Fanfic: Virgem por acaso [Terminada]

Soprando os dedos — esmalte fresco —, ela avaliou a tela.

LISTA DE HOMENS QUE NÃO PODEM DIZER NÃO

1. Rodrigo. Ex-namorado. Vou ter de engolir um monte de conversa mole para ligar para ele de repente, mas sei como manipular (exemplo, cócegas no pescoço, carícia no braço, dizer a palavra com "T").

2. Sergio. Mau encontro libidinoso de abril. Ele não é repulsivo nem pegajoso; é galante e atencioso. Quando olha para a frente do vestido e lambe os lábios, penso: "Que gracinha."

3. Ucker. Amigo platônico. Poderia seduzir com a ajuda de um vinho e lágrimas/pedidos. Pode arruinar amizade. Preparar o discurso de "dia seguinte" em frases tipo "O que aconteceu na noite passada? Devo ter perdido temporariamente o juízo.

4. Match.com. Território de Janice. Preciso caminhões de coragem. Anda não suficiente (em estoque, no mercado).

Ela brincou levemente, acrescentando o homem sobrancelha-única da deli em sua lista, mas concluiu que seria melhor ser uma revirginizada pelo resto da vida do que descer tão baixo. No entanto o adorável entregador de pizza albaniano da Salvatore`s não estava aquém da sua dignidade.

Annie, os dedos pousados no teclado, estava prestes a aumentar sua lista quando ouviu uma voz de mulher atrás dela.

— Eu uso garotos de programa — disse a voz. — Poupa tempo e energia, que seriam mais bem gastos no trabalho.

Annie reconheceu o tom imperativo da presidente da calcinhas.com, Fiona Chardonnay, antiga especialista em desenvolvimento urbano da Heritage Foundation. Contraindo-se, Annie virou-se para observar sua chefe. Fiona estava usando uma roupa apertada vermelha, meias pretas finas com costura aparente na parte de trás e saltos stiletto. Vestida para a noite às 9 da manhã, como sempre. Os cabelos ondulados de Fiona eram lustrosos e pretos; seu rosto, estranhamente sem rugas. Oficialmente, Fiona era uma garota de 45, mas devia ser anos mais velha (nas entrevistas, falava abertamente sobre a melhoria dos cosméticos e sua devoção ao Botox). Em relação à idade, apenas seu cirurgião plástico sabia com certeza.

— Venha comigo — disse Fiona e dirigiu-se para o corredor. Annie seguiu-a como uma escrava. Ela tinha de correr atrás de sua patroa — Fiona e seus passos largos — de pés descalços. O carpete parecia sintético sob os dedos. Sua lealdade a Fiona também era artificial. No início Fiona tinha parecido uma Deusa nas Alturas. Depois de cinco meses de declive, pós-ações na Bolsa, a fachada divina de Fiona estava se quebrando. Janice "Ainda estamos agüentando" Strumph trazia a queda das cotações das ações nas rédeas; Fiona não absorveu os golpes tão bem.

Sempre que o preço escorregava, ela convocava sessões de criação e fazia pedidos impossíveis à equipe. Annie sempre odiara as reuniões particulares de improviso de Fiona. Elas sempre resultavam em horas de trabalho extra (muito do qual era jogado fora mais tarde) e no estado seguinte de prostração. Com um salário-base de 160 mil dólares por ano, Annie não tinha outra escolha senão tratar Fiona como sua dona e senhora.

A "Dama Negra" (o apelido que a equipe dera a ela) entrou dentro do quarto de provas, onde cada corpete de renda, fio-dental e meia-taça era testado pela equipe de design de cinco pessoas (ninguém tinha chegado ainda). Trajes de-penduravam-se de cabides, transbordavam de gavetas e ficavam em prateleiras de pilhas rendadas e coloridas. As estantes estavam lotadas com caixas Lucite de pérolas, taças, botões, botões de pressão, ganchos e tiras. Tecidos brilhantes e exuberantes estavam amontoados numa pirâmide no chão. Evitando o olhar levemente apavorante de Fiona, Annie olhou-se na parede espelhada. Ela também estava usando uma roupa apertada vermelha — nada de meias (ou sapatos), mas seu esmalte Doce de Maçã combinava perfeitamente com o de Fiona. As duas mulheres eram quase da mesma altura. Annie vestia tamanho 36. Fiona, que vestia um magro 34, ainda parecia maior. Maior que a vida.

Esperando dirigir a conversa a seu jeito, Annie disse:

— Você viu o Agente Provocador esta semana?

A web site rival delas de lingerie, agenteprovocador.com, tinha adicionado filminhos leves, com clipes de filmes pornográficos para expor seus novos modelos, tudo muito bem-feito. Annie esperava mover a calcinhas.com naquela direção, para longe da apresentação de catálogo de supermercado com roupas de baixo para as massas.

