Fanfic: Virgem por acaso [Terminada]

A vergonha aumentada, o embaraço refrescado, Annie escapuliu na direção de sua torre de prata da Park Avenue. Tropeçando num pedaço de grade, conseguiu manter-se de pé mas quebrou o salto da sandália. Já que tinha diversos pares de sapatos sobressalentes no escritório, um trauma desta magnitude normalmente não reduziria Annie às lágrimas, aquelas do tipo quente, atiradas das glândulas como balas líquidas. Normalmente, não.

Hoje, naquela lama, sim. Annie mancou para dentro do elevador do seu prédio de escritórios e viu Maite Perroni, a funcionária número quatro da calcinhas.com, vice-presidente de produção. Morena de cabelos escuros — o cabelo ainda úmido — e com um vestido desconjunta do cor de laranja, fechado e com laços (apesar do fato de que uma mulher com suas proporções não deveria jamais ser vista em público sem sutiã), Maite deu uma olhada na maquiagem borrada de Annie e colocou sua teoria.

 — Você deve estar com TPM — disse ela, acrescentando: — Eu estou. Todas nós estamos. A reunião hoje vai ser uma merda.

Maite Perroni, 22, antiga mestre em ciência política em Dartmouth, era a única pessoa sem a qual a calcinhas.com não poderia existir. Os olhos de Annie ficavam vidrados sempre que Maite começava a falar sobre servidores, uploads, caches e cookies, mas, sem o tipo de conhecimento dela, a calcinhas.com ou qualquer empresa de vendas pela Internet não podia fazer negócio. "Criativos", como Annie, havia às dúzias. Pessoal de tecnologia, como Maite, era raro e muito solicitado. Ao ver sua colega, Annie imediatamente rearrumou a postura, esticando as costas como se puxada por uma corda invisível do topo da sua cabeça. Ela sorriu fracamente para Maite e disse:

— O que a traz aqui tão cedo? — Eram pouco mais de 8 horas da manhã e Annie tinha esperado ganhar muitos minutos de tempo sozinha para organizar seus pensamentos e sua lista de possibilidades de desrevirginização antes que suas chefes chegassem e começassem a distribuir ordens.

— Estou atrasada, na verdade. Normalmente chego às sete — disse Maite. — Acordo às cinco e meia, corro dez quilômetros e venho em seguida. Gosto do silêncio. Não posso fazer muita coisa com As Mulheres vagando no corredor. — As Mulheres, como a equipe as chamava, eram Janice Strumph e Fiona Chardonnay, as fundadoras e líderes da empresa.

Annie assentiu enquanto sua colega falava, imaginando o exercício na madrugada de Maite e o gigantesco top de esporte que ela precisaria para segurar aquilo tudo. Maite se formara na universidade no ano passado e, num excesso de seleções, tinha sido convidada por dúzias de empresas de Internet antes de escolher a calcinhas.com como seu primeiro emprego. Annie imaginou o pacote de opção de compras de ações que Fiona e Janice deviam ter oferecido para tirar Maite da (pré-fusão) AOL e da (pré-afundamento) Amazon. Apesar da atmosfera de fofocas na calcinhas.com (inevitável com as horas extras e o cappuccino grátis), Maite ficava de boca fechada sobre sua vida fora do trabalho (como se houvesse tempo para uma coisa dessas).

Annie tinha reunido gotas suficientes de informação para encher um bebedor de passarinho: Maite tinha tido um namorado na universidade, viciado em computadores como ela (dito com admiração, não ridicularizando), que tinha se mudado para Grand Cayman depois de se formar para criar um site de jogos de Internet altamente lucrativo. Sua parceira era outra formada em Dartmouth, uma mulher que não era nem viciada em computador nem abençoada com as curvas abundantes de Maite. Annie e Fiona tinham visitado o site, casinoroyale.com, e examinado a fotografia dos dois magnatas dos jogos, acenando numa praia de areias brancas: ele, um gorducho sem camisa, bronzeado, boné de beisebol e bebendo pina colada; ela, magrela, de biquíni, vermelha de sol, sobrancelhas arqueadas, moreninha, com muitas pulseiras de tornozelo. Se a boa sorte vertiginosa pudesse ser captada digitalmente, essa fotografia granulada era o ideal. Sempre que Annie tinha inveja de Maite (ela era jovem e talentosa demais), Annie pensava no ex-namorado naquela alegria toda banhada de sol, com uma mulher que ele conhecera um dia antes de dar o fora em Maite e desaparecer no paraíso. Não importava que Maite alegasse que tinha "virado inimiga de todos os homens" sempre que Janice consumia metade de uma reunião de equipe desconstruindo seu mais recente encontro desmoralizante de sábado à noite. Annie só agora imaginava se Maite a via como uma alma afim. Por todas as aparências, Annie também tinha decidido esquecer os homens intencionalmente (uma das solteiras-por-opção de Gigi XXX). Annie era reticente sobre sua vida pessoal (de antemão: nada a declarar). Maite e Annie compartilhavam a duvidosa ligação de abstinência — e também a proximidade biológica da menstruação. Talvez aquilo explicasse por que Maite sempre se sentava perto de Annie nas reuniões e escrevia bilhetinhos para ela em seu bloco de notas ("Que saco", "Me tira daqui", "Como as etiquetas de atalho para teclado se tornaram o centro da minha vida?").

Deus sabia que Maite e Annie não compartilhavam o amor pelos circuitos eletrônicos e gigabytes, nem por laços antigos e enfeites de cetim. Seu único território (infértil) em comum era a inatividade sexual. Maite era especialista, entretanto, em sublimação. O elevador subiu uns doze andares em segundos. Enquanto Annie fazia seu sorriso tocar suas orelhas, Maite tagarelou sobre correr, sobre como suas pernas tremiam com o esforço, seu coração batia, sua pele latejava por toda parte e depois como, em torno do quilômetro oito, acontecia a incrível liberação de endorfinas.

— É a melhor parte da corrida — explicou. — A explosão no final.

— Eu devia fazer mais exercícios — disse Annie enquanto elas saíam do elevador no andar da calcinhas.com.

— Ajuda com os gases — acrescentou Maite.

Annie mancou pelo corredor até seu escritório, um sapato no pé, o outro na mão. Ela adorava essas sandálias com margarida no topo. Depositou sua bolsa e o Post na mesa e lembrou que não tinha café da manhã para tomar enquanto lia o jornal. Em vez de chorar por isso (ela poderia, facilmente), distraiu-se folheando um catálogo da Pottery Barn e pintando suas unhas de rosa. Fechando sua janela do tamanho de um basculante de banheiro para ficar só, importou um arquivo do Palm III para o seu iMac cor de amora.