ANAHI
Aquela voz. Ela não esperava ouvi-la novamente. Nunca mais queria ouvi-la. Entretanto, quando se virou e viu Alfonso, a alegria que a envolveu era indescritível.
A intensidade do sentimento a chocou. Alegria? Pelo quê? Alfonso não significava nada para ela. Anahi pôs a mão nas têmporas, onde a dor de cabeça da noite anterior parecia ter se instalado permanentemente.
Estava pegando uma gripe ou algo assim, e aquele não era um bom momento.
E por que ele a olhava daquele jeito? Como se ela fosse... de outro planeta. Estava desarrumada, sabia. Tinha se vestido para o trabalho do dia. Uma camiseta rasgada, jeans surrados. Em Nova York, havia se vestido para Alfonso, porque fora tola em acreditar que ele se importava.
Mas ele nunca se importara.
Anahi teria sido apenas mais uma mulher na vida de Alfonso, mesmo que o relacionamento deles tivesse durado um pouco mais.
Alfonso nunca a conhecera de verdade.
Mas ela o conhecia muito bem. Alfonso Herrera, o homem que tinha tudo, que acreditava que compromisso num relacionamento não envolvia nada mais profundo do que exclusividade temporária e presentes caros, embora certas vezes, como naquele fim de semana glorioso...
— O que você está fazendo?
Alfonso estava olhando para a caixa de livros empoeirados, fazendo uma careta, como se tivesse descoberto alguma coisa desagradável em seus próprios sapatos. Aquilo a irritou.
— Tenho uma pergunta melhor. O que você está fazendo aqui?
Alfonso sorriu.
— Que cumprimento caloroso. - Anahi estreitou os olhos.
— Meu advogado disse que você tinha voltado para Nova York.
— Seu advogado - murmurou ele em tom irônico. - É assim que você considera aquele enganador?
— Responda à minha pergunta. Por que você não voltou para os Estados Unidos?
— Eu comecei a voltar. - Alfonso se aproximou devagar. - Mas refleti e percebi... Decidi voltar e tentar resolver as coisas.
— Não há nada para resolver. Não mais. - Ela ergueu o queixo. - Souza me explicou tudo. Você escolheu não comprar a fazenda, afinal, e Ferrantes...
— Souza é um mentiroso!
— É? Então por que Ferrantes é o novo dono de Puente e Filho?
— Ele é o novo dono porque seu advogado a traiu! Souza, Ferrantes e o banco eram cúmplices. Eu não sabia de nada disso, até que encontrei Souza uma hora atrás.
Anahi deu de ombros.
— Tanto faz. Você já tinha decidido não me dar a fazenda. Deixou isso claro. E foi melhor assim. Foi um erro meu ter lhe pedido algo assim.
— Não foi um erro. Você tinha todo direito de pedir. Nós éramos... nós fomos íntimos uma vez.
Não contradisse ela friamente. — Não fomos íntimos. Éramos um homem e uma mulher que dormíamos juntos. Nada mais.
Ela estava certa. Era assim que ele quisera que fosse. Então, por que ouvir aquelas palavras o enfurecia tanto? Gostasse ou não, existira mais do que sexo entre os dois. Como no fim de semana em que eles tinham ido para sua casa em Connecticut, uma casa que Leo lhe pedira para ir dar uma olhada, e que Alfonso acabara comprando para si mesmo. Tinha planejado dois longos dias e noites fazendo amor, mas a casa não cooperara.
A construção era muito antiga, e naquele fim de semana, cada pedaço da casa pareceu admitir sua idade. Havia vazamento embaixo das pias, o forno não funcionava, a geladeira quebrara de repente... E então houvera um insulto final: uma tempestade tinha acontecido, e a chuva achado um buraco no telhado, diretamente sobre a cabeça deles.
Portanto, não. Eles não haviam passado dois dias e duas noites fazendo amor... mas tinham se divertido de qualquer forma.
Anahi ganhara dele três vezes num jogo de tabuleiro, assim como no jogo de cartas e no xadrez. Então Alfonso pediu uma revanche nos três jogos, e ganhou todos. Ela o acusou de deixá-la ganhar a primeira vez, e ele sorriu, puxando-a para seus braços e dizendo que tudo que queria era sia nua diante da lareira.
Deus, o que velhas lembranças tinham a ver com aquilo? Estava lá para resolver a situação presente, nada mais.
— Não faz sentido discutir nosso relacionamento - disse Alfonso.
— Concordo. Então, se foi para isso que você veio aqui...
— Não foi. Eu estava a caminho de casa quando comecei a refletir sobre as coisas.
