Eduardo de Souza, o advogado de Puente, tinha uma voz agradável ao telefone.
Alfonso explicou que era filho de um velho conhecido de João Puente, e perguntou se eles poderiam se encontrar o mais breve possível.
— Ah — disse Souza com um suspiro. — E seu pai sabe o que aconteceu?
Que Puente estava morrendo? Que o filho do homem estava prestes a herdar a fazenda?
— Sim, ele sabe — respondeu Alfonso. — É por isso que estou aqui, senhor. — Ele pausou, sem saber como o advogado reagiria. — Meu pai quer fazer uma oferta a ele pela fazenda.
Silêncio. Então, soando intrigado, Souza perguntou:
— A quem?
— A Puente. Pela propriedade. Ouça, se pudermos nos encontrar para discutir isso...
— Claro. Vejo que temos muito a discutir. Na verdade, estou a caminho da fazenda. Podemos nos encontrar lá?
Souza lhe explicou como chegar ao lugar, que ficava a 48 quilômetros da cidade.
Alfonso encontrou a fazenda sem dificuldade. Os portões estavam abertos, o caminho de cascalho, cheio de buracos. Após aproximadamente um quilômetro, avistou uma casa e meia dúzia de construções, entre as quais um estábulo.
Ele franziu o cenho. As construções, inclusive a casa, davam a ideia geral de abandono. Havia alguns veículos no terreno: algumas caminhonetes velhas, carros com lama nas rodas, e um enorme utilitário preto brilhante. Era tolice detestar um veículo, Alfonso sabia, mas não gostou do que viu.
Ele desceu do carro lentamente. Aquela era uma fazenda próspera? Talvez tivesse pegado a estrada errada...
— Sr. Herrera?
Um homem baixo e troncudo estava descendo os degraus correndo, enxugando o rosto suado com um lenço.
— Sr. Souza? — Alfonso estendeu a mão. — Prazer em conhecê-lo.
— Tentei adiar as coisas, senhor, mas houve certa impaciência.
Adiar o quê? Alfonso começou a perguntar, mas o advogado segurou-lhe o cotovelo e o conduziu apressadamente para dentro da casa. Alguns homens estavam em pé num pequeno grupo, braços cruzados. Um homem enorme, vestido de preto como um vilão de cinema e fumando um charuto, estava sozinho no canto da sala. Alfonso imediatamente o rotulou como o dono do utilitário.
Uma escadaria larga levava ao segundo andar; na frente, estava um homem de terno brilhante, tagarelando no indecifrável idioma português. De vez em quando, um dos expectadores murmurava uma resposta.
Alfonso arqueou a sobrancelha.
— O que está acontecendo aqui?
— Um leilão, é claro — sussurrou Souza. — Da fazenda. Pelo banco. — Ele deu de ombros. — Você entende.
Não, pensou Alfonso atordoado, não entendia. Segurando o braço do advogado, conduziu-o para um canto.
— João Puente está vendendo a propriedade? - O homem pequeno franziu o cenho.
— João Puente está morto, senhor.
— Morto? — Alfonso fez uma pausa. — O filho dele, então? Christian está vendendo o lugar?
— christian também está morto. Não é por isso que você está aqui? Para fazer uma oferta por Puente e Filho?
— Bem, sim, mas eu não sabia que...
— Deve estar preparado para dar um lance alto, senhor. - Droga. Não era assim que se fazia negócios.
— Quanto vale a fazenda?
O advogado citou um valor em reais e rapidamente o transformou em dólares.
— Cinquenta mil? Isso é tudo?
— A quantia vai cobrir a dívida do banco. — Souza hesitou. — Mas no leilão os lances serão muito mais altos. — Ele baixou o tom para um sussurro: — Há uma outra parte interessada.
Alfonso já tinha ido a leilões antes. Comprara alguns quadros na Sotheby. Havia sempre uma outra parte interessada, mas na Sotheby não tinha sido assim. Além da competitividade, ele podia sentir alguma coisa estranha no ar.
— Certo. Em quanto estão os lances?
— Vinte mil. Metade do que o banco quer.
Alfonso assentiu. O dinheiro não era seu, era de seu pai. Gaste o que for preciso, seu pai lhe dissera, até meio milhão de dólares. Aquilo lhe dava uma vantagem significativa... e quanto antes resolvesse tudo, mais rapidamente poderia partir.
— Dê um lance de cem mil dólares.
O advogado pigarreou. Gritou o valor em reais. Um silêncio reinou na sala. Todos olharam primeiro para Alfonso, depois para o homem grande de preto, que se virou para olhá-lo, também. Alfonso sustentou o olhar do homem, até que ele mudou o charuto para um dos cantos da boca e mostrou todos os dentes no que ninguém poderia chamar de sorriso.
— Duzentos mil dólares — o homem falou, um leve sotaque inglês.
