Fanfic: * Senhora *
VI
Filho de um empregado público e órfão aos dezoito anos, Uckermann foi obrigado a abandonar seus estudos na Faculdade de Ciudad de México pela impossibilidade em que se achou sua mãe de continuar-lhe a mesada. Já estava no terceiro ano, e se a natureza que o ornara de excelentes qualidades lhe desse alguma energia e força de vontade, conseguiria ele vencendo pequenas dificuldades, concluir o curso, tanto mais quanto um colega e amigo, o Torquato Ribeiro, lhe oferecia hospitalidade até que a viúva pudesse liquidar o espólio.
Mas Uckermann era desses espíritos que preferem a trilha batida, e só impelida por alguma forte paixão rompem com a rotina. Ora, a carta de bacharel não tinha grande sedução para sua bela inteligência mais propensa à literatura e ao jornalismo.
Cedeu pois à instância dos amigos de seu pai que obtiveram encartá-lo em uma secretaria como praticante. Assim começou ele essa vegetação social, em que tantos homens de talento consomem o melhor da existência numa tarefa inglória, ralados por contínuas decepções. Continuando a carreira de empregado público, que lhe impunha a necessidade, Uckermann buscou para seu espírito superior campo mais brilhante e encontrou-o na imprensa.
Admitindo à colaboração de uma das folhas diárias da corte, em princípio como simples tradutor, depois como noticiarista; veio com o tempo a ser um dos escritores mais elegantes do jornalismo da Cidade. Não diremos festejado, como agora é moda, porque nesta nossa terra os cortejos e aplausos rastejavam a mediocridade feliz.
O pai de Uckermann deixara seu escasso patrimônio complicado com uma hipoteca, além de várias dívidas miúdas. Depois de uma difícil e morosa liquidação, com que a viúva achou-se embaraçada, pode-se aprumar a soma de doze mil cruzeiros, afora uns quatro escravos. Partilhados estes bens, D. Camila, a mãe de Uckermann, por conselho de amigos, pôs o dinheiro a render na Caixa Econômica, donde ia tirando os juros semestrais, com que acudia aos gastos da casa, ajudada dos aluguéis de dois escravos e também de algumas costuras dela e das duas filhas.
Christopher quis concorrer com seu ordenado para a despesa mensal, mas tanto a mãe, como as irmãs, recusaram. Sentiam elas ao contrário não poder reservar alguma quantia para acrescentar aos mesquinhos vencimentos, que mal chegavam para o vestuário e outras despesas do rapaz. No geral conceito, esse único filho varão devia ser o amparo da família, órfã de seu chefe natural. Não o entendiam assim aquelas três criaturas, que se desviviam pelo ente querido. Seu destino resumia-se em fazê-lo feliz; não que elas pensassem isto e fossem capaz de o exprimir; mas faziam-no.
Que um moço tão bonito e prendado como o seu Chris se vestisse no rigor da moda e com a maior elegância; que em vez de ficar em casa aborrecido, procurasse os divertimentos e a convivência dos camaradas; que em suma fizesse sempre na sociedade a melhor figura, era para aquelas senhoras não somente justo e natural, mas indispensável.
Enquanto que Chris alardeava nas salas e espetáculos, elas passavam o serão na sala de jantar, em volta do candeeiro, que iluminava a tarefa noturna. O mais das vezes solitárias; outras acompanhadas de alguma rara visita, que as freqüentava no seu modesto e recatado viver. O tema da conversa era invariavelmente o ausente. Não cansavam nunca de elogios. Cada uma comunicava sua conjetura sobre a realização de certos desejos e esperanças; pois desde essa época se acostumara Chris a fazê-las confidentes de seus menores segredos.
Se aquela de quem tanto gostava o rapaz estaria no baile; se lhe concederia a contradança predileta, a quarta, que se reserva para o escolhido, pela razão não somente de ser a infalível como de dançar-se no momento da maior animação; se Chris conseguiria enfim dar-lhe a entender sua paixão, e como receberia a moça essa declaração; tais eram as graves preocupações dessas criaturas, que privadas de toda a distração, trabalhavam à luz da candeia para ganhar uma parte do necessário.
Outras noites era o acolhimento que faria ao rapaz a mulher de certo figurão, a quem ele devia ser apresentado. Contava Uckermann granjear os favores da senhora, com a mira de alcançar por seu emprenho a proteção do ministro para um acesso. A mãe e as irmãs, às quais ele confiara o projeto, inquietas do resultado, rezavam para que fosse bem sucedido, não percebendo em sua ingenuidade a natureza dessa influência feminina que devia assediar o ministro.
Foi assim que Uckermann insensivelmente afez-se à dupla existência, que de dia em dia mais se destacava. Homem de família no interior da casa, partilhando com a mãe e as irmãs a pobreza herdada, tinha na sociedade, onde aparecia sobre si, a representação de um moço rico.