— Que coisas?
Alfonso a estudou. Ela estava em pé, os braços cruzados sobre os seios amplos, olhando-o como se ele estivesse ali para roubar a prataria da família.
— Pode me fazer um favor? Peça para seu cão de guarda sair da sala.
Anahi riu. Yara, uma nativa do Pantanal, parecia como se estivesse de guarda. Estava parada na mesma postura rígida daquela manhã, quando Ferrantes aparecera, sem ser anunciado, com a péssima notícia.
Alfonso, apesar de todos os seus defeitos, não era André. Ele lhe partira o coração uma vez, até mesmo conseguira fazer isso de novo no dia anterior, mas jamais a machucaria fisicamente.
Anahi falou para Yara em português:
— Pode nos deixar sozinhos. Este homem não vai me machucar.
— Está dizendo que ele não vai bater em você. - Anahi sorriu da sabedoria da mulher idosa.
— Não, não vai.
— Mas vai machucá-la de outras maneiras. - aAnahi meneou a cabeça.
— Ele não tem mais esse poder sobre mim.
Yara meneou a cabeça, como se não acreditasse. Entretanto, deu um último olhar significativo para Alfonso e deixou a sala. Anahi limpou as mãos empoeiradas no jeans e o fitou.
— Agora, diga-me por que veio aqui.
Alfonso respirou profundamente.
— Voltei por causa do menino.... Daniel.
Ela arqueou uma sobrancelha.
— Desta vez ele tem um nome?
— Para lhe dizer que... aceito a responsabilidade por ele.
— Ele tem um nome... e você também mudou de atitude. Que interessante...
— Deus, você não está facilitando...
— Esperou que eu facilitasse? Vá direto ao ponto, por favor. Tenho muito que fazer.
Alfonso suspirou.
— Tive tempo para pensar. E percebi que quero fazer a coisa certa por ele. Por vocês dois. Se ele for meu filho...
— Se? - interrompeu ela friamente. - Se ele for seu filho?
— Anahi você entende o que quero dizer.
— Não entendo. Por que não me explica?
— Tente se colocar no meu lugar. Você me deixou. Nunca mais tive notícias suas, e de repente, existe esta criança...
Ela se moveu rapidamente, cobrindo a distância entre os dois, e ergueu o rosto furioso para ele.
— Continua dizendo que eu o deixei. Você me deixou. E não, nunca mais ouviu notícias minhas. Por que ouviria? Tudo já tinha sido dito naquela noite em que você me dispensou.
— Tudo bem - disse ele. - Isso tem a ver com o bebê... Com Daniel. Se ele for meu...
— Pare de dizer isso! Acha que eu mentiria sobre uma coisa dessas? Que eu teria dormido com outro homem depois...
— Teria? - A voz de Alfonso era rouca. - Teria dormido com outro homem depois de ter sido minha? - Ele emoldurou-lhe o rosto nas mãos, forçando-a a encará-lo. - Porque não quero pensar em você dessa maneira, Anahi. Não quero imaginá-la na cama de outro homem, tocando-o como você costumava me tocar, beijando-o, sua pele contra a dele...
— Pare com isso, Alfonso - murmurou ela num sussurro trêmulo. - Pare de...
Ele a beijou.
Beijou-a com raiva, forçando-a a abrir os lábios, e quando Anahi gritou contra sua boca, Alfonso suavizou o beijo e abraçou-a contra si, ignorando as mãos dela, tentando empurrar seu peito. Continuou beijando-a, como se precisasse consumir o sabor doce, até que finalmente Anahi deu aquele gemido de rendição que ele sempre adorara, ergueu-se na ponta dos pés, rodeou-lhe o pescoço com os braços e correspondeu ao beijo.
Mas a entrega dela durou pouco. Um momento depois, afastou a boca do beijo dele.
— Por favor. Se você algum dia gostou de mim, solte-me.
Ele não queria soltá-la. Queria abraçá-la para sempre, o que era loucura. Estava lá pela criança, e por nenhuma outra razão. Então baixou as mãos para as laterais do corpo e deu um passo atrás.
— Conte-me sobre Ferrantes. - Os olhos dela faiscaram. - Não - disse aAlfonso rapidamente. - Não é o que está pensando... Conte-me o que está acontecendo. Souza falou que Ferrantes comprou esta fazenda. Ele contatou você?
Anahi tremeu e envolveu os braços ao redor do corpo.
— Sim. Ele esteve aqui esta manhã. Deu-me um... deu-me um... não sei como se diz isso em inglês. Uma decisão que devo tomar.
