Alfonso não foi para a fazenda ou para o hotel.
Para quê?
Não precisava ver Anahi, e certamente não precisava de um quarto de hotel. Sua estadia em Bonito seria breve, algumas horas no máximo. Tudo que necessitava fazer era encontrar Souza, transferir a escritura e voltar para casa.
Pediu que o piloto e o avião permanecessem em prontidão, alugou outro carro, então telefonou para o advogado, que pareceu atônito ao saber que Alfonso estava em Bonito.
— Pensei que tivesse retornado para Nova York, sr. Herrera.
— Pensou errado. Eu gostaria de encontrá-lo esta manhã, senhor.
Souza hesitou.
— Um aviso de última hora. Deixe-me passá-lo para minha secretária. Ela marcará um hora...
— Estarei em seu escritório em meia hora - declarou Alfonso e terminou a ligação.
Ele tomou um café em seu caminho para a agência de aluguel de carros. Seu estômago se contraiu com o líquido quente, lembrando-lhe que não comia há um bom tempo. Mas primeiro a reunião com o advogado. Cuidar dos assuntos legais. Então haveria tempo para todo o resto.
Para voltar ao ritmo normal de sua vida.
Souza se levantou quando Alfonso entrou no escritório. Ofereceu-lhe, café, chá ou água. Alfonso agradeceu, dizendo que não queria nada, e franziu o cenho para as gotas de suor na testa do advogado. Estava um dia quente, mas o ar-condicionado estava ligado dentro da sala. Quando apertou a mão oferecida de Souza, Alfonso sentiu que estava gelada e trêmula.
Por que o homem estava nervoso?
— Sente-se, por favor, sr. Herrera. Esta é uma visita inesperada, mas lamento que meu tempo seja limitado. Se tivesse telefonado ontem...
— Meu tempo também é limitado - interrompeu Alfonso.
Então se sentou na frente do advogado e abriu a pasta de couro que levara consigo. - Portanto, vamos direto ao ponto. Quero que a escritura de Puente e Filho seja transferida para a srta. Portilla imediatamente. O que você requer de mim?
Souza tirou um lenço do bolso e enxugou as sobrancelhas delicadamente.
— Uma transferência - disse ele. - Mas, quando o senhor partiu sem fazer estes arranjos, presumi...
— Assinei alguns papéis depois do leilão ontem. - Alfonso tirou os papéis da pasta e entregou-lhe. - Estão em português, é claro, mas conheço tais documentos o bastante para saber que devo assinar a transferência de propriedade nas linhas da última página.
Souza mal olhou para os papéis.
— Na verdade... é um pouco mais complicado do que isso, senhor. Os documentos que assinou deveriam ter sido acompanhados por um cheque.
— Eles estavam acompanhados por um cheque. - O advogado estava meneando a cabeça. - O quê?
— O cheque deve ser... como se diz? Um cheque autorizado pelo banco.
— Um cheque administrativo? Entendo isso, mas eu não tinha um em minha posse. Não sabia que um leilão estava acontecendo ontem, e definitivamente não tinha ideia de que lance daria, mas o leiloeiro falou... Ora, Souza, por que você continua meneando a cabeça? Há um problema? Tudo bem. Vou ligar para o meu banco. Eles podem enviar os fundos para cá, para você ou para seu banco... - Alfonso estreitou os olhos. - O que foi, agora?
— Vinte e quatro horas se passaram, sr. Herrera. - Souza deu de ombros. - Sua opção à propriedade foi confiscada.
— Isso é ridículo!
— Consta no contrato que você assinou.
— Bem, o que acontece agora? Devo contatar o leiloeiro? O banco? Certamente não temos de passar pelo processo do leilão de novo.
— Não haverá processo de leilão, senhor.
— Melhor assim. - Dante tirou o celular do bolso. - Vou contatar meu banco em Nova York, enquanto você contata o banco...
— A propriedade já foi comprada.
Dante sentiu o corpo enrijecer. Já tinha participado de negociações difíceis o suficiente para saber que a declaração não era uma tática negociável.
— Comprada - repetiu ele, devagar.
— Sim.
— Por quem? - Alfonso perguntou, embora já soubesse a resposta.
Souza o olhou e enrubesceu.
— Entenda, por favor, sou apenas a ferramenta legal do banco na transação.
Alfonso levantou-se.
— Responda a pergunta. Quem comprou a fazenda? - O advogado engoliu em seco.
— O sr. Ferrantes.
Alfonso queria erguer Souza pelo colarinho.
— Você deveria estar trabalhando para Anahi. No entanto, estava trabalhando para Ferrantes o tempo todo.
— Você deve entender. O sr. Ferrantes é uma pessoa importante em nossa região.
Alfonso estendeu o braço acima da mesa, sentiu uma pequena satisfação ao ver Souza se encolhendo na cadeira. Então, pegou seus documentos, guardou-os na pasta e partiu.
Novamente na rua, respirou fundo e ligou para o próprio advogado. Sam era sócio de uma das firmas de advocacia mais respeitadas de Nova York. Alfonso usou o número particular dele e Sam atendeu no segundo toque.
— Alfonso - disse ele em tom prazeroso. - Que bom ouvi-lo...
— Sam, tenho um problema.
— Diga-me.