Dessa vida faustosa, que ostentava na sociedade, trazia Uckermann para a intimidade da família não só as provas materiais, mas as confidências e seduções. Era então muito moço, e não pensou no perigo que havia, de acordar no coração virgem das irmãs desejos, que podiam supliciá-las. Quando mais tarde a razão devia adverti-lo, já o doce hábitos das confidências a havia adormecido. Felizmente D. Camila tinha dado a suas filhas a mesma vigorosa educação mexicana, já bem rara em nossos dias, que , se não fazia donzelas românticas, preparava a mulher para as sublimes abnegações que protegem a família e fazem da humilde casa um santuário.
Anahí, mais velha que Christopher, vira escoarem-se os anos da mocidade, com serena resignação. Se alguém se lembrava de que o Outono, que é a estação nupcial, ia passando sem esperança de casamento, não era ela, mas a mãe, D. Camila, que sentia apertar-se-lhe o coração, quando lhe notava o desbote da mocidade. Também Christopher algumas vezes a acompanhava nessa mágoa; mas nele breve a apagava o bulício do mundo.
Maite, mais moça e também mais linda, ainda estava na flor da idade; mas já tocava aos vinte anos, e com a vida concentrada que tinha a família, não era fácil que aparecessem pretendentes à mão de uma menina pobre e sem proteções. Por isso cresciam as inquietações e tristezas da boa mãe, ao pensar que também esta filha estaria condenada à mesquinharia sorte do aleijão social, que se chama celibato.
Quando Christopher chegou à maioridade, D. Camila nele resignou a autoridade que exercia na casa, e a administração do módico patrimônio que ficara por morte do marido, e que embora partilhado nos autos, ainda estava intacto e em comunhão. O rendimento da caderneta da Caixa Econômica e dos escravos de aluguel andava em Cr$ 150,00 ou Cr$ 125,00 mensais. Como, porém, a despesa da família subia a Cr$ 150,00, as três senhoras supriam o resto com seus trabalhos de agulha e engomado, no que as ajudavam as duas pretas do serviço doméstico.
Ao tomar a direção dos negócios da casa, Christopher fez uma alteração nesse regulamento. Declarou que entraria por sua parte com os 25 cruzeiros que minguavam, ficando as senhoras com todo o produto de seu trabalho para as despesas particulares, no que ele ainda as auxiliaria logo que pudesse. Nessa época ele já era segundo oficial, com esperanças de ser promovido a primeiro; e seus vencimentos acumulados à gratificação que recebia pela colaboração assídua do jornal, montavam acima de três mil cruzeiros. Mais tarde subiram a sete mil em virtude de uma comissão que lhe deu o ministro, por haver simpatizado com ele. Assim tinha anualmente um rendimento de Cr$ 8500,00 do qual deduzindo Cr$ 1800,00, que dava à família em prestações de Cr$ 150,00 cada mês, ficavam-lhe para seus gastos de representação Cr$ 6700,00, quantia que naquele tempo não gastavam com sua pessoa muitos celibatários ricos, que faziam figura na sociedade.
Uma noite, Christopher sofreu uma decepção amorosa ao entrar no baile, e retirou-se despeitado. Não tendo onde consumir as horas, e aborrecido da sociedade, recolheu-se à casa. A desventura pungiu-lhe a musa, que era de índole melancólica. Lembrou-se do seu Byron e das imitações que havia feito de algumas das mais acerbas exprobrações do bardo inglês. Era extraordinário passar Christopher à noite em casa. Para evitar explicações resolveu entrar inapercebido, e subiu as escadas de manso. Abriu a porta da sala com a chave francesa que ele trazia na argola, assim como a da rua, para não incomodar a família quando voltava a dez horas e ganhou sua alcova.
D. Camila com as filhas estava ao chá; havia de visita uma família da vizinhança. As moças conversavam alto; no meio dessa garrulice ouviu Christopher que falavam da representação de uma ópera que se dava então no Teatro Lírico. As amigas tinham assistido ao último espetáculo e referiam por miúdo às duas irmãs, encarecendo o divertimento com muitos louvores.
- Ainda não viram? Pois não devem faltar; vale à pena. Peçam a seu irmão.
Tomadas de surpresa pela interpelação direta, as duas irmãs arrefeceram logo no interesse com que escutavam a descrição do espetáculo. Retraíram-se ambas silenciosas; mas insistindo as outras com alguma malícia, a Anahí que era mais desembaraçada, respondeu:
- Christopher já nos convidou muitas vezes; mas tem havido sempre um transtorno qualquer.
- É Verdade! - Observou Maite.
Pela primeira vez desenhou-se claramente no espírito de Christopher um contraste que, aliás, tinha diante de si todos os dias, a cada instante, e do qual era ele próprio um dos termos. Enquanto lhe minguavam as horas para os prazeres de que se fartava, aquelas três senhoras ali desfiavam as compridas noites sem outro entretenimento além da tarefa jornaleira ou daqueles ecos do mundo, que até lá chegavam com alguma rara visita. Consigo unicamente despendia ele mais do triplo da subsistência de toda a família. Nessa mesma noite para ir a um baile de que saíra apenas chegado, dissipara maior quantia da necessária para dar a suas irmãs a satisfação de um espetáculo lírico.Estas idéias apossaram-se de seu espírito. Em vez de riscar o fósforo já em mão para acender a lâmpada que alumiasse a vigília poética, e o charuto que lhe opiasse a musa, atirou-se à cama, fincou a cabeça no travesseiro, e dormiu o sono do justo.
