CAPITULO QUATRO
Anahi desceu a escada vagarosamente, exausta ao fim de um longo dia.
Pelo menos a casa estava silenciosa. Yara havia ido embora... tinha suas próprias responsabilidades.
Melhor assim. Anahi queria ficar sozinha. Havia memórias naquela casa, algumas ruins, mas outras boas, nas quais deveria pensar esta noite.
Ela andou de cômodo em cômodo, acendendo as luzes. Estava acordada desde o amanhecer. Não havia nada que pudesse fazer para restaurar a propriedade, compensar os anos de negligência que o local sofrera, mas tinha limpado e arrumado tudo que podia dentro da casa. Ridículo, quando tanta gente queria lhe tirar a propriedade.
O representante do banco. O leiloeiro. Seu advogado, que lhe dissera o quanto sentia, entretanto não encontrara um único meio de ajudá-la.
E André Ferrantes.
Ela tremeu.
Só de pensar em Ferrantes, sentia um calafrio. Ele tinha aparecido, também. Nada surpreendente. Vinha perseguindo-a insistentemente desde que Anahi retornara à fazenda. Muitas palavras de compaixão. Muita lábia. Muitos suspiros profundos.
Mas nada disso disfarçava o brilho de luxúria nos olhos pequenos, ou o jeito como ele passava a língua pelos lábios gordos quando a olhava.
Hoje ele finalmente a tocara, pondo seu braço grosso ao redor dela, anunciando suas intenções ao mundo... que quando comprasse a fazenda, Anahi seria parte da mobília.
Nunca, pensou ela, pegando uma almofada do sofá. Por mais que Ferrantes quisesse aquelas terras, aquela casa, Anahi preferia morar na rua a estar em débito com Ferrantes, ou ainda pior, na cama dele.
Só esse pensamento era bastante para nauseá-la.
E então, o milagre. O segundo milagre, porque o primeiro tinha sido ouvir a voz de Alfonso, descobri-lo na sala, alto, imponente e determinado. Por um instante, imaginara que ele havia ido por ela. Procurado-a, encontrado-a, querendo-a novamente.
Anahi abraçou a almofada e fechou os olhos.
Pensamentos tolos, todos eles.
Ainda não sabia por que Alfonso aparecera lá, mas sabia que o motivo não tinha nada a ver com ela. Ainda assim, ele a salvara. Comprara a fazenda. Para ela. Pelo menos era o que dissera.
Até agora, isso não acontecera.
Alfonso não tinha ido ao escritório do advogado para assinar a transferência da escritura. Em vez disso, sumira.
— Talvez ele tenha voltado para Nova York — o advogado lhe dissera, dando de ombros. — Eu não sei, senhorita. Não tive notícias do sr. Herrera. Sei apenas que ele falou com o sr. Ferrantes depois... da discussão deles.
Anahi jogou a almofada de lado.
Discussão? Ela quase riu. Ao ver a briga, tinha fugido para o quarto, apavorada com as consequências, temendo que Ferrantes ganhasse a luta...
Então permanecera em seu quarto até que Souza a chamara. Todos haviam partido. Até mesmo o senhor dos Estados Unidos.
— Como a briga terminou? — perguntou ela numa voz trêmula.
— Sr. Herrera venceu — respondeu o advogado com um pequeno sorriso. — Mas ele e Ferrantes tiveram uma conversa particular depois. Então o americano saiu dirigindo em alta velocidade.
Sem combinar sobre a assinatura que transferiria a escritura. Sem fazer nada para cumprir aquela promessa de "sem elos".
Por quê? A pergunta não saía da cabeça de Anahi. Talvez o machismo de Alfonso tivesse interferido em sua primeira iniciativa decente.
Ela pensou naquele beijo.
O jeito como ele a abraçara. Como se não tivesse se passado tanto tempo desde que tinham sido amantes. Como se ela ainda lhe pertencesse, embora Anahi soubesse que Alfonso não desejava pertencer a ela.
Tinha sido tudo uma representação para Ferrantes? O beijo? O lance ultrajante? A promessa? As questões eram infinitas, mas a que mais importava era a que ela fizera a Souza.
— O que faremos agora?
— Esperamos pelo contato do sr. Herrera, é claro. — Ele sorriu timidamente. — É bom ter um amigo tão poderoso, não é?
O modo que ele falara a palavra "amigo" afizera querer esbofeteá-lo.
Mas então, Anahi sabia que impressão tinha dado. Alfonso a beijara e ela correspondera, mas e daí? Era uma simples questão de hormônios, e Alfonso era especialista em fazer os seus responderem. Além disso, ele a pegara de surpresa. Ela nunca esperara vê-lo novamente, nunca...
O que era aquilo?
