Fanfic: Conexão de Liberdade
Dia 14 de fevereiro de 2001
08h
Acordei bem cedo e liguei o piloto automático, levantei, comi pão com margarina e chá mate que, milagrosamente já estavam à mesa, como nas novelas em que ninguém vai à padaria ou ao mercado, mas a comida sempre está pronta. Coloquei a roupa que tinha deixado na cabeceira no dia anterior, meu jeans surrado e uma camiseta preta do nirvana, prendi meus cabelos castanhos e lisos em um rabo de cavalo e fui para a rodoviária. Não sou boa com despedidas, mas adiar o momento seria prolongar a dor e, por isso dirigi o mais rápido que meu gol verde musgo ano 88 permitia. Até consigo me lembrar da minha mãe, Cleo Maura, aceitando que eu comprasse um carro aos dezesseis anos, ela foi muito gentil e fiquei feliz por tamanha confiança. Aqui em nossa cidade de 58 mil habitantes, todos maiores de dezesseis dirigem e parece que a polícia não está preocupada com a idade mínima de dezoito anos. Cerca de 05 minutos depois eu estava lá e não foi difícil encontrá-la no pequeno quarteirão que compõe a rodoviária e deveria ter o que? Umas vinte pessoas. Ela estava de costas, segurando sua enorme mala pink e olhando para o nada, com certeza imaginando como seria a sua nova vida, com a mãe, como sempre me contava quando criança, as histórias que ouviria antes de dormir, o cheiro da comida, dos abraços, das brincadeiras. Lana sempre fora apaixonada pela vida, pelos detalhes, animais, insetos, paisagens, desde que tínhamos sete anos permitiam que andássemos sozinha pelas ruas porque ela sabia exatamente em quais ruas deveríamos passar para chegar ao destino. Uma garota adorável, extrovertida, era o centro das atenções, tinha uma beleza exótica, cabelos negros, brilhantes e lisos e já há algum tempo deixava bem compridos na altura da cintura, pele azeitonada com poucas sardas no rosto, olhos penetrantes e interrogativos, nunca aceitava um não como resposta, imagino que tenha puxado isso da mãe, pois seu pai, Marco Antonio era tão passivo. Ela eu somos amigas desde o berçário e passamos por todos os marcos juntas, na infância vestíamos roupas iguais por dois motivos, um: nossas mães adoravam, dois: sonhávamos em ser gêmeas e já que a vida assim não quis, demos um jeitinho superficial. Só não quero pensar em nada disso agora, só quero pensar em como vou ficar aqui sozinha, sem minha melhor amiga, sem minha irmã.
- Hey girl! - Inventamos um Oi só nosso, ou pelo menos acreditamos que só nós duas, no Brasil cumprimentamos assim.
- Hey girl - ela respondeu tão desanimada que pensei que ela havia desistido da mudança.
- Você está linda nesse jeans strech e blusinha rendada branca, tenho pena dos garotos, nove horas de pura tortura. - Ela ganhou essa blusa da mãe no aniversário de 12 anos e desde então repetia inúmeras vezes o modelito. A Vovó Luísa e eu até brincávamos com ela, perguntando se ela não iria colocar esse uniforme para lavar.
- Sim, estou M.A.R.A.V.I.L.H.O.S.A. e a minha mãe vai amar.
- Aham. Ela vai sim. Ai bonequinha, você tem certeza de que não quer esperar seu papai voltar? - Ele era hippie, viajava para tantas cidades como caronista e vendendo artesanatos de fabricação própria e conseguiria para Penápolis dali a 02 dias.
- De novo esse assunto, Lívia? Eu esperava que ninguém iria me apoiar, mas você? - Percebi que ela estava muito magoada com a minha cobrança, nós nunca nos chamamos pelo nome, ela sempre fora a bonequinha, linda e delicada e eu a passarinha por ser amante de qualquer forma de liberdade.
- Ah Lana… - Foi só o que consegui dizer, se ela soubesse o esforço enorme que eu estava fazendo apenas por estar aqui neste momento. Se pudesse a impediria de ir embora com a sua mãe, minha como-se-fosse-tia Janaína, que a deixou aos cuidados da Vovó Luísa, mãe do meu como-se-fosse-tio Marco Antonio, e foi trabalhar como babá nos Estados Unidos em busca melhores salários e de terminar a faculdade. Só que se eu pudesse pedir para que ela ficasse, essa não seria eu. Sempre acreditei que as pessoas não nos pertencem e mesmo que as obrigássemos, de alguma maneira a ficar ao nosso lado, seria apenas um corpo presente, porque a alma… Esta já foi embora para sempre.
Nos despedimos e prometemos manter a amizade como sempre foi… unha e carne… chave e chaveiro e, naquele momento, eu quis acredita nessa promessa com todo o meu coração.
Dia 24 de maio de 2011
12h
Cheguei em casa acompanhada do meu novo-melhor-amigo Eduardo, ou Du como os amigos o chamam. Nos conhecemos em uma competição de natação no único Clube decente que a cidade possui, ele venceu praticamente todas as provas para adultos, só ficou em segundo lugar no revezamento em equipe e eu fiquei maravilhada com os tempos que ele efetuou, na única piscina para competição, de 25 metros:
50 metros livre: 21"40
100 metros livre: 47"10
50 metros borboleta 24"41
100 metros borboleta 52"78
200 metros borboleta 1`56"24
Natação é meu esporte favorito, completo, exercita vários músculos do corpo, possui fundamentos para trabalho em equipe, mesmo sendo um esporte solitário, preenche a mente de paz, mas a parte que mais amo é a superação. Você pode tentar ultrapassar o tempo de um outro esportista, entretanto a verdadeira competição é consigo mesmo. Todos os dias das 17h às 18h30min estou lá, com a nossa equipe categoria juvenil ou sozinha. É o meu momento. Conexão. Mente. Corpo. Vida.
E tudo o que acontece quando nado, consegui sentir ao olhar Eduardo nadar. Ele transmite aquela paz, parece que a água e a piscina foi feita exclusivamente para ele, é a perfeição. Desde o primeiro momento em que o vi nadando, tive a certeza de que precisava conhecê-lo.
Dia 14 de fevereiro de 2001
15h
Desanimada para a competição de natação, decidi que não iria participar. Eu precisava nadar, com certeza, para dissipar a tristeza e a mágoa pela partida de minha melhor amiga, só que não teria forças para competir, teria de ser um ato solitário então eu passei. Ela sempre falava de como se sentia abandonada pela mãe e eu a consolava e dizia que a tia Jana foi buscar uma vida melhor para elas duas. Agora, era Lana que desistira de toda sua vida aqui em Penápolis, para ir em busca de um sonho, de uma família, com sua mãe, uma vida nova em outro lugar distante, longe de nossa amizade. Parte de mim a odiava pelo abandono. Parte a amava e desejava sua felicidade.
Ainda assim, fui assistir ao campeonato e logo depois participei do encontro das equipes no quiosque do Clube. Eduardo parece ser aquele tipo de garoto quieto, “na dele”. Todos os parabenizavam pelos excelentes tempos e ele só assentia. Aquela festa não era só para ele, mas por todos participantes, mas, obviamente, que ele seria “o” assunto. Eu estava adorando observá-lo e a sua timidez, certamente que se dependesse somente dele, nossa amizade nunca aconteceria. O sol estava se pondo e eu sabia que logo todos iriam embora, se eu quisesse conhecê-lo seria agora. Eu fui.
- Oi.
- Oi
- Você foi ótimo lá, uau, muito maneiro.
- Aham.
- Eu sou a Lívia, amo natação e qualquer coisa relacionada, pode parecer bobo mas sinto como se pudesse voar dentro da água, me libertar, tocar o céu. - Nossa devo estar parecendo louca.
- Exato.
Ok. Ele não precisa preencher o silêncio com palavras, ele fala com o olhar, ele escuta. E eu falo… falo muito, pelos cotovelos, como diria a minha mãe, o tempo todo e até mesmo sem pensar, às vezes, ou talvez, sempre sem pensar.
- Her, bem, acho que já vou embora. Você está à pé? Porque eu não e, se você quiser companhia pelo caminho de volta te dou uma carona… isso se for o mesmo percurso, claro… - Ele riu. Entendi como um sim.
E foi assim que descobrimos que éramos vizinhos, quer dizer, não moramos ao lado, mas sim há mais ou menos um quarteirão um do outro.
Autor(a): marinamah
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Dia 14 de fevereiro de 2001 18h30min Eduardo pediu para que eu estacionasse em frente ao portão verde da minha casa, perguntei o motivo e ele disse que era tão perto que seria besteira deixá-lo na porta da casa dele. Descemos do carro e ele ficou observando meu pequeno jardim muito bem cuidado por minha mãe: algumas primaveras rosas e lilá ...
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