciazinha?
- Ainda não; é a profissão de noviça.
Nessa ocasião e no meio das risadas da menina, anunciaram o Sr. Damián, que foi imediatamente introduzido na sala.
- Recebi sua carta em caminho; ia ao Machado. Estou às suas ordens, Dulce.
Era o senhor Damián um velho de pequena estatura, não muito gordo, mas rolho e bojudo como um vaso chinês. Apesar de seu corpo rechonchudo tinha certa vivacidade buliçosa e saltitante que lhe dava petulâncias de rapaz, e casava perfeitamente com os olhinhos de azougue. Logo à primeira apresentação reconhecia-se o tipo desses folgazões que trazem sempre um provimento de boas risadas com que se festejam a si mesmos.
Quando o Lemos na qualidade de tio fora pelo juiz de órfãos encarregado da tutela de Dulce, deu-se um incidente que desde logo determinou a natureza das relações entre o tutor e sua pupila. Pretendia o velho levar a menina para a companhia de sua família. Opôs-se formalmente Dulce; e declarou que era sua intenção viver em casa própria, na companhia de D. Firmina Mascarenhas.
- Mas entenda minha menina, que ainda é menor.
- Tenho dezoito anos.
- Só aos vinte e um é que poderá viver sobre si e governar-se.
- É a sua opinião? Vou pedir ao juiz que me dê outro tutor mais condescendente.
- Como diz?
- E tais argumentos lhe apresentarei, que ele há de atender-me.
A vista desse tom positivo, o Damián refletiu, e julgou mais prudente não contrariar a vontade da menina. Aquela idéia do pedido ao juiz para remoção da tutela não lhe agradara. Pensava ele que às mulheres ricas e bonitas não faltam protetores de influência. Logo depois dos cumprimentos, D. Firmina retirou-se para deixar a moça em liberdade. Bem desejos tinha a viúva de assistir a essas conferências que o Damián costumava Ter de vez em quando com a pupila acerca de contas da tutela; mas neste ponto Dulce era de extrema reserva e não gostava que ninguém metesse com o que ela chamava seus negócios.
- Faça favor, meu tio! - Disse a moça abrindo uma porta lateral.
Essa porta dava para um gabinete elegantemente mobiliado; o centro era ocupado por uma banca oval, como o resto dos trastes, de erable e coberta com um pano azul de franjas escarlates. Sobre a mesa, em salva de prata, havia o tinteiro e mais preparos de escrever.
No momento em que Dulce, depois de passar o Damián, ia por sua vez entrar no gabinete, apareceu à porta da saleta a Bernardina, velha a quem a menina protegia com esmolas. A sujeita parara com um modo tímido, esperando permissão para adiantar-se. Dulce aproximou-se dela com um gesto de interrogação.
- Quis vir ontem - segredou a Bernardina - mas não pude que me atacou o reumatismo. - Era para dizer que ele chegou.
- Já sabia!
- Ah! Quem lhe contou? Pois foi ontem, havia de ser mais de meio dia.
- Entre!
Dulce cortou o diálogo, indicando à velha o corredor que levava para o interior; e passando ao gabinete cerrou a porta sobre si. Não escapou este pormenor ao Damián, que pela solenidade da conferência avaliava de sua importância. Com que história virá ela hoje? Dizia entre si o alegre velhinho. Dulce sentou-se à mesa de erable, convidando o tutor a ocupar a poltrona que lhe ficava defronte.
Autor(a): Bela
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IV Quem observasse Dulce naquele momento, não deixaria de notar a nova fisionomia que tomara o seu belo semblante e que influía em toda a sua pessoa. Era uma expressão fria, pausada, inflexível, que jaspeava sua beleza, dando-lhe quase a gelidez da estátua. Mas no lampejo de seus grandes olhos amendoados brilhavam as irradiaçõ ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 7
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anilorakk Postado em 13/09/2009 - 15:23:59
Oiii
genteeee !
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- Nossa História -DyC(romance)
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Obrigada. ;)
P.S: Perdão a propaganda !
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css Postado em 11/09/2009 - 17:57:19
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css Postado em 11/09/2009 - 17:56:50
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dulvonuckermann Postado em 11/09/2009 - 15:27:55
to amando a adaptação tambem é meu livro favorito. jose de alencar é meu escritor romancista favorito, posta maaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaais!!!!
passa nas minhas web's tambem; atraidos pelo destino, tudo que precisa saber: te amo! e quem sabe. te espero la bjks! -
bela Postado em 10/09/2009 - 15:30:42
é simm ... é o meu livro favorito!
continua lendo e comentando ...
bjinhos -
dulvonuckermann Postado em 10/09/2009 - 15:21:51
oi bela, esse web é uma adaptação não é? já li o livro e é lindo! posta mais concerteza vou ler essa nova versão, bjks!