Na primeira noite de representação lírica, Christopher levou ao teatro a família. Foi uma festa para as três senhoras; D. Camila, apesar de sua lhaneza de modéstia, sentiu ao atravessar a multidão pelo braço do filho um aroma de orgulho, mas desse orgulho repassado de susto, que é antes a consciência da própria humildade, do que desvanecimento de egoísmo. As filhas partilhavam esse sentimento; e acreditavam que todas as outras moças lhes invejavam aquele irmão. Quando Christopher depois de instalar a família no camarote, saiu a percorrer o salão, encontrou um camarada:
- Ó Christopher, não me dirás onde foste desencovar aquele terno de roceiras? Aposto que andas com tenções sinistras. Uma delas não é nenhuma
asneira!... Que temível!
Christopher cortou este diálogo, a pretexto de cumprimentar um conhecido
que passava. Ao sair de casa, com a pressa e à luz mortiça do candeeiro, não tinha ele reparado no vestuário da mãe e irmãs. No camarote, porém, ao clarão do gás, não escaparam a seu olhar severo em pontos de elegância, os esquisitos do vestuário das três senhoras, tão alheias às modas e usos da sociedade.
O resto da noite, que lhe pareceu interminável, esquivou-se do camarote, e quando lá se demorava não chegava à frente. Durante alguns dias andou Christopher sorumbático e preocupado com este incidente. Chegou a pretextar um incomodo para ficar-se em casa e fugir aos divertimentos. É verdade que esta esquivança da sociedade também servia ao despeito da noite do baile. Ao cabo, resultou dessa crise um raciocínio que serenou o nosso jornalista. Freqüentando assiduamente e com algum brilho a sociedade, adquirindo relações e cultivando a amizade de pessoas influentes que o acolhiam com distinção, era natural que ele Christopher fizesse uma boa carreira. Poderia de um momento para outro arranjar um casamento vantajoso, como tinham conseguido muitos que não estavam em tão favoráveis condições. Não era difícil também que de repente se lhe abrisse essa estrada real da ambição, que se chama política. Uma vez rico e ilustre montaria sua casa com um estado correspondente à sua posição.
Então sua família participaria não só dos gozos materiais desse viver opulento, como do brilho e prestígio de seu nome. O trato da sociedade lhes imprimiria o cunho de distinção de que precisavam para bem se apresentarem. Casaria as duas irmãs vantajosamente; e faria assim a felicidade de todos esses entes queridos confiados a seu desvelo. Se ao contrário, ele Christopher se onerasse desde logo, no princípio de sua carreira, com o peso da família, prendendo-se à vida obscura de que não podia tirá-la ainda mesmo com sacrifício de todos seus rendimentos, que outra coisa devia esperar senão vegetar na penumbra da mediania e consumir esterilmente sua mocidade?
Firmou-se, pois Christopher nesta convicção de que o luxo era não somente a porfia infalível de uma ambição nobre, como o penhor único da felicidade de sua família. Assim dissiparam-se os escrúpulos. Christopher acabava de chegar de Pernambuco, onde se demorara oito meses; desembarcara na véspera, a tempo de não perder o Cassino. O motivo ostensivo dessa viagem fora uma comissão, creio que de secretário da presidência. Dizia-se, porém, nas rodas políticas que o nosso escritor fora lançar as bases de uma candidatura próxima. Sem contestar o fato, acrescentavam os invejosos que o levar ao norte o fulgor dos belos olhos negros de uma moreninha pernambucana, que fora o astro da última sazão parlamentar. Todas estas circunstâncias influíram na resolução de Christopher; mas a razão predominante que o moveu, a ele amante da sua cidade, a ausentar-se da corte por oito meses, há seu tempo a saberemos.
Autor(a): Bela
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 7
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anilorakk Postado em 13/09/2009 - 15:23:59
Oiii
genteeee !
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css Postado em 11/09/2009 - 17:57:19
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css Postado em 11/09/2009 - 17:56:50
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dulvonuckermann Postado em 11/09/2009 - 15:27:55
to amando a adaptação tambem é meu livro favorito. jose de alencar é meu escritor romancista favorito, posta maaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaais!!!!
passa nas minhas web's tambem; atraidos pelo destino, tudo que precisa saber: te amo! e quem sabe. te espero la bjks! -
bela Postado em 10/09/2009 - 15:30:42
é simm ... é o meu livro favorito!
continua lendo e comentando ...
bjinhos -
dulvonuckermann Postado em 10/09/2009 - 15:21:51
oi bela, esse web é uma adaptação não é? já li o livro e é lindo! posta mais concerteza vou ler essa nova versão, bjks!