Anahi ergueu uma das mãos, cobrindo o rosto. Luzes de faróis se infiltrando pelas janelas quase a cegaram.
Seu coração disparou de medo.
Ferrantes. Só podia ser ele, enfurecido. Alfonso o fizera de tolo na frente de todos, e ele estaria com raiva dela.
Uma porta de carro foi batida. Passos soaram nos degraus da varanda e a campaninha foi tocada insistentemente.
O que deveria fazer?, pensou Anahi. Chamar a polícia? A delegacia mais perto ficava a quilômetros de distância. Ademais, de que adiantaria? Ferrantes pertencia àquele lugar, Anahi não. Não mais. Seu pai se certificara disso. Contara infinitas mentiras sobre ela, transformando-a numa invasora...
A campainha ainda estava tocando, e agora ele batia à porta também. Aquilo não podia continuar. Anahi respirou profundamente e foi abrir a porta.
Mas não era Ferrantes preenchendo a noite com sua presença.
Era Alfonso. E, enquanto o coração traidor de Anahi se alegrava com essa visão, a expressão no rosto dele a fez tremer.
Alfonso viu as emoções brincando no rosto de Anahi.
Surpresa. Choque. Medo. E, um pouco antes disso, algo que não foi capaz de identificar. Não que importasse. Qualquer coisa que ela sentisse era insignificante comparada à sua própria raiva.
— Alfonso — Anahi murmurou, tão educada quanto uma anfitriã cumprimentando um visitante não muito bem-vindo. — Eu não esperava vê-lo esta noite.
— Aposto que não.
— Na verdade, pensei... o sr. Souza e eu pensamos... que você tivesse voltado para Nova York.
— Sem assinar a escritura?
Ela quase podia ver o desprezo no rosto dele. Não reaja a isso, disse a si mesma e forçou-se a responder:
— Eu quis dizer...
— Acredite, querida, sei exatamente o que você quis dizer. — Alfonso sorriu. — Não vai me convidar para entrar?
Anahi hesitou. Ele não poderia culpá-la. Ela não era tola.
— Na verdade, está um pouco tarde.
— Estamos no auge da noite. No meu país, você e eu estaríamos saindo para jantar neste horário.
Ela enrubesceu.
— Isso faz muito tempo.
— Jantar — continuou Alfonso, como se ela não tivesse falado — e depois, talvez uma passada numa daquelas boates do centro que você tanto gostava.
— Você gostava — corrigiu Anahi, tensa. — Eu preferia lugares mais simples.
Ele sentiu o começo do desejo percorrer seu sangue. O sotaque de Anahi estava mais forte. Ela tinha um sotaque muito leve. Uma vez lhe contara, num raro momento quando eles conversavam sobre suas vidas, que havia aprendido inglês na escola desde criança... mas que seu sotaque sempre se tornava mais pronunciado quando ela estava tentando conter suas emoções.
Na cama, por exemplo.
Quando eles faziam amor. As palavras sussurradas com a entonação suave de sua língua nativa. Às vezes, ela lhe falava coisas em português. Coisas que ele não entendia, mas seu corpo conhecia o significado.
Alfonso a encarou, os músculos tensos.
— Mas você gostava do que fazíamos quando voltávamos para o seu apartamento ou para o meu — disse ele, a voz baixa e rouca. — Do que fazíamos na cama.
O rubor de Anahi se acentuou. Ou talvez o restante do rosto tivesse se tornado pálido. Ele não se importava. Se ela achasse que ia controlar a situação da maneira como controlara naquela manhã, teria uma grande surpresa.
Anahi respirou profundamente, e os seios se ergueram. Pareciam maiores do que no passado. Mais cheios. Mas então, ele não via aqueles seios há muito tempo.
Tempo demais, pensou enquanto uma onda de desejo se instalava em seu baixo-ventre.
Luxúria? Por uma mulher sem maquiagem no rosto? Uma mulher vestida numa blusa solta de algodão sobre jeans largos? Bem, ela estava linda de qualquer forma, pensou ele, embora nunca a tivesse visto vestida daquele jeito antes. Anahi costumava usar roupas de grife na época que saíam juntos. As próprias roupas, embora Alfonso frequentemente tentasse lhe dar presentes.
— Prefiro pagar minhas próprias coisas — Anahi dizia com um sorriso educado sempre que ele lhe comprava os presentes mais simples.
Agora ela não precisava mais ser convencida, pensou ele com tristeza. Havia aceitado um presente de cinco milhões de dólares sem hesitar naquela manhã.
— O que aconteceu em Nova York é passado, senhor.
— Quanta formalidade, querida. Afinal, já fomos íntimos.
— O passado — disse ela, ignorando a observação — não influi nesta questão.
