Fanfics Brasil - Capítulo Único Lembranças, simples lembranças.

Fanfic: Lembranças, simples lembranças.


Capítulo: Capítulo Único

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       O ambiente do quarto estava tranquilo, naquela noite calorosa e aconchegante, perfeito para uma boa noite de sono. Mas eu não queria dormir. Debruçado sobre a máquina de escrever, deveria estar compondo mais um conto, com as palavras surgindo uma após outra na folha de papel, numa mágica ancestral, descrevendo magnos feitos, a bailar com a fantasia, gargalhando da realidade, ou a descrever esta; nossa bela e cruel realidade... Deveria, mas não estava. As frases que surgiam no papel eram confusas, muitas sem sentido. As palavras ? Vazias, sem significados. Os personagens ? Monótonos, sem vida. Cansados por escrever desnecessariamente, meus dedos trêmulos se arrastaram das teclas da máquina para a gaveta da escrivaninha, tirando um pequeno isqueiro e um maço de cigarro; e me pus a fumar um destes, sem antes jogar os restantes de volta na gaveta, assim como o isqueiro.
       Depois de algum tempo e boas tragadas, minha mão esquerda foi direto à mesma gaveta, numa ação incontrolável e cuidadosa, tirando uma foto antiga, porém colorida, da garota que antes fantasiava meus sonhos, e agora os atormentam. Na foto, tirada exatamente no início do nosso relacionamento, ela até sorria, com o rosto mais pálido e lindo que eu já tinha conhecido, com seus lábios vultos, de uma cor rosada suave, tendo a parte inferior um pouco mais grossa que a parte superior. Já seu cabelo castanho, era um emaranhado de cachos e ondas disformes que caiam sobre os ombros da blusa surrada. E havia seus olhos. Eram retratados grandes, e sua alva dava espaço a íris mais bela que já havia sido criada, como dizia uma voz em minha cabeça, em uma confusão de traços negros sobre a imensidão azul, que ostentavam um olhar tentador, mesmo sorrindo. Meus dedos, da mão que segurava a foto, passaram lentamente na parte onde ela fora rasgada. Se estivesse inteira, era uma das raras fotos que eu já apareci. Imaginei o resto da foto em minha mão; conseguia me enxergar ali, junto com ela, em perfeita sizígia, como a lua e o sol. E havia um detalhe que a tornaria mais chamativa : Eu também estava sorrindo, de forma natural e simples. Se não imagino errado, eu estava de barba feita e cabelo curto, algo que hoje deveriam considerar ainda mais raro ( há tempos meu rosto e cabelo não sentem uma lâmina), com os olhos castanhos semicerrados, como de costume quando fico sem os meus óculos. Ao fundo, é possível ver, na parte ainda restante da foto, um céu limpo e azul, com um pássaro qualquer na forma de um traço negro e indistinguível na imensidão cobalta. Mas a foto não estava perfeita. Não me lembro como deveria estar o cenário na minha parte da foto, mas imaginei a continuação com o mesmo céu azul, com um ou dois traços negros que eram os pássaros. Na dúvida, fechei meus olhos e tentei lembrar. Na escuridão, o cenário foi se fazendo aos poucos; conseguia agora ver a lente da câmera apontada para nós, e sabia que eu tinha dado uma rápida olhada para ela e havia sorrido, antes de bater a foto. A magia da nostalgia me dominou, por instantes, ou foi por horas. Poderia ficar naquele cenário por décadas, com ela ali, olhando para a lente de câmera e sorrindo, mesmo que esse cenário fosse apenas uma pequena grande lembrança gerada a partir de uma foto que registrou um dos melhores momentos da minha vida. Mas não me lembro do que aconteceu depois. Só conseguia ver esse pouco antes da foto, e o pouco depois, que ela continuava sorrindo e tomava minhas mãos nas dela, depois de eu ter guardado a câmera em alguma bolsa, se ainda me lembro bem. Forcei mais um pouco para tentar achar alguma coisa, mas nada. O restante deveria estar em algum livro velho e esquecido na extensa biblioteca da minha mente. E quando tento me apossar dele, uma espécie de secretária que habita lá, não me deixa sequer tocar nele. Uma lembrança faz-me doer a cabeça, se tento consegui-la. Deve ser essa secretária, dando avisos para que eu não tente. Lembranças é tudo que temos e somos. Momentos e sentimentos, amarrados e estocados em algum lugar da nossa mente. Tire as lembranças de um homem e tomará tudo dele. Talvez eu estivesse perdendo tudo o que tinha. E por isso, eu continuei buscando aquele dia, ainda de olhos fechados, mesmo com toda a dor de cabeça, por causa daquela maldita secretária. Mas o que eu encontrei, foi outro dia totalmente diferente e mais recente, comparado a memoria anterior. O céu azul se tornou negro, e minha visão se espaçou mais. Conseguia ver a lua em vez do sol, e