Houve gemidos audíveis dos outros.
O que era aquilo? Uma competição por um lugar arruinado, que precisaria de alto investimento para se tornar produtivo? Talvez Cesare estivesse louco, mas Dante não estava, e seu pai não lhe dera a incumbência por acreditar em sua perícia nos negócios?
Alfonso deu de ombros.
— Se você quer tanto esta fazenda — começou a dizer...
E então uma voz tão suave como pétalas de rosas falou seu nome. E ele soube quem era, mesmo antes de se virar para a escada e vê-la.
O coração de Anahi estava disparado.
Era Alfonso. Mas não podia ser. Ele era uma lembrança amarga de uma outra época, de um outro lugar...
— Anahi? - Deus, ele era real!
Quase um ano e meio tinha se passado, entretanto tudo nele era familiar. Os ombros largos e o corpo esbelto e musculoso. Os ângulos fortes do rosto. Os claros olhos azuis.
E a boca. Firme e sensual, e mesmo agora ela lembrava-se da sensação daquela boca contra a sua.
Ele estava andando na sua direção.a Anahi meneou a cabeça, deu um passo atrás. Sabia que não devia permitir que ele a tocasse. Caso contrário, poderia fraquejar. Todas as noites em que pensara em Alfonso, forçando-se a não pensar nele, dizendo a si mesma que o detestava e que nunca mais queria vê-lo...
Entretanto, agora, parada nas sombras do corredor do segundo andar, ouvindo seu destino ser decidido por um grupo de homens sem rosto, tinha ouvido a voz dele e reagido... seu coração disparado, os lábios querendo se curvar num sorriso.
Anahi respirou profundamente. Não tinha razão para sorrir para aquele homem. Não sentia nada por ele. Nem mesmo ódio. Vê-lo a assustara, nada mais...
A menos... a menos que ele tivesse ido lá por ela. Na escuridão das noites, mesmo desprezando-o, Anahi chorava por Alfonso. Por seu toque. E às vezes, ousava sonhar que ele descobrira seu segredo, que estava voltando para ela...
— O que você está fazendo aqui? — perguntou Alfonso. A pergunta destruiu aqueles sonhos ridículos, substituindo-os pela realidade, pelo conhecimento de que precisava se livrar dele o mais rapidamente possível.
Seu coração continuava a bater forte, mas as mudanças recentes em sua vida haviam trazido de volta os hábitos enraizados da infância, e Anahi se recompôs, assumindo uma atitude calma e resoluta.
— Acho que uma pergunta melhor é: o que você está fazendo aqui?
Ele pareceu surpreso. Contudo, era um homem que nunca tinha de responder a ninguém.
— Estou aqui a negócios.
— Que tipo de negócios o traria para o fim do mundo?
— Vim comprar esta fazenda.
Ela sentiu a cor desaparecer de seu rosto.
— Puente e Filho — disse ele impacientemente. — E você ainda não respondeu a minha pergunta.
Um suspiro soou na sala, seguido pela risada de um homem. Anahi viu Alfonso virar-se na direção de André Ferrantes e sentiu uma onda de pânico. Quem sabia o que ele diria?
— Alguma coisa nisso o diverte? — perguntou Alfonso friamente.
Ferrantes sorriu.
— Tudo sobre isso me diverte, senhor, inclusive esta cena tocante de reencontro. Eu gostaria de saber de onde você conhece a senhorita.
— Alfonso — Anahi falou rapidamente —, ouça... - Ferrantes deu um passo à frente.
— Eu pergunto — continuou ele — porque a conheço muito bem. — Anahi arfou quando ele passou o braço ao redor de sua cintura e prendeu-a ao seu lado. — Intimamente, pode-se dizer. Não é, Anahi?
Os olhos de Alfonso esfriaram, fixando-se no rosto de Ferrantes, mesmo enquanto dirigia uma pergunta a ela:
— Sobre o que ele está falando?
Anahi o ouvira usar aquele tom antes, não muito depois que se conheceram. Estavam passeando numa rua do Soho. Era tarde da noite, e eles ouviram um grito vindo de um beco escuro, o barulho de alguma coisa batendo no chão.
— Fique aqui — Alfonso lhe dissera.
Tinha sido um comando, não um pedido, e ela obedecera instintivamente. Mas ao ouvir sons de socos, correra em direção ao beco no momento que Alfonso reapareceu com um homem ofegante ao seu lado, agradecendo-lhe repetidamente. O casaco de Alfonso estava rasgado, o maxilar começando a inchar, e a expressão nos olhos contava o que ele tinha sido obrigado a fazer...
E apreciado isso.
— Anahi, sobre o que ele está falando? Responda!
Ela abriu a boca, voltou a fechá-la. O que poderia lhe dizer? Não a verdade. Nunca a verdade.
