CAPITULO DOZE
Fazia séculos que Alfonso não fugia de seus deveres.
Tinha feito muito aquilo no colegial. Matando aulas. Encrencando-se por isso, acabando suspenso uma vez, mas a escola era chata enquanto o mundo era excitante e, além disso, até mesmo o diretor tivera de admitir que era uma criança inteligente demais para ser dispensada.
Ou talvez a influência do diretor fosse o medo de Cesare.
De qualquer foram, Alfonso havia matado muitas aulas. Mas, depois que obtivera seu diploma, aparentemente inútil, em Economia, e fora para o Alasca, aqueles dias fáceis tinham acabado. Ele não apenas precisava ir ao escritório todos os dias, como tinha de trabalhar duro, também.
A ideia havia sido testar a si mesmo. E ganhar muito dinheiro. Conseguira isso, embora jamais tivesse entendido por que parecia tão importante, exceto pelo fato de que dinheiro representava liberdade. Independência completa, mais ainda depois que investira suas economias na companhia que iniciara com seus irmãos.
Então, finalmente poGabriello.
Liberdade, independência e muito dinheiro. Mais dinheiro do que jamais imaginara.
Todavia, pensou Alfonso enquanto envolvia Anahí nos seus braços na pista de dança de uma pequena boate em East Village, nunca tinha percebido que o que mais queria não carregava uma etiqueta de preço.
Como a vida podia mudar tão rapidamente? Dez dias atrás, Alfonso se considerava feliz com suas posses e sua família. E com as mulheres, é claro. Ruivas, loiras, morenas... todas lindas, divertidas e excitantes.
Por um curto período, pelo menos.
O ritmo da música mudou para lento. Não que isso importasse. Desde o instante em que haviam pisado na pista de dança, segurara Anahí perto de seu corpo, o rosto dela enterrado em seu pescoço.
Na verdade, nada era tão excitante quanto isso. Anahi em seus braços, completando sua vida.
Ela o fazia feliz. Era alegre, cheia de vida. E mais linda do que parecia ser possível.
E era sua.
Ia dormir com Anahí em seus braços e acordava para ver o lindo rosto sorridente ao seu lado. Eles estavam sempre juntos. Conversavam sobre tudo sob o sol, concordavam em algumas coisas, discordavam em outras. Liam o jornal durante o café da manhã, dirigiam para Long Island e caminhavam pela praia em Fire Island, vazia e magnífica num dia frio de outono.
No começo, Anahí o relembrara que eles tinham contratado Stacia para que ela tivesse tempo para contatar seu empresário, fazer algumas entrevistas...
Mas Alfonso a beijava e dizia que nada podia ser melhor do que os momentos que estavam vivenciando.
Às vezes, eles não falavam. Apenas permaneciam juntos, em um silêncio confortável.
E havia Daniel.
Alfonso ainda não sabia muito sobre crianças, mas tinha de admitir que o garoto era bonito. E, melhor ainda, inteligente. Balbuciava muitos sons diferentes agora. Provavelmente falaria antes de completar um ano. E o modo como tentava alcançar o móbile acima do berço, observando-o com olhos curiosos. Oh, sim, Daniel era inteligente, e não apenas porque era seu filho.
O que certamente era. Como ele podia ter duvidado um dia?
— Alfonso?
Aquela tinha sido a melhor semana de sua vida. Estava feliz, mas...
— Alfonso!
Ele piscou, olhou para o rosto sorridente de Anahi.
— O quê?
— Nós ainda estamos dançando. - Ela riu.
— E?
— E a música parou cinco minutos atrás.
Era verdade. Eles estavam sozinhos na pista de dança, abraçadinhos, as pessoas observando-os e sorrindo.
— Incrível, porque eu podia jurar que ainda estava tocando.
Anahí sorriu.
— Eu também.
Alfonso a girou num círculo, então, inclinou as costas dela contra o seu braço.
— Você é louco - disse ela, rindo.
— Louco por você. - Alfonso a levou dançando até a mesa, pegou o xale dela, e continuou conduzindo-a numa valsa até a porta de saída. O motorista dele os esperava.
Dentro do carro, Alfonso fechou o compartimento que os separava do motorista, e aconchegou-a em seu peito.
— Você se divertiu?
— Foi maravilhoso. - Anahi sorriu. - Vamos tentar salsa da próxima vez.
Ele gemeu.
— Você quer que eu faça papel de tolo numa pista de dança?
— Pare de pedir elogios. Você é um bom dançarino.
— Salsa significa mexer partes do corpo humano que não foram feitas para se moverem.
Os olhos dela brilharam.
— Ah, mas vi você mover estas partes com perfeição. - Alfonso a puxou para o seu colo, a voz subitamente rouca quando falou:
— Mas não numa pista de dança. - Anahí entrelaçou as mãos nos cabelos dele.
— Talvez devêssemos testar estes movimentos quando chegarmos em casa - sussurrou.
Como era bom ter privacidade, pensou Alfonso, então parou de pensar em qualquer coisa, exceto na mulher em seus braços.
