Fanfic: Virgem por acaso [Terminada]

Quarta-feira, hora do almoço

Duas mulheres, as duas jovens e adoráveis, dividiam uma pizza no restaurante neonapolitano Cosa Nostra, localizado no prédio MetLife, em frente a gigantescas janelas que davam para a rua 44. Seus ombros se tocavam enquanto comiam, as mãos ocupadas sob a mesa. Annie, tão cheia de imaginação como de bochechas rosadas, jamais teria se imaginado nessa cena. Mas aqui estava ela.

 A dupla estava sentada no mesmo lado de um compartimento ("poltronas de teatro", disse Maite antes de mover-se rapidamente para perto de Annie, prendendo-a do lado de dentro). Quando elas pediram a pizza para dividir, o garçom (que iria receber uma gorjeta muito pequena) disse "Que aconchegante" e lambeu os beiços. Maite pediu a Vesuvius (azeitonas, alcaparras e anchovas). Annie não ficou surpresa. Ela achava Maite uma mulher saudável — salgada, não doce.

Maite usava uma das últimas novidades da Gap: o top sem sutiã. Um material elástico era costurado dentro da roupa, formando um sistema de suporte embutido. Considerando as carnes volumosas de Maite e suas necessidades gigantescas de suporte, o top falhava na prevenção da queda. Não que Maite soubesse ou ligasse. Seus seios — e seu espírito — poderiam sair andando pelas pradarias. Seus cabelos castanhos escuros selvagens estavam escorrendo pelo pescoço e ombros apesar do calor — nada de rabos-de-cavalo para ela. Maite não restringiria nenhuma parte de si mesma, e ela sacudia a juba e os peitos em torno de si com a coragem teimosa de uma égua premiada. Nada de garanhões.

Já que Annie queria ser seduzida, estava hipnotizada pela confusão dos cabelos e a pele de Maite. Ao contrário dela, Annie sempre tinha mantido uma aparência pessoal patologicamente limpa, roupas combinadas, cuidadosamente passadas, com bainhas feitas e botões. Seu apartamento, entretanto, tinha um estilo de decoração relaxado tipo "primavera em Bagdá". Ela não era muito obcecada com a falta de limpeza (para dizer o mínimo) da sua casa. Quase ninguém a via.

— Você está com uma mancha de molho de tomate no queixo — disse Maite a Annie.

Sem pedir permissão, Maite limpou a mancha vermelha com o dedo mínimo. Em seguida inseriu-o na boca de Annie. Quando o retirou, traçou os lábios de Annie e depois depositou o dedo entre os seus próprios lábios.

— Eu já disse hoje que gosto de você? — perguntou Maite pela terceira ou quarta vez naquela hora.

O almoço, que Annie sabia que estava indo bem (ela esperava), não era mesmo sobre trabalho. Quase logo depois de terem se sentado, Maite colocou a mão sob a mesa, levantou a barra vermelha da saia rosa de Annie e (oi!) pousou a mão sobre sua coxa nua. Se um homem tivesse feito isso, Annie podia ter ficado enfurecida, como se o cavalheiro estivesse reivindicando ser dono de uma propriedade que não estava à venda. Mas a mão de Maite era bem-manicurada e suave. Nem um pouco inocente, o contato não era, entretanto, ameaçador. Nenhum aperto ou pancada no espaço entre as pernas. Só um gostoso carimbo no formato da mão de uma mulher, esquentando sua perna contra o frio do ar-condicionado de alto impacto. Essa coisa lésbica, pensou Annie, não era nem assustadora nem revoltante. Ela tomou um gole de Pellegrino espumante e mergulhou um pedaço de pão numa vasilha de azeite.

Annie tinha confirmado com Ucker que um encontro lésbico certamente se qualificaria como um evento desrevir-ginizante.

 — Mas tem de ser contato genital com genital, ou contato oral-genital recíproco — dissera ele. — Não é suficiente deixá-la fazer sexo oral em você.

— Você está lendo isso no livro de cabeceira dos solteiros? — perguntara ela. — Genital com genital? Como seria isso?

— Pernas entesouradas.

— Você já viu isso? Eu não li nenhum dos seus artigos pornográficos na flick.com.

— A gente pode fazer assim — dissera ele. — Faça o que quiser com Maite e depois me conte. Nenhum detalhe é dispensável. Você vai ter de me dar alguma notícia. Vou aprontar meu gravador para a ligação. Annie tinha passado alguns minutos antes do almoço fazendo listas. Do lado sim, uma experiência lésbica seria um sólido material de sedução para futuros encontros com homens; ela não precisava se preocupar com uma gravidez indesejada; um envolvimento romântico estava fora de questão; ela sempre estava interessada em tentar coisas novas e diferentes. Ucker teve com ela uma conversinha estimulante à la Bela Karolyi ("Você consegue!"). Ela não precisava ficar pensando naquilo. Annie tinha tido alguns sonhos picantes com mulheres. Mas havia um porém inegável. Annie podia ser capaz de fazer sexo com Maite, mas poderia voltar a encará-la no escritório? Maite a pressionaria para almoçar no Y todos os dias? Aquilo poderia ficar pegajoso? Fiona e Janice notariam que algo havia mudado entre suas duas principais empregadas, e a última coisa de que Annie precisava era de mais olhares inspecionantes das Mulheres.