— Talvez eu possa ajudar, senhor. — Era o advogado, olhando de um homem para o outro e sorrindo nervosamente. — Você e a senhorita devem ter se conhecido nos Estados Unidos, presumo.
— Sr. Souza — disse Anahi —, eu lhe suplico...
— Pode-se dizer isso — confirmou Alfonso, os olhos nunca deixando o homem que ainda tinha o braço ao redor de Anahi, muito pálida e trêmula. Por que ela não se afastava daquele patife asqueroso? Por que não dizia que ele era mentiroso? De jeito nenhum Anahi teria se entregado para alguém como aquele homem.
— Neste caso — continuou o advogado —, você provavelmente a conhece como Anahi Portilla.
Alfonso cruzou os braços sobre o peito.
— É claro que eu a conheço como...
— O nome completo e verdadeiro dela é Anahi Portilla Puente — declarou Souza. — Ela é filha de João Puente.
Alfonso o olhou.
— Pensei que Puente tivesse somente um filho.
— Ele tinha um filho e uma filha. — Souza pigarreou. — Talvez... devêssemos discutir isso em particular, sr. Herrera.
— Façam isso — palpitou Ferrantes. — Há um leilão acontecendo aqui, doutor, ou você se esqueceu?
— Deixe-me esclarecer uma coisa — disse Alfonso, sua atenção apenas no advogado. — A fazenda, que deveria ser de Anahi, será vendida pela maior oferta?
— Para mim. — Ferrantes olhou para Anahi. A mão que estava na cintura dela subiu, deliberadamente, até abaixo do seio. — Tudo será vendido para mim. Não há negociação para você aqui, americano.
Alfonso o encarou. Olhou para Anahi. Alguma coisa estava muito errada ali. Ele não sabia o que era, não tinha tempo para descobrir. Podia agir somente por instinto, como fizera muitas vezes na vida.
Respirando fundo, dirigiu-se ao leiloeiro.
— Qual foi o último lance? O leiloeiro engoliu em seco.
— Sr. Ferrantes ofertou duzentos mil dólares. Alfonso assentiu.
— Quatrocentos mil dólares.
Pessoas arfaram. Ferrantes estreitou os olhos.
— Seiscentos mil.
Alfonso olhou para Anahi. O que acontecera com ela? Estava tão linda quanto no passado, mas havia perdido peso. Os olhos pareciam enormes no rosto delicado. E embora estivesse tolerando o toque de Ferrantes, ele podia ver que não estava gostando da proximidade.
— Anahi — murmurou ele baixinho —, posso comprar este lugar para você.
A multidão se agitou. A expressão de Ferrantes era furiosa, mas Alfonso só tinha olhos para a mulher que um dia fora sua amante.
— Sem elos — disse ele. — Eu compro, passo para o seu nome, e isso será o fim de tudo.
Ela o fitou, parecendo considerar suas escolhas. Mas o que havia ali para considerar?
— Anahi, diga-me o que você quer. — O tom de voz de Alfonso continha urgência agora.
Ferrantes empurrou Anahi de lado, deu um passo ameaçador à frente.
— Acha que pode entrar aqui e fazer o que quer, americano?
Alfonso o ignorou.
— Fale comigo, Anahi.
Ela quase riu. Falar? Era tarde demais para isso. Eles deveriam ter conversado naquele dia terrível, quando sua vida tinha mudado para sempre. Estivera tão sozinha, tão assustada, tão necessitada da força e conforto do seu amor. Havia telefonado para o escritório de Alfonso, descobrira que ele estava viajando. Ele não lhe avisara que viajaria. Anahi vira aquilo como um mau sinal, mas quando Alfonso ligou na noite seguinte, convidando-a para jantar, seu ânimo melhorara. E naquela noite, quando Alfonso dissera que tinha algo a lhe dizer, ela tivera certeza de que o destino havia atendido sua prece, que ele diria que viajara para refletir sobre o relacionamento dos dois, e que agora sabia como se sentia...
Mas o que Alfonso descobrira era que estava cansado dela.
Anahi jamais se esqueceria da pequena caixa azul. Os brincos lindos e caros. E o pequeno discurso educado ao terminar o relacionamento.
A dor pela rejeição de Alfonso fora momentaneamente entorpecida pela arrogância dele. Anahi nunca pudera se imaginar querendo alguma coisa de Anahi.
Mas sua vida tinha mudado.
— A fazenda é minha — declarou Ferrantes. — Assim como a mulher.
Anahi respirou profundamente.
— Sim. Por favor... compre a fazenda para mim. — Suas palavras eram apressadas e desesperadas. — Eu pagarei de volta. Levará tempo, mas pagarei cada centavo.
Alfonso não hesitou.
— Cinco milhões de dólares — gritou para o leiloeiro. A multidão se alvoroçou. Ferrantes praguejou. O leiloeiro bateu o martelo.
E Alfonso pegou Anahi nos braços e a beijou.