No sábado de manhã, o correio entregou um pacote.
Alfonso insistiu que Anahí observasse enquanto ele abria.
Era uma longa extensão de lona almofadada, com alças ajustáveis.
— É um canguru para carregar bebês - disse ele, vestindo a peça sobre ombros e braços, então encaixando Daniel no tecido almofadado. - Pesquisei na internet. Parece que muitas tribos carregaram seus bebês assim por séculos. Dá ao bebê um senso de muita segurança. O que acha?
— Acho que é uma ideia excelente - disse ela, mas o que realmente achava era que estava vivendo um milagre.
O homem que nem mesmo suspeitara ter um filho há menos de duas semanas havia se tornado o pai mais incrível do mundo.
— Está falando sério? - Ele sorriu para Daniel. - Daniel, meu garotão, o que você acha?
O bebê riu. Assim como Anahí. Alfonso a olhou e sorriu.
— Acho que o voto é unânime.
Era. Ela e seu filho adoravam aquele homem... mas Anahí não poderia lhe dizer isso. Não até que ele dissesse as palavras que ela ansiava ouvir. Então beijou seu filho, depois seu amor.
— Unânime - concordou alegremente.
— Certo. Agora que tal uma viagem ao zoológico?
— Maravilhoso.
Alfonso entregou-lhe Daniel e pôs o canguru de lado.
— Vou apenas checar meus e-mails, o que não fiz a semana inteira. E na segunda-feira, por mais que eu deteste, terei de voltar ao trabalho.
Ele viu o semblante dela entristecer. E também se sentia triste em deixá-la, mas a vida precisava voltar ao normal em algum momento.
— Cinco minutos. Nem um segundo a mais - prometeu alfonso.
Mas ficou no escritório por mais tempo do que isso, e quando saiu, Anahi soube que alguma coisa tinha acontecido.
— Alfonso, está tudo bem?
Ele a assegurou que sim. Mas não era verdade. Com o semblante fechado, Alfonso permaneceu estranhamente silencioso durante o trajeto até o zoológico. Preocupado, mas com o quê?
Ele carregou o bebê no canguru durante o passeio, falando com Daniel, como se o garotinho entendesse tudo sobre focas, macacos e girafas.
Ainda assim, estava estranho.
Finalmente, eles fizeram uma parada. Daniel adormecera. Alfonso olhava a distância, uma mão curvada ao redor do bebê, a outra no bolso do casaco de couro.
Um nó se formou na garganta de Anahí. Alguma coisa estava acontecendo. Alfonso parecia outra pessoa desde que tinha saído daquele escritório.
E se ele tivesse decidido que bastava? Ela e o bebê eram novidades, e novidades o intrigavam, mesmo que logo se cansasse delas. Alfonso lhe contara que havia experimentado caiaque, esqui e muitas outras novidades. Também mencionara sua busca constante por carros excitantes e diferentes, às vezes viajando quilômetros para buscá-los em estados diferentes.
Anahi era sua última aquisição? Ainda mais vital, Daniel era também? Seu filho aprendera a amar o pai apenas para vê-lo se transformar num estranho?
Esse pensamento a apavorou.
Alfonso sentiu o peso quente de seu filho adormecido pressionado contra seu peito.
Curvou a mão sobre o traseiro do bebê. Adorava segurar seu filho. Nunca imaginara que ser pai podia fazer o coração de um homem inchar de orgulho e alegria.
O zoológico estava repleto de famílias. Mães, pais, crianças de todas as idades. Agora, ele, Anahi e Daniel formavam uma família também.
Era maravilhoso. Assim como assustador.
E isso o fez finalmente encarar a verdade. Bem, isto e as mensagens de e-mail que encontrara em sua caixa de correio eletrônico. Era tudo o que podia pensar. O que estava acontecendo com Chris...
O que se sentia pronto para admitir que estava acontecendo consigo mesmo.
Já havia acontecido.
Deus, como um homem era capaz de se apaixonar tanto? E tão rapidamente? Como pudera estar cego para isso? Anahi tinha de se sentir da mesma maneira. Caso contrário...
Ele precisava ficar sozinho com ela. Tomá-la nos braços. Contar-lhe...
— Any - disse Alfonso abruptamente, olhando para a mulher que segurava sua vida nas mãos - sei que há muito mais para ver, mas...
— Alfonso. - Ela o olhou intensamente. - Por favor, eu gostaria de ir para casa.
A sra. Janiseck tinha folga aos sábados. Assim como Stacia.
No momento em que ficaram sozinhos, Alfonso pigarreou.
— Anahi. Precisamos conversar.
— Tudo bem - respondeu ela, o coração pesado de tristeza.
— Vou pôr Daniel na cama. Por que não começa a preparar o jantar?
Ela assentiu, foi para a cozinha. Na verdade, havia pouco para fazer. A sra. Janiseck já deixara tudo preparado no dia anterior... frango assado com salada. Era bom encontrar tudo pronto. Porém, de alguma maneira, aquilo a fazia sentir-se uma hóspede na casa de Alfonso. É claro, uma mulher com quem ele se comprometesse permanentemente teria governanta e cozinheira, considerando o estilo de vida das pessoas ricas. Mas uma mulher com quem ele tivesse...