Em se tratando de assuntos libidinosos, especialmente em sua horrenda situação no momento, Maite resolveu parar de pensar e começar a fazer. Melhor deixar os sumos fluírem e limpar a sujeira mais tarde. Agora que elas estavam sentadas bem próximas no almoço, com chupação de dedos e tocação de coxas, o caso parecia uma grande idéia. O futuro esquisito podia ser esquecido na próxima hora. E aí Maite sapecou:

— Vou sair da calcinhas.com.

Annie piscou.

— Quando? — perguntou. Mais por causa do futuro esquisito.

— Sexta-feira é meu último dia. Tive uma oferta de trabalho da filhotes.com para remontar o site. Sem ofensa para você, você é adorável, mas não acho que a calcinhas.com vá durar um ano. Coloquei meu currículo na monster.com algumas semanas atrás e recebi ligações dajardim.com, kosmo.com, sedução urbana e da CDNOW. A filhotes.com é a mais segura. Você notou que a coleira do filhote é um relógio de homem? Eu adoro aquilo.

A reação inicial de Annie às novidades: alívio (o sexo assim seria muito mais fácil). Segunda reação: descrença. Ela estava surpresa por Maite ter tão pouca fé na habilidade de Fiona para não afundar. Terceira reação: inveja violenta. Annie não tinha recebido ligações de ninguém. Pessoas que não eram da área de tecnologia eram dispensáveis. Os talentos de Maite, que fazia todas as partes em movimento na preparação de uma paginada web, codificando os programas, resolvendo problemas, eram essas habilidades que valiam. Que habilidades Annie poderia listar na monster.com? Que em três minutos redondos ela conseguia inventar cinqüenta nomes bacanas para fios-dentais de seda artificial? Ninguém ia querê-la. Talvez aquilo explicasse sua fidelidade à calcinhas.com numa indústria em que todos pelavam de um emprego para o outro. No tempo que passara na calcinhas.com, Annie tinha visto 42 funcionários virem e irem. Ela sabia o exato número porque ez marcas na parede do seu escritório para manter o controle sobre as mudanças. Muitos dos empregados temporários ficavam menos de um mês antes de desistir ou conseguir um trabalho melhor. Alguns duravam apenas uma semana. Ela tinha visto na Fast Company que a duração média de emprego numa empresa pontocom era de três a seis meses. A trajetória típica era algo assim: aterrissar num trabalho na Internet com um título bonito ainda que dúbio (Annie era "vice-presidente executiva de propaganda e marketing"), babar com pré-ofertas públicas de ações e pacotes de opções-be-nefícios, trabalho escravo das oito da manhã à meia-noite seis dias por semana e mais algumas horas no domingo em casa trabalhando num laptop da empresa. Estabelecer uma ligação superficial com os colegas que parece profunda (passar tanto tempo assim com qualquer pessoa vai levar a uma falsa sensação de intimidade). A ligação rapidamente se torna desgostosa (passar tanto tempo assim com qualquer pessoa vai dar nos nervos de alguém).

O emprego é mais tarde desgastado pela competição para aterrissar no próximo emprego de aparência boa ainda que duvidosa, e por um sentimento de futilidade quando os preços das ações despencam. Chefes tendem a ser megalomaníacos. Todo mundo é ambicioso, mas ninguém está seguro. A Internet é um mundo cada-maníaco por Internet-por-si-mesmo. Na marca de três meses, os dias do empregado são numerados (se ele/ela sabe ou não).

Cenário de partida #1: O empregado sofre de uma súbita indisposição relacionada a trabalho Annie - Vírgero por iUcato 131 (síndrome do túnel do carpo, síndrome de doença de escritório etc), forçando-o a passar um tempo fora.

Cenário de parti-da #2: O bom trabalho do empregado é notado por uma empresa maior ou mais bacana da Internet. Telefonemas são dados, trabalhos pululam.

Cenário de partida #3: O empregado é aterrorizado pelo chefe tirânico e superzeloso da pontocom, um homem ou mulher que oferece seu dinheiro, bem como grandes partes de bancos e investidores privados (todo mundo que ele/ela conhece, incluindo a família, amigos e pessoas que ele/ela conheceu na noite passada numa festa da Silicon Alley numa galeria do SoHo). O chefe acredita que a brincadeira gentil do empregado sobre falência o torna um sabotador. E sabota-dores devem ser eliminados.

Na calcinhas.com, a grande parte de antigos empregados foi eliminada. Apenas Janice, Fiona, Maite e Annie estavam lá desde o início. A mãe de Annie, em sua maneira gentil de perguntar sobre os namoros da filha, sempre perguntava: `Você não conhece um monte de gente no trabalho?" Sim, Annie conhecia toneladas de pessoas. Mas, assim que alguém passava pela porta, o novato começava a empreender sua próxima mudança de trabalho. Ninguém fazia um esforço real para conhecer Annie. Ela era vista como leal a Fiona, o que lhe rendia ser inútil para conversar. Annie temia que as pessoas tipo móveis e utensílios estivessem certas. Ela não tinha coragem de ficar mudando de trabalho. Annie afundaria com o navio (ou deveria dizer escorregaria).