escutar as gotas da chuva que caía sem perdoar, assim como o vento, que abrangia em fúria. Conseguia vê-la, mais furiosa que a ventania, ao lado de um poste qualquer, que iluminava fraca e desnecessariamente a pequena rua, com seus cabelos que deveriam estar ondulados, que na verdade estavam encharcados e chupados nas costas da jaqueta. Seu rosto era uma confusão mista de ódio, dor, angústia, e qualquer outra coisa que lembra sofrimento. Seus olhos azuis aclamavam em fúria, com lágrimas misturadas com as gotas da chuva, que caiam cada vez mais rápido, sem perder a crueldade. Seu pequeno nariz arrebitado estava ligeiramente avermelhado e de vezes, ela fungava, ainda furiosa, com os punhos cerrados, mas tão pequenos que era difícil de observá-los escapando das mangas da jaqueta negra. Passou-se um tempo, com a chuva ainda caindo e sua imagem embaçou; mas depois voltou a clarear: agora ela estava com essa minha foto em mãos, mas ainda estava inteira. Ela rasgou a foto em duas, e não ligou para a parte da foto que ela aparecia, que caiu lentamente no chão, que foi levada pelo vento, e também maltratada pela chuva. Focou sua atenção em minha parte da foto e picotou-a ferozmente e rapidamente, ainda olhando para mim, e eu deveria saber o por quê daquilo tudo, mas não consigo lembrar se eu realmente sabia. Lentamente, o cheiro da chuva foi substituído totalmente pelo do cigarro. A secretária, já nervosa, tomou-me essa lembrança e me deixou apenas com uma forte dor de cabeça, antes de eu me arrepiar todo, por causa dessas cenas. Abri os olhos e deixei a foto em cima da escrivaninha, e encarei a parede do hotel, perdido em meus pensamentos. Seria tudo verdade ou eu teria acrescentado ou tirado alguma coisa ? Qual seria mesmo o motivo de tudo aquilo ? Eu realmente lembrava do que tinha acontecido ? 
         Com certeza, lembro que recolhi a parte que ela aparecia na foto, já muito machucada e frágil, mas consegui recuperá-la. Afinal, se não fosse assim, ela não estaria na minha mesa agora, e por isso que trato dela com muito cuidado. Mas e o resto ? Afinal, seria certo eu me duvidar tanto por causa dessa garota ? Eu não teria mais nenhum outro motivo para prosseguir, sem ser ela ? Não tenho família, nem amigos, nem nenhum objetivo de vida, isso eu sei. Conforme eu tragava, mais dúvidas surgiam. E com as dúvidas, vinham mais confusões. Tentei limpar a mente, concentrado apenas no cigarro, até termina-lo por completo. Mas não esperei terminar, joguei-o no chão, e o esmaguei, descalço mesmo, ignorando toda dor que poderia vir. Motivo para ter realizado essa bravata ? Talvez eu tivesse, mas nada que eu lembre. Lembro, apenas, que guardei a foto depois disso e fui andando lentamente para o banheiro. Lembro, também, que evitei olhar meu rosto no pequeno espelho do hotel, focando apenas nas minhas necessidades e a retornar para a escrivaninha, sem se importar em dar descarga, lavar as mãos ou qualquer coisa que se considere higiene. Voltando a dura cadeira rústica e a maquina, meus dedos voltaram a rotina, depois de algum tempo, de forma árdua, mas nada coeso saia dali, apenas descrevi o que vi, e o que senti. Talvez, eu devesse escrever mais detalhadamente sobre esses meus dias, que passo sem razão. Não tenho um motivo para prosseguir, tinha ela, mas nem me lembro o motivo de ela ter me abandonado. Só lembro da chuva caindo e ela picotando minha foto, em fúria. Dos olhos azuis, e do cabelo encharcado, chupado nas costas da jaqueta. 
         E agora, estou pensando nessa cena, e talvez não são as lembranças que estão perdidas e sim eu. Minha realidade luta contra minha fantasia, e não sei quem está a perder ou a ganhar. Só sei que terei que prosseguir. Com ou sem essa moça. Apenas tenho que me lembrar que sentimentos assim são fortes de mais para durar, servem apenas para arder, não molhar. E eu ardo, meu caro, eu ardo. Apesar do que eu posso ter feito, eu ainda a desejo. Depois de terminar esse pequeno texto, irei ao encontro dela. Posso não me lembrar de muita coisa, mas lembro de algumas pessoas que conhecem essa minha amada, e que podem me ajudar. Mas eu não sei o que fazer. Não consigo recuperar parte das minhas memorias. Eu posso trocar qualquer coisa, não tenho muitas, mas troco para poder lembrar a verdade. Talvez assim eu recupere a capacidade de poder trilhar um novo caminho, nessa minha vida torta.


 


 


( P.s: primeira vez que publico uma crônica minha num site. E escolhi logo este, não sei por qual motivo, talvez pelo motivo que seja um bom site ).



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Autor(a): johnbelarmin

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