Fanfic: Virgem por acaso [Terminada]

Sábado à tarde

Fiona estava desapontada e ferida. Em suas palavras exatas, ela disse:

— Estou desapontada e ferida. Dei Jorge a você de presente, com uma reverência. E você dispensou. Esta não é a Anahí Portillo que eu comecei a respeitar e admirar. Esta não é a mulher que eu vejo como minha protegida, minha aprendiz. E o pior é que agora penso em você, Annie. Como pôde fugir de passar a noite — e nada de anéis amarrados — com o belo Jorge? Por favor, me explique, porque preciso saber.

A Dama Negra — fazendo jus a seu apelido vestindo vinil preto hoje (o vinil pode ter passado de época muitos anos atrás, e fazia 35 graus à sombra de uma placa de Não Estacionar, mas Fiona era uma força de moda defeituosa que não podia ser interrompida, viesse o inferno ou águas torrenciais) — já tinha passado a maior parte da manhã contando a qualquer pessoa que quisesse escutar os dois triunfos de ontem: o Crédit Suisse e um homem grande com um enorme "Finlandês".

Apenas Annie sabia a verdade, que sua chefe tinha pagado uma fortuna por seu simulacro de um estrangeiro. Claramente, Fiona achava que pagar por sexo — e ter um momento de explosão — era tão satisfatório quanto seduzir um homem com suas próprias capacidades. Annie acreditava que uma dieta pesada de sexo por dinheiro levaria a uma horrível massa de morais deformadas e a inevitável erosão da auto-estima. Se ela vocalizasse sua teoria,

Fiona a chamaria de blasfema e Annie seria demitida imediatamente. Neste escritório, onde as coisas pessoais (ou, precisamente, as intimidades) eram profissionais, questionar as práticas da chefe era estritamente proibido. Então Annie ficou na dela, ocupou-se com tarefas intermináveis e telefonemas, e tentou evitar Fiona. Mas não poderia ficar invisível por muito tempo. Pouco depois do almoço Annie foi convocada ao escritório de Fiona para receber o discurso "estou ferida".

E agora, enquanto Fiona batia suas unhas afiadas no topo de mármore da sua mesa, Annie planejou uma resposta que seria prazerosa para sua chefe, sem comprometer sua própria moral.

— Fiquei com medo — disse ela. — Muito tentada, e agradecida pela oportunidade. Deus sabe que preciso de toda a ajuda que conseguir. Mas quando chegou a hora H, aparentemente, se você me entende, eu dei para trás.

— Você não estava com medo, Annie.

— Eu estava aterrorizada.

Fiona sorriu maldosamente.

 — Adivinhe quantos anos eu tenho.

Annie não ousou.

— Trinta e nove? — perguntou.

— Ah, por favor, Annie — disse Fiona. — Adivinhe de verdade. Vá em frente, quero que faça isso.

— Quarenta e dois?

— Longe disso.

 — Quarenta e cinco?

— Tenho cinqüenta e sete. E eu conheço esse seu olhar, Annie. Você estava com medo de adivinhar minha idade porque não quer me ofender. E está com medo de admitir que pagar por sexo é detestável para você. E que eu posso ser um monstro por fazer isso tão facilmente. Jorge não assustou você de jeito nenhum. Eu é que aterrorizo você.

Annie negou.

— Não, ele foi muito assustador. Grande e ameaçador, e tinha uma lista de preços muito assustadora.

Enquanto isso, Annie pensava, mesmo em seu esforço cerebral enorme, Fiona tem 57???. Aquela era a idade da mãe de Annie (bem, Marichello tinha 60, mas era quase aquilo). Como uma mulher da idade da sua mãe podia se vestir com vinil e trepar com prostitutos?

— Vou explicar a você por que uma mulher da minha idade usa vinil e trepa com prostitutos — disse Fiona.

— Não precisa — disse Annie.

 — E só isso, Annie. Eu não preciso fazer nada. Eu me coloco acima de julgamentos porque tenho absoluta clareza. Quanto mais velha fico, mais eu tenho certeza: uma vida sexual ativa é a chave para a felicidade. Quando você é um animal sexual, funciona plenamente em mente, corpo e espírito. Se você é assexuada, todas as áreas da vida correm abaixo da média. Para ser uma mulher completa, devo ser tão sexualmente ativa quanto possível.

Por esse prisma, Annie, em sua incompletude sexualmente inativa, não era nada além de um dedo mindinho.

