Fanfic: Conexão de Liberdade
22 de julho de 2001
09h
Há poucas coisas que me deixam irritada e uma delas é ser acordada. Pior ainda se for de supetão.
_ Filha acorda, preciso falar com você, seu pai está vindo pra cá, pegou o primeiro vôo que conseguiu.
_ Aqui não tem aeroporto mãe, não um decente, ai que sono. - Acordei sem saber aonde estava, geralmente é assim, eu visualizo outro quarto, outra casa, só consigo pensar no avião, no meu pai, minha mãe me acordando em um domingo frio de inverno de manhã.
_ Vamos tomar café. Eu fiz panquecas. - Sua voz estava horrível, parecia que não tinha dormido à noite. Pena eu ter o sono tão pesado, não acordaria nem se a casa desabasse.
_ Algum dia especial? Aniversário de namoro de vocês, mamãe? Se for, podem aproveitar sem mim. Vou dormir mais um pouco. - Eles não acreditam na instituição do casamento, por isso comemoram o aniversário do primeiro beijo, café da manhã, papai voltar em um domingo, deve ser isso.
_ Eu gostaria que você colocasse alguma coisa no estômago antes de conversarmos. - Epa, agora sim fiquei preocupada, ela sabe que em situações ruins eu não consigo comer e eu sei que ela não vai dizer nada até que eu vá.
_ Já vou.
Levantei, coloquei o primeiro conjunto que vi no guarda-roupas, um moleton vermelho de listras brancas verticais dos lados e fui para cozinha. Engoli duas panquecas cobertas com mel o mais rápido que pude.
Toc toc. Minha mãe não é muito de gostar de regras, não se importa com notas, comportamento horários, apenas uma é totalmente inviolável: entrar em seu quarto sem bater.
_ Entre, querida. - Quando fiz oito anos pude perceber que ali era seu verdadeiro lugar, não era a casa, o jardim ou as viagens que fazia com papai. Dentro do seu quarto ela era uma menina, uma mulher, uma mãe. Não sei o que ela esconde, por muitos anos Lana e eu tentamos descobrir e este já foi um de nossos passatempos favoritos, mas no dia em que conseguimos encontrar um álbum de fotografias antigas, dela ainda moça, antes de ir morar com papai, ela surtou. Gritava tanto conosco que não conseguia entender palavra do que dizia, arrancou as fotos de nossas mãos e ficou trancada no quarto por dias, meu pai até voltou do trabalho antes da hora e pediu para que nunca mais desobedecêssemos a única ordem e eu nem sei se ela vai me perdoar algum dia.
_ Oi mãe, posso me sentar? - Fiz menção ao sofá antigo de dois lugares que ela mantém no quarto.
_ Sente-se aqui na cama, perto de mim. - Seus olhos estão marejados, a aparência ruim, parece que nem mesmo tomou banho.
_ Lana e a tia Janaína estão vindo pra cá, vão chegar em algumas horas e eu gostaria que você fosse compreensiva com elas. Sei que você está sofrendo pela partida delas, mas amigos deixam o amor e própria dor para ajudar ao outro superar o que for preciso.
_ Como assim? Ela não me liga há mais de um mês e vem pra cá sem nada dizer? E você ficou sabendo disso quando? - Senti-me magoada e com ciúmes porque claramente a tia Jana e minha mãe mantiveram a amizade intocada, apesar do tempo e distância diferentemente de Lana e eu, ela me abandonou e não conseguimos cumprir a promessa.
_ Passarinha, nem sei como te dizer isso, queria que seu pai estivesse aqui, eu, simplesmente, não consigo sozinha. Meu amigo, meu irmão, que esteve ao nosso lado todos esses anos, que ajudou você e Lana crescerem, um homem amante da vida, feliz, perseguidor de seus sonhos. “Mas a vida não é justa, não é mesmo?”. O Tio Marco Antônio… ele passou pela cirurgia ontem de manhã, foi um sucesso, ele teria alta dali a alguns dias e então nessa madrugada ele teve alguns infartos, não foi fácil para ele e nenhum de nós pudemos estar lá, você entende, ninguém imaginava… - Eu senti o mundo girar e depois disso não conseguia sentir mais nada nem ouvir nada, era só o mundo girando e girando…
Acordei em minha cama, o sol estava se pondo e o vento batia na janela. Não sei se estava tão frio ou se meu corpo conspirava para derreter essa raiva crescente, eu não aceitava perder meu tio tão querido, tão amado, tão único. Todas as lembranças surgiam ao mesmo tempo em uma tentativa de nunca serem esquecidas… Lana e eu tão pequena e ele nos colocando para subir em seus cachorros, pastores, como se fossem cavalos… Ele brincando conosco em uma piscina de plástico e depois nós duas brigando para ver quem esvaziaria a piscina com o cano…
Nós três cantando as músicas do Bob Marley no karaokê, parecia que eu estava lá, só que agora ouvindo “Is this love that I’m feeling…”* Os almoços de domingo na casa da vovó Luísa, frango assado, risoto e maionese, suco de coca-cola e bala de coco de sobremesa, pular corda e ouvir os contos deles… E quando ele nos levava na praça para comer pipoca e observar a fonte, ficávamos ali comendo uma a uma sem dizer nada, juntos. Nossas conversas à luz das estrelas em nossas cadeiras de área azuis, quando ele dizia para “nunca se importar com o que os outros pensam, mas ainda assim seguir nossa intuição sem deixar de pensar neles.”
Como pudemos ser tão egoístas, a Lana e eu? Ela foi embora sem ao menos dizer adeus e eu não o procurei mais, não fomos nem visitá-lo no hospital, ele morreu como alguém que não tivesse família, sozinho.
Levantei, coloquei meu jeans preto e procurei alguma blusa que combinasse… decidi não colocar preto totalmente, não seria justo com o tio Marco Antônio, ele odiava luto, sempre dizia que era errado sofrer por algo que não pode ser modificado, que devemos correr em busca das soluções enquanto há tempo. Decidi colocar o moleton do rasta*, meus tênis na cor verde limão, escovei os dentes e saí, sem comer nada.
Poucos minutos depois percebi que eu estava parada em frente a casa de Eduardo, sua casa era simples e bonita, mas não faz meu estilo porque não tem nada de verde, nem plantas, nem cores, o portão e as janelas na cor marrom, as paredes na cor gelo e o piso marrom também, a mobília antiga, deve ser alguma herança da família. Não estava pensando direito, só queria sair de casa, Lana já estava para chegar e eu não queria topar com ela, não com tanta mágoa e culpa.
Eduardo passou pela porta, arrumado para sair, parece ter passado um pouco de gel no cabelo, estava com um de seus moletons para corrida, então imagino que ele vá sair com a Simone, sua linda namorada mais velha, ela ama correr, ele ainda não me viu, mas não dá mais tempo de me virar e ir embora então esperei.
_ Oi. - Ele me disse e se apressou para destrancar o portão.
_ Oi.
_ Como você está? - Ele me abraçou e assim iniciei uma sessão de choro, da qual estava fugindo desde quando soube da notícia.
_ Nós n-ão fi-ca-mos c-om ele. Morreu so-zi-nho. Eu me o-deio. - Tentei simplificar em palavras o que estava sentindo e o choro atrapalhando, então não saiu muita coisa, o importante é que ele sabia que nós éramos Lana e eu.
_ Eu sei. Nada na morte de quem amamos faz sentido. E parece idiotice dizer isso em uma hora como essa mas vai passar. Vocês são fortes.
_ Duvido. - Me soltei de seu abraço apertado e olhei em seus olhos procurando algo familiar para que eu me sinta um pouco melhor.
_ Entre, vamos conversar no meu quarto. - Ele segurou minha mão e me levou para dentro.
_ Hã, acho que estou interrompendo alguma coisa, você está todo engomadinho, vai sair com ela, não vai?
_ Eu pensei em passar na sua casa e te chamar para correr já que as piscinas devem estar geladas.
_ Não gosto de correr e você sabe disso. - Não sei porque estava sendo ríspida com ele, mas não conseguia ser diferente.
_ Aham. Sua mãe me ligou e disse que você não queria sair do quarto, perguntou se eu sabia de alguma fórmula mágica para chegar até você e eu disse que estava indo te buscar.
_ Ela disse o quê? Nem sei se estava em casa, saí e ela não disse palavra alguma.
_ Pelo visto ela se preocupa mais do que você imagina. Vamos correr um pouco, eu sei que você não gosta, mas dissipa as energias negativas, depois vamos jantar com seu pai, tudo bem?
_ Sim. - Respondi sem mais palavras.
Caminhamos até o parque Santa Leonor, um lugar recém inaugurado para práticas ao ar livre, atualmente apinhado de gente em pleno inverno, trotamos por aproximadamente 3 km, duas voltas e então passei a reparar nas pessoas conversando, praticando ioga, respiração e exercícios como esses, até o cheiro da grama molhada, do ambiente natural, tudo lembrava meu tio, Lana e nossa infância e eu não queria encarar agora, o que estava sentindo.
_ Vamos pra casa? Preciso jantar, não tenho fome, mas estou me sentindo zonza, acho que o café da manhã já era. - Parei, respirei fundo e segurei para não chorar.
_ Que sorte não ter me contado antes que estava sem comer ou teria te obrigado a empurrar alguma coisa para dentro. Que tolo eu sou, deveria ter adivinhado. Espero não ter de te carregar pelos próximos seis quarteirões.
_ Estou bem, juro. - Não estava mentindo, porque não era o estômago vazio que