Alfonso lhe deu todos os detalhes. Bem, quase todos. Não mencionou que tivera um relacionamento anterior com Anahi Portilla. E obviamente não disse que havia uma forte probabilidade de ter um filho. O que explicou, em termos concisos, era que estava no Brasil, tinha adquirido uma propriedade num leilão, e pagado com um cheque que não fora aceito 24 horas depois, e que a propriedade em questão estava agora vendida para outra pessoa.
Mas ele e Sam haviam estudado juntos, e Sam o conhecia muito bem. Houve um silêncio depois que Alfonso acabou de falar.
— Que mais? - perguntou Sam. - Vamos, homem. Sei que há mais nesta história do que está me contando. Se quiser minha opinião profissional, preciso ouvir o resto.
Então Alfonso lhe contou. Sobre Anahi. Que eles tinham se envolvido uma vez. E que ela era mãe de uma criança.
— Ela alega que a criança é sua? - perguntou Sam.
— Sim.
— E você quer acreditar nela.
— Sim. Não. Ora, Anahi não é mentirosa...
Sam interrompeu, perguntando-lhe se a palavra opção havia sido mencionada na venda da fazenda, perguntando o nome e o número do banco envolvido na negociação, então disse que retornaria o telefonema dentro de dez minutos.
A linha ficou muda.
Alfonso permaneceu parado no calor do sol brasileiro, impaciência e raiva dominando-o. Queria voltar ao escritório de Souza, levantá-lo pelo colarinho e mostrar-lhe o que acontecia com quem se vendia ao demônio. Melhor ainda, queria encontrar Ferrantes e esmurrá-lo.
A lógica prevaleceu.
Estava num país estranho. O melhor a fazer era deixar seu advogado encontrar uma solução legal, o que estava fazendo no momento. Dez minutos não era tanto tempo para esperar.
Havia um pequeno café na porta ao lado. Alfonso entrou, pediu um café e sentou-se a uma mesa enquanto esperava, olhos grudados no relógio. Até que seu telefone finalmente tocou.
— Dante? - disse Sam.
— Então?
— A parte fácil primeiro. Não faça nenhum compromisso legal com a mulher. Seja agradável, permaneça calmo, mas... detesto o uso da palavra... mantenha suas opões em aberto até que façamos os exames, certo?
Era um conselho legal sólido.
— Certo. E quanto à questão da propriedade?
— A propriedade. - Sam suspirou. - Quer receber essa notícia devagar ou de uma vez só?
Alfonso praguejou silenciosamente. Não precisava ser um gênio para saber que a notícia era ruim.
— Apenas me diga a essência da coisa.
— A essência, amigo, é que você está perdido.
— Perdido como?
— Você comprou uma opção para adquirir a propriedade, e a opção expirou 24 horas depois de sua assinatura. Em outras palavras, você não tem mais direitos legais sobre a fazenda.
Alfonso levantou-se bruscamente, jogou o copo descartável de café no lixo e saiu para a rua.
— Dei o maior lance - exclamou ele. - O banco aceitou.
— O leiloeiro aceitou.
— Como agente legal do banco. Ouça, Sam...
— O sujeito que comprou a propriedade depois das 24 horas passadas é brasileiro.
— A coisa de 24 horas é ridícula!
— Talvez. Mas você não está nos Estados Unidos, Alfonso, está num país estrangeiro.
— O que eles fizeram é legal? - questionou Sam.
— Provavelmente, mas quem sabe? A única certeza é que você precisaria de um advogado brasileiro para lidar com isso. Posso conseguir um nome, voar para aí, encontrar você e o advogado brasileiro...
— Não há tempo para tudo isso disse - Alfonso irritado.
— Sim, imaginei. E, para ser honesto, não posso garantir se daria certo. Meu melhor conselho? Encontre uma outra fazenda para si mesmo. Ei, você está no Brasil. O quanto isso poderia ser difícil?
Alfonso riu. Não era um som feliz nem mesmo para seus próprios ouvidos. Agradeceu seu advogado, desligou e foi para o seu carro.
De alguma maneira, a fazenda parecia pior hoje do que ontem.
Os buracos na estrada pareciam mais numerosos, a casa e as construções, mais abandonadas. Alfonso parou o carro, subiu os degraus da varanda e tocou a campainha. Podia ouvir o som ecoando do lado de dentro.
Tocou de novo. E de novo. Finalmente, a porta se abriu. Uma mulher de cabelos brancos e um vestido florido disforme lhe fez uma careta.
Perguntou alguma coisa em português, que deveria ser "o que você quer?" ou "quem é você?". Alfonso lhe deu seu nome e disse que queria ver a srta. Portilla.
A mulher permaneceu imóvel. Ele começou a repetir o que tinha falado quando ouviu a voz de Anahi.
Alfonso passou pela mulher, que correu atrás dele, e seguiu o som para um lugar que parecia ser uma biblioteca decadente.
Anahi estava de costas, agachada ao lado de uma caixa de papelão preenchida com livros até a metade. Vestia jeans e camiseta. Os cabelos estavam presos num rabo de cavalo. Os pés estavam descalços e empoeirados.
Apesar de desleixada, estava linda. Tão linda que fez o coração de Alfonso disparar.
— Yara - disse ela sem olhar para trás. - Quem está aí? É o homem com a caminhonete? Se for...
— Olá, Anahi.
Anahi endireitou o copo com tanta rapidez que derrubou alguns livros que estavam empilhados no chão.