Anahi riu, embora não fosse um som alegre.
Que tipo de frase era aquela? Uma mulher com quem ele tivesse... Não existia uma palavra para descrever o que ela era para Alfonso? Não sua amante. Amantes não vinham equipadas com bebês, e, ademais, uma amante era uma mulher sustentada pelo amante...
O que era exatamente o que tinha se tornado.
Anahi bateu a porta da geladeira e foi para o terraço. Estava frio e escuro lá fora, fazendo-a tremer.
Alfonso pagava todas as suas contas. Comida. As roupas de Daniel. Fraldas. Os móveis do quarto de bebê. Pagara pelas roupas dela... Anahi deixara muitas coisas na fazenda e precisara de roupas mais quentes em Nova York.
Levaria uma vida inteira para lhe pagar, mesmo se conseguisse alguns trabalhos como modelo.
Alfonso possuía tudo em sua vida e na vida de seu filho.
Como tinha deixado isso acontecer? O que acontecera com a sua independência? Seu senso de autonomia? Sua determinação, desde criança, de não contar com ninguém, exceto consigo mesma?
O que acontecera com sua responsabilidade em relação a Daniel?
Daniel merecia estabilidade. Segurança. Não apenas segurança financeira, mas o tipo que vinha do coração. Um coração de pai. Anahi, mais do que ninguém, sabia o que isso significava. Daniel era somente um bebê, mas já sorria de felicidade quando Alfonso o pegava. Mais alguns meses e estaria falando "papai", mas Alfonso estaria lá para ele? Para ela?
Anahi respirou profundamente. A palavra do dia era compromisso.
E um compromisso para sempre. Como um homem e uma mulher construindo uma vida juntos.
Como...
— Casamento - Alfonso falou, e ela virou-se para ele, o coração parecendo saltar do peito.
— O quê?
Ele estava sorrindo, mas o sorriso era falso. Ela podia ver isso nos olhos de Alfonso.
— Meu irmão Chris. - Ela enfiou as mãos nos bolsos traseiros da calça, o olhar além do parque, não nela. - Quando chequei meu e-mail esta manhã, encontrei alguns recados. Parece que ele vai se casar amanhã. Na verdade, já está casado... algum tipo de acordo rápido que aconteceu na Sicília, mas amanhã vai se casar na igreja, onde minha mãe poderá derramar lágrimas de emoção.
Era por que a ideia do casamento o perturbava que Alfonso tinha ficado distante o dia inteiro?, perguntou-se Anahi.
— Bem, isso é...
— Ele tem tentado me contatar. Minha família inteira, aliás. Eu estava fora de alcance.
Aquilo soou como uma acusação. Ela estreitou os olhos.
— Eu não o impedi de checar suas mensagens.
— Sim, mas quem esperaria uma mensagem como esta? - Alfonso passou as mãos pelos cabelos úmidos do banho. - Quero dizer, isso é loucura. Ele acabou de conhecer a mulher.
— Sim, mas...
— Casamento é um compromisso para sempre. Um homem precisa refletir antes de tomar tal decisão.
— E você acha que ele não refletiu?
— O que acho é que um homem não deve saltar para um casamento como se estivesse pulando num rio violento cheio de correntezas.
Anahi pôde sentir a raiva a envolvendo. Ou talvez estivesse ali o tempo todo, apenas esperando para subir à superfície.
— Seu irmão não é o único que está saltando. O mesmo se aplica à mulher.
Alfonso bufou com zombaria.
— Não é a mesma coisa.
— Não é? - A voz dela se tornara gelada.
— Homens são feitos para caçar. Mulheres são feitas para coletar. É claro que não é a mesma coisa.
Anahi o olhava como se ele tivesse enlouquecido. Bem, Alfonso não podia culpá-la. Sabia que soava absurdo, mas como podia agir diferentemente depois de descobrir, naquela manhã, que Chris ia se casar. Aquilo o abalara muito.
Chris, casado? Só podia ser brincadeira.
Ele ligara para Chris, e seu irmão lhe contara que tinha se casado com Dulce Cordiano da primeira vez para "fazer a coisa certa", mas então se apaixonara loucamente por ela.
"— Mas casamento? Tão rápido? - perguntara Alfonso.
— Sim, e espere até conhecer a mulher certa. Uma mulher que o ama por quem você é por dentro, não pelo que o mundo vê. Que ama apenas você, e pode se imaginar envelhecendo ao seu lado. Que o ama porque você lhe deu seu coração, não coisas que o dinheiro pode comprar."
E num piscar de olhos, Alfonso soubera que Chris poderia estar falando sobre ele e Anahí.
Ele tinha passado o dia com aquilo na cabeça, imaginando se Anahi se sentia da mesma maneira, dizendo a si mesmo que sim, que ela não era uma mulher que viveria com um homem, dormindo nos braços dele todas as noites, a menos que o amasse.
E, Deus, tudo aquilo o apavorava.