Fanfic: Virgem por acaso [Terminada]

Quarta-feira de manhã

Sem ter dormido, saltos estavam fora de questão. Annie escolheu sandálias de dedo, a borracha batendo nas solas dos seus pés a cada passo. Ela não ia parar na deli gordurosa naquela quarta-feira de manhã. Não estava com humor para piscadelas, sons de beijinhos ou sobrancelhas-únicas levantadas. Ela não queria nenhum tipo de café da manhã (tendo consumido um cheeseburguer apenas algumas horas antes), nem queria se demorar em conversinhas com estranhos, e nem com amigos tampouco. Annie queria uma, e apenas uma, coisa (certo, duas coisas, incluindo um fluxo contínuo, de preferência um gota a gota intravenoso, de café): trancar-se em seu escritório e deitar a cabeça no apoio de pulso felpudo que ela usava para prevenir a síndrome do túnel do carpo. Enquanto andava, imaginou aquele travesseirinho cinzento com a largura perfeita para suportar um rosto cansado. Ela tiraria uma soneca. Uma meia-soneca. Ninguém notaria. E, mesmo se notassem, pensou, quem se importaria? Ela tinha perdido incontáveis horas de sono para trabalhar. Só desta vez, ela perderia umas horinhas de trabalho para dormir. Infelizmente (dolorosamente), quando Annie chegou ao seu pequeno escritório na calcinhas.com, alguém já estava lá, freneticamente digitando em seu computador, mostrando um completo desrespeito pela privacidade e santidade do seu local de trabalho. A invasora era Janice, sua chefe, a mulher que teoricamente era dona do escritório e do computador. Era dona de Annie. E que tinha o direito de fazer qualquer coisa que quisesse.

— Lendo os meus e-mails? — perguntou.

Janice, sem tirar os olhos da tela, disse:

— Meu iMac está estranho hoje. Preciso do seu só por mais alguns minutos.

Annie sentou-se na cadeira dura de braços de metal do outro lado da sua mesa. Ela teve de remover uma enorme pilha de folhetos e amostras antes, e o exercício de levantar e baixar aquele lixo deixou-a exausta. Bem na hora em que ela já estava sentada, inclinando a cabeça para trás para se encostar na parede de vidro fume e fechando os olhos, Janice disse:

— Annie, o que acha deste? Puxe essa cadeira e me ajude.

Annie presumiu que estava sendo questionada para examinar algum design de bustiê ou relatório. Mas, enquanto aproximava a cadeira da tela do computador, observou a cabeça e o torso de um homem, cerca de cinqüenta anos, bronzeado e sorriso cheio de dentes. Olhos afáveis, mas um sorriso estranho, atravessado.

— Como modelo? Vamos fazer lingerie para homens agora também? — Annie estava confusa. Realmente, estava confusa.

Para começar, usar esse coroa para vender cuecas samba-canção ou curtas ia repelir os consumidores. — Lingerie masculina — disse Janice. — Para homossexuais, claro. Não é uma má idéia. Eu devia falar com Fiona sobre isso.

Annie gemeu. Fiona, claro, diria sim, delegando a parte bruta (ou deveria dizer bunda?) do trabalho para Annie.

 — O apelido dele é PoloMan — disse Janice. — Parece elegante, não? Mais de cento e cinqüenta mil de renda. Advogado. Espiritualista, mas não religioso. Tem cinqüenta e cinco, mora no Upper West Side, divorciado, filhos criados, exatamente como eu. A gente tem muito o que conversar. E ele é bonitinho, certo?

Assentindo com entusiasmo suficiente para convencê-la,Annie espiou o endereço eletrônico e viu que Janice estava comprando. Homens. Na match.com, sua área usual de pesca para os encontros-de-sábado-à-noite. Janice clicou no botão CONECTAR do PoloMan para escrever um e-mail respondendo ao seu anúncio.

— Eu normalmente digo Amei seu perfil. Temos tanto em comum! Me ligue` — explicou Janice —, e depois deixo o meu número. Mas esse cara tem tanta qualidade que eu preciso ser rápida.

Annie observou horrorizada enquanto Janice digitava a seguinte mensagem para o Rei Lear: "Quero encontrar você. Você personifica todas as minhas fantasias, enroladas num homem perfeito. Sou uma loura pequena e bonitinha. Dirijo uma empresa de lingerie e uso nossos produtos todos os dias (e todas as noites). Me ligue para marcarmos um encontro. Estou morrendo de vontade de receber notícias suas."

 Usar o trabalho como isca não tinha ocorrido a Annie. Ela tinha de manter aquela tática em mente. Assim que Janice apertou o botão ENVIAR, a tela voltou para uma página com os rostos e estatísticas vitais de 25 outros homens. Janice rolou a lista para baixo e, sem encontrar nenhuma outra foto que lhe agradasse, clicou na próxima página de 25 perfis. E na próxima. E na próxima.

— Quem são todos esses homens? — perguntou Annie.

 — Depois que você preenche um perfil de si mesma e do tipo de homem que está procurando, o software da match.com fornece uma lista de homens que se encaixam em seus critérios. Eu peço homens brancos, de quarenta e cinco a sessenta, ganhando pelo menos cem mil, que morem numa área de oito quilômetros do meu endereço.

— E quantos homens se encaixam em seus critérios?

— Vamos ver, isso muda todo dia — disse ela.

Janice clicou no botão de MEUS PARCEIROS. Em um piscar de olhos, a tela voltou ao primeiro grupo de perfis e fotos. No topo da lista, Janice leu o número total.

— Hmm, ontem eram mais. Hoje, cento e cinqüenta e quatro.

— Cento e cinqüenta e quatro? — repetiu Annie. O número parecia enorme. — Cento e cinqüenta e quatro caras brancos e ricos na sua faixa etária morando a oito quilômetros do seu endereço estão procurando encontros?

— Você devia tentar, Annie —disse Janice. — Há algumas rejeições e aborrecimentos, entretanto. Mandei uns vinte e-mails essa semana e recebi só cinco respostas de homens. E nenhum deles está livre neste fim de semana. Meu tempo está acabando. Se não conseguir arranjar alguma coisa logo, vou ter de baixar minha média.

Annie colocou a mão no ombro de passarinho de Janice. Ela queria desesperadamente dizer a ela que esquecesse a média. A média a estava tornando deprimente. A média era o que impedia Janice de se divertir, encontrar homens de maneira orgânica, deixar alguma coisa fluir naturalmente da atração mútua e de interesses em comum. A média era o que tornava Janice desesperada e gulosa. Ela tinha dispensado incontáveis homens.

Lendo os pensamentos de Annie, Janice disse:

— Eu sei que a média parece ridícula e contraproducente, mas todas nós temos o que temos. Ou não temos, no seu caso.

— Em última instância, você está tão sem namorado quanto eu, Janice — disse Annie.

 Ela não ligava para o fato de talvez ter cometido um erro político; estava cansada demais. E irritada. O fato de Annie evitar sexo podia ser uma maneira de se proteger; os encontros frenéticos de Janice, outra.

— Estou num humor horrível — disse Annie. — Essa é a minha desculpa meia-bomba.

— E essa é a minha aceitação meia-bomba — disse Janice, dando um tapinha no rosto de Annie.

 Janice saiu da match.com, ficou de pé e lembrou Annie de uns cinco milhões de tarefas que precisavam ser realizadas nos próximos 15 minutos, mas sem pressão, já que sabia o quanto Annie estava sensível e sobrecarregada ultimamente.