— No mínimo — continuou Annie — deveríamos conversar sobre nossas modelos. — No momento a calcinhas.com usava manequins humanos de baixo custo, garotas com corpos perfeitos e rostos de cachorro. O corte das fotos (sem cabeça) perturbava Annie política e esteticamente.

Fiona pegou algumas peças de uma prateleira de bustiês e disse:

— Rede arrastão.

 — Rede arrastão? — perguntou Annie.

— Vai ser muito grande.

O estômago de Annie se contraiu. Claro, Fiona não tinha escutado uma palavra do que ela dissera, nem faria a cortesia de fingir ter escutado. Obedientemente, Annie perguntou:

— Uma linha de lingerie de arrastão?

— Sutiãs, calcinhas, camisolas, espartilhos — confirmou Fiona. — Quero uma combinação de rede arrastão. Penhoar  rede arrastão! Você pode ter seu precioso corselete, de arrastão, se quiser. Tudo em tecido bem forte. Tudo em cores metálicas, tecidos brilhantes. Muito futurista.

— Estou vendo — respondeu ela.

— O que você está vendo? — perguntou Fiona, com toda a atenção.

— Estou vendo o que você quer dizer? — tentou Annie.

— Eu estou vendo arrastão na bunda pelada de todas as mulheres americanas, e parece bonito — disse sua chefa. — Se trabalharmos dez por cento a mais, vamos ter o produto por volta de setembro.

— Este setembro? — Aquilo parecia totalmente otimista. Normalmente eram necessários cinco meses para desenhar, produzir e colocar no mercado uma nova linha. Fiona queria fazer esta em dois e meio.

— A gente consegue — insistiu Fiona. — Vai ser grande. Anúncios na imprensa e na TV, e-marketing direto para milhões. Quero que você cuide disso.

Annie engoliu em seco. No espelho, ela pôde ver o suor escorrer pela pele branca de seu pescoço e desaparecer sob a gola do vestido.

— Ano Arrastão 2009 — anunciou Fiona. — Você gosta?

— Não tenho certeza — disse Annie.

 — Não gosta de arrastão? — perguntou ela. — Eu gosto. Fim de conversa.

Annie sacudiu a cabeça.

— Não, arrastão, na verdade, bem, é fresco. Mas não vamos conseguir fazer para setembro. Teríamos de trabalhar o dia inteiro...

Fiona interrompeu.

— Todos os empregados desta ou de qualquer outra empresa pontocom investem tempo, Annie. E um requisito para o trabalho. O trabalho que pode tornar você milionária.

A chefe realmente acreditava naquilo. Annie duvidava que o preço das ações voltasse a atingir o pico. Mas nesta economia qualquer coisa era possível. Com uma injeção de dinheiro e uma grande idéia (rede arrastão era uma grande idéia?), a calcinhas.com podia recuperar sua posição, que já fora forte, como a varejista número um de peças íntimas na web. O pensamento de trabalhar 18 horas por dia, os milhares de detalhes para cuidar, o horror daquilo tudo... ela não poderia fazer aquilo. Ela não faria.

— Arrastão é mais para a primavera, não acha? — arriscou Annie.

Fiona encarou-a por uma batida de um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. A cada batida, o pulso de Annie dobrava de velocidade.

— Se precisa de mais tempo para a sua vida pessoal — disse a chefe —, você pode tê-lo. Integralmente.

A Dama Negra virou-se em seus saltos stiletto e saiu rebolando do quarto de provas. Mesmo enquanto o ar saía de seus pulmões, Annie não podia deixar de admirar a bunda de Fiona — era como um pescoço de esquilo, redonda e estreita. Sozinha agora entre os elásticos e contas, Annie estudou seu reflexo no espelho — corpo esguio, cabelos longos e expressão chocada. Ela tinha acabado de perder seu emprego? E aquela era uma perspectiva tão horrível? Supostamente, 18 anos separavam Annie e Fiona. Em que se transformaria a próxima década de Annie? Fiona nunca tinha se casado. Era uma multimilionária (mesmo depois da queda das ações), vivia num loft de mil metros quadrados em TriBeCa. Ela tinha amigos famosos, era uma pseudocelebridade. TMaite acreditava que Fiona era infeliz em sua solidão luxuosa. Annie desejava que Maite mantivesse suas crenças ingênuas, teimosas e infladoras de ego para si mesma. A verdade óbvia para Annie era que Fiona era feliz. Ela tinha tudo o que queria. Se mostrava qualquer aflição, era meramente um toque de medo de que sua vida de sonhos seria amaldiçoada pelos caprichos de Wall Street (vide esta reunião privada).

Além do mais, Fiona fazia todos os esforços para espalhar sua felicidade, e sua riqueza, em torno dela, banhando sua equipe com presentes (subornos), almoços caros, viagens a Paris, Milão e Londres para os desfiles de moda de estação. Ela era uma mulher difícil e impetuosa, mas generosa. Inspirada. Annie estava feliz por conhecê-la. A calcinhas.com era um bom trabalho.