— E aqui está a parte que aprendi dos homens — continuou Fiona. —Relacionamentos românticos forçam você a comprometer sua visão, suas idéias, criatividade e realizações. Olhe para Janice. Ela se arrasta a cada dia, desesperada para conseguir uma ligação romântica. Se ela deixasse seus ideais de lado, seria um gênio. Uma força. Uma inspiração. Ávida sem amor podia deixar espaço para outras coisas. Mas certamente o amor inspira. É uma força de ida e volta por si mesma.

— Quando Janice realmente encontrar o amor... — começou a dizer Annie.

 — Como isso não vai acontecer nunca, Janice ligou dizendo que estava doente esta manhã. Ela deve ter tido um encontro desastroso com aquele advogado da Internet, e agora ela não consegue encarar a si mesma ou suas colegas. Por tudo o que eu sei, ela deve estar chicoteando suas costas.

Annie mordeu o lábio. Ela podia bem imaginar o horror do encontro de Janice na noite passada, apenas acrescentando à sua depressão o fato de estar virando os 50. Annie faria uma visita a ela mais tarde. Levar-lhe alguns biscoitos. Ver se poderia mimá-la um pouco. Janice tentaria o suicídio? Annie não conseguia acreditar. Nem Fiona. Ela disse:

— Estou brincando, claro. Janice jamais faria alguma coisa burra assim. Além do mais, ela está acostumada a ter encontros fracassados. Na verdade, se pode argumentar que ela se mantém saindo com homens ruins porque quer ficar desa¬pontada. Esta é a maneira dela de evitar o relacionamento que ela vem sendo socialmente condicionada a acreditar que sempre quis.

Aquela era a lógica que Annie usava para si mesma. Fiona continuou:

— Então me diga a verdade: você realmente acha que Janice vai encontrar o que ela diz que está procurando?

— Não, Fiona. Não acredito.

— Eu concordo. Tive minha cota de relacionamentos, e eles todos terminaram da mesma maneira. Quando fiz quarenta, decidi mudar. O ciclo de expectativa e desapontamento terminaria. Eu alimentaria meu corpo com o sexo que ele precisava e evitaria ligações emocionais. E, em dezessete anos desde então, ganhei milhões de dólares, fiquei famosa, criei uma vida de luxo e privilégios e tenho sido muito feliz.

— Não se sentiu solitária? — perguntou Annie, se aventurando em terreno minado.

— Você me acha solitária? — perguntou Fiona. Com aquela sobrancelha levantada e o meio-sorriso, Fiona parecia a imagem do contentamento orgulhoso.

Annie procurou sob o rosto cirurgicamente esticado de sua chefe para descobrir uma pista de solidão ou desespero ou até uma leve ruga de arrependimento sobre suas escolhas. Nada. Fiona era uma maravilha. Ela devia ser a primeira, e única, mulher em Nova York sem preocupações. A não ser uma.

— Você deve se sentir solitária se a calcinhas.com não se recuperar — disse Annie.

Um brilho de raiva passou nos olhos de Fiona, escurecendo-os. Ela disse:

— Se a calcinhas.com falir, eu descobrirei outras coisas. E, Annie, você também. Você vai reagir exatamente como eu, porque você é exatamente igual a mim. E vamos chegar ainda mais perto do osso. A razão que fez você fugir de Jorge não foi medo, de jeito nenhum. Foi dinheiro. Você não quis gastar o dinheiro. Foi exatamente o que aconteceu comigo da primeira vez em que estive com um garoto de programa. Depois de um dia ou dois pensando, decidi que ele valia o preço. Aí liguei para ele de novo. Fiona enfiou a mão na gaveta fina do alto da sua mesa. Encontrou um pedaço verde de papel, um cheque, e empurrou-o por sobre a mesa na direção de Annie.

Annie pegou-o e leu a quantia.

—Dois mil dólares.

— Feito para você — disse Fiona. — Sempre senti um espírito aparentado em você, Annie. Olho para você e me vejo quando tinha sua idade. Acho que podemos ter uma longa parceria de amizade e negócios. Vou precisar de alguém como você para meu próximo movimento. E, apenas entre nós duas, é bem grande. Ainda não posso dizer mais nada. Mas preciso saber antes que estamos no mesmo barco. Você pegou o telefone de Jorge. Use-o. E aí, uma vez que tiver feito isso, podemos conversar sobre o que vem depois.