— Um ultimato?
— Sim. Ou ele obtém o que quer, ou vai vender Puente e Filho para o fazendeiro que possui os cinquenta mil hectares anexos.
Alfonso assentiu. Então murmurou sem emoção na voz:
— E o que ele quer é você.
Ela olhou para cima, a expressão determinada.
— Eu disse a ele o que podia fazer com seu ultimato. E ele falou...
— O que ele falou?
Anahi tremeu, virou-se, começou a tirar livros das prateleiras.
— Falou que a escolha era minha, que se eu não cumprisse a exigência, tinha até esta noite para deixar a casa.
Alfonso praguejou em seu dialeto siciliano, aprendido nas ruas de sua infância.
— Ele não pode fazer isso. - Anahi virou-se para fitá-lo.
— É claro que pode!
Ela tinha razão. Ferrantes podia fazer o que bem entendesse, ou assim parecia.
— Mas para onde você vai? - Ela deu de ombros.
— Yara pode nos acolher por algumas semanas.
— Yara. O cão de guarda?
— Ela é uma mulher boa. Praticamente me criou.
— Ela tem uma casa que vocês podem compartilhar?
Anahi pensou na casa de Yara. Pequena. Muito pequena. Menor ainda desde que a filha de Yara, o genro e três crianças pequenas tinham ido morar com ela e o marido.
— Sim.
Era o "sim" menos firme que Alfonso já ouvira. Aproximou-se de Anahi, tirou-lhe o livro da mão e segurou-lhe os ombros.
— Não há espaço para você e o bebê na casa de Yara, há? - perguntou ele.
— Farei o que preciso fazer - respondeu ela.
Alfonso assentiu. Ela faria. Tinha feito o que considerara necessário todos aqueles meses, retornado ao Brasil para ter o filho, morando naquele fim de mundo com nada, exceto um terreno árido de companhia.
— Suas malas estão prontas? - Anahi arqueou as sobrancelhas.
— Por quê?
— Apenas responda à pergunta. Posso contratar alguém para empacotar as coisas que você não quer deixar para trás.
— Sou perfeitamente capaz de fazer isso sozinha.
Alfonso suspirou.
— Vou levar você comigo. Para Nova York. - Ela o olhou como se ele tivesse enlouquecido.
— Por que você faria isso? Por que eu lhe permitiria fazer isso?
— Porque decidi assim.
Anahi o estudou. Ele falava sério. E era um homem que não toleraria obstáculos uma vez que decidisse que queria alguma coisa.
Às vezes, ele tinha sido assim na cama.
O Alfonso carinhoso, o amante doce que ela adorava, desaparecia. O ato de amor dele se tornava feroz e exigente. Alfonso prendia-lhe os pulsos acima da cabeça dela, dizia coisas eróticas enquanto a tomava e se movia em seu interior... e naqueles momentos, Anahi atingia o clímax repetidas vezes...
— Não aceito ordens suas - replicou ela, afastando as memórias indesejadas.
Um músculo saltou no maxilar dele.
— Ouça, não posso deixá-la aqui sozinha, e não posso ficar no Brasil. Precisa ir comigo. Você e o bebê.
— O bebê - murmurou ela com voz trêmula. - O bebê que você ainda não acredita que é seu.
Alfonso sabia o que ela queria ouvir, mas não conseguiu dizer.
— Não há outra solução. - Anahi meneou a cabeça.
— Está tudo acontecendo muito rapidamente. Preciso de tempo para pensar. Para planejar.
Sim, tudo estava acontecendo rapidamente, pensou Alfonso. Tinha voltado ao Brasil para dar a fazenda a ela, requisitar exames de paternidade, estabelecer um fundo para Anahi e para a criança, fazer todas as coisas certas, mas com lógica e sem pressa.
Levá-la consigo não fizera parte dos planos.
Todavia, o que mais podia fazer? Deixá-la a mercê de Ferrantes?
— Concordo que tudo isso é muito rápido - murmurou ele, segurando-lhe o rosto nas mãos e erguendo-o para o seu. - Lidaremos com os detalhes mais tarde. E vai dar tudo certo, prometo.
Anahi hesitou.
— Anahi, eu não acho que...
— Ótimo - disse ele suavemente. - Não ache nada. Apenas confie em mim. Diga que irá comigo.
Ela queria confiar nele. Pelo menos, seu coração queria. Sua cabeça dizia uma outra coisa... mas então, Alfonso inclinou-se e beijou-a. E, como uma tola, Anahi concordou.
Obg pelos comentarios,espero q gostem dos caps bjs chelle