— Acho que influi — murmurou ele. — Afinal de contas, comprei esta casa hoje.
Anahi assentiu, cruzando os braços contra o peito.
— Sim. E... foi um ato muito generoso de sua parte...
— Considerando o modo como você olhava para o seu namorado, presumo que tenha ficado feliz com isso.
— Sim, fiquei. Mas Ferrantes não é...
— Seu amante. — Alfonso deu de ombros. — Tanto faz como você o nomeie.
Ele observou-a umedecer os lábios com a ponta da língua, e detestou a si mesmo pelo que sentiu, detestou-a por fazer aquilo. O gesto era deliberado... tudo que ela vinha fazendo, desde o segundo que o vira naquela manhã, era deliberado.
— Deve ter sido difícil para uma mulher tão exigente como você dormir com um homem como...
Anahi o esbofeteou. A mão dela se moveu com tanta rapidez que Alfonso não viu nada antes de ser atingido. O máximo que pôde fazer foi agarrar-lhe o pulso, torcê-lo para as costas de Anahi, e puxá-la na sua direção.
— Qual é o problema, querida? A verdade dói?
— Vá embora! — exclamou ela. — Saia da minha casa!
— Esta não é sua casa. Não mais.
Lágrimas encheram os olhos dela. Lágrimas de raiva ou lágrimas falsas? Não podiam ser de nenhum outro tipo.
— Comprei esta propriedade. Exatamente como você presumiu que eu faria.
Anahi o olhou como se ele tivesse enlouquecido.
— Presumi? — Ela deu uma risada irônica. — Eu nem mesmo sabia que você estava no Brasil. A propósito, por que você está no meu país?
— Não se iluda, querida. Não vim procurá-la.
Ela sabia disso. Entretanto, ouvir ainda doía. Era hora de feri-lo de volta.
— Eu vim a negócios. Negócios de família.
— Ah, sim — murmurou Anahi ironicamente. — A famosa famiglia Herrera. Como eu poderia ter esquecido?
Ela gemeu quando Alfonso lhe apertou mais o pulso. Nos poucos meses que eles haviam passado juntos, nunca discutiam a família dele, as conexões lendárias do pai. Anahi sabia sobre aquilo, é claro. O fato de os irmãos Herrera serem filhos de Cesare Herrera era o assunto favorito das colunas de fofoca.
— O que isso significa?
— Apenas que talvez a maçã não caia longe da árvore. E você está me machucando!
Ela estava tentando liberar a mão, mas cada movimento do corpo a levava para mais perto dele.
O que era uma agonia. Uma agonia intensa.
O leve roçar dos seios contra o seu tórax sólido. A sensação das coxas delgadas pressionadas contra as suas. Apenas a visão de Anahi, os cabelos mechados pelo sol ao redor do rosto, aquela boca carnuda, os olhos profundos o bastante para que um homem se perdesse neles...
Lembranças penetraram o cérebro de Alfonso.
Sentindo Anahi sob si, do aroma erótico quando a levava ao clímax. O gosto da boca, da pele, de todo o corpo...
Um desejo ardente e primitivo pegou fogo, deixando-o totalmente excitado. Talvez ela estivesse certa. Talvez a maçã não caísse longe da árvore. Algumas gerações atrás, na terra de seus ancestrais, uma mulher não ousaria fazer um Herrera de tolo, como Anahi tinha feito naquela manhã.
Com um gemido baixo, Alfonso segurou-lhe os ombros, ergueu-a para si e clamou por sua boca.
Ela lutou. Não importava. Beijá-la, dominá-la, tomá-la era tudo.
Naquela manhã Anahi lhe contara o que queria. Agora era sua vez de dizer a ela o que queria.
Queria-a na sua cama novamente. Por quanto tempo decidisse mantê-la lá. Alfonso nunca quisera as sobras de outro homem, mas aquilo... era diferente.
Roubaria a posse de Ferrantes. E faria suas próprias exigências, para seu prazer. Para o prazer de Anahi também, porque isso aconteceria. Ela amoleceria contra o seu toque, gemeria nos seus lábios, pressionaria o corpo pleno de deleite contra o seu, como estava fazendo agora, movimentando os quadris contra ele e gemendo baixinho.
Alfonso sussurrou o nome dela. Deslizou as mãos por dentro da blusa larga. Segurou os seios e gemeu novamente com a sensação da pele sedosa e quente inchando contra o sutiã, preenchendo as palmas, os mamilos enrijecendo sob a carícia de seus polegares.
— Anahi — murmurou ele com voz rouca, e ela rodeou-lhe o pescoço com os braços, aprofundando o beijo.
Droga! O que ele estava fazendo?
Praguejando, Alfonso a afastou de si bruscamente. Ela tropeçou para trás, colidindo com o batente da porta, abrindo os olhos e o fitando. Parecia chocada, à beira das lágrimas, mas ele não se enganou. Estava permitindo que Anahi o cegasse para a realidade novamente, usando sexo para esquentar seu sangue e entorpecer-lhe o cérebro, como se ela fosse uma feiticeira, e Alfonso um tolo que poderia ser encantado.
Mas ele não era.
— Bom — disse Alfonso, como se tivesse ficado no controle o tempo todo. — Muito bom. Vamos nos dar bem.
— Vá embora — exigiu ela, a voz tremendo.
— Ora, querida, não seja tão dura. E será mais fácil comigo do que era com Ferrantes. Ambos sabemos disso.
Ela tentou golpeá-lo de novo, mas Alfonso estava preparado desta vez. Segurou-lhe a mão e puxou Anahi para si.
— Você falou... que me daria esta casa. Sem elos, você disse.
— Isso foi antes de eu saber que você já tinha feito um acordo com o bom velho André.
Ela o xingou e Alfonso riu. Algumas obscenidades eram muito parecidas se faladas em italiano ou em português.
— Você acha que isso é engraçado?
Alfonso abaixou a cabeça até que seus olhos estivessem quase nivelados com os dela.
— O que acho é que você precisa fazer uma escolha — disse ele num sussurro frio.
— O que isso significa?
— Significa que posso vender a propriedade para Ferrantes a qualquer momento.
— Ele não pagaria cinco milhões de dólares.
— Meu contador vive me dizendo que tenho condições de possuir alguns bens improdutivos.
A boca de Anahi tremeu. Os olhos se tornaram marejados. Era difícil não sentir pena dela. Difícil... mas não impossível.
— Odeio você, Alfonso Herrera!
— Suponho que a pergunta seja: quem você odeia mais? Eu ou Ferrantes? É claro, você tem a opção de rejeitar nós dois. Fazer as malas, mudar-se...
Um choro fininho soou na sala. Anahi ficou tensa, afastou-se da porta.
— O que foi isso?
— Uma... uma raposa — respondeu ela rapidamente. Ela estava mentindo, Alfonso sabia. O choro veio de novo.
— Uma raposa dentro da casa?
— Um macaco, então — disse Anahi, nervosa. — Às vezes, eles entram pelo sótão.
Alfonso não precisava ter crescido naquele país para saber que aquele som não pertencia a um macaco ou a uma raposa. Entrando na sala, seguiu em direção à escada e começou a subir. Anahi correu na frente dele e ergueu ambas as mãos.
— Saia do meu caminho — exigiu ele.
— Alfonso. Por favor, vá embora. Farei as malas esta noite. Partirei pela manhã, prometo...
Alfonso a ergueu como se ela fosse uma pena, colocou-a de lado, e continuou subindo a escada apressadamente, seguindo, por um longo corredor, o que agora eram soluços altos, e, entrando num quarto cuja porta estava aberta, com uma iluminação suave...
E viu um berço, um cobertor azul, um ursinho de pelúcia...
E um bebê, agitando braços e pernas, soluçando com vigor.
Alfonso parou instantaneamente. Anahi passou por ele e pegou a criança nos braços. Fale alguma coisa, pensou Alfonso.... mas nenhuma palavra saiu. Não parecia capaz de fazer nada, exceto olhar para Anahi e para o bebê.
— Meu amorzinho — sussurrou ela. — Não chore!
O choro alto do bebê foi diminuindo aos poucos. Anahi segurou o pequeno corpo contra si, de modo que o rosto do bebê estivesse contra o seu ombro. Um par de olhos... olhos verdes, claros, emoldurados por cílios longos e escuros... observou Alfonso.
O silêncio se instalou no quarto. Após um longo tempo, Alfonso pigarreou.
— É seu?
Anahi o olhou. Ele não foi capaz de ler nada no rosto dela.
— Eu disse, esta criança...
— Ouvi sua pergunta. — Os olhos dela brilhavam com o que parecia ser desafio. — Sim. A criança é minha.
Alfonso sentiu como se um peso tivesse se instalado em seu coração.
— Sua — disse ele. — E de Ferrantes.
Anahi emitiu um som indefinido, então baixou o rosto para o bebê. Alfonso a estudou. Olhou para criança. Sabia que deveria dizer alguma coisa, ou talvez devesse apenas socar a parede.
Não fez nenhuma das coisas. Se a lição número um era o que estava acabado estava acabado, a número dois era a importância de manter o autocontrole.
Alfonso virou-se e partiu.
Ola espero q tenham gostado do cap,talcetalcetalcez poste outro hj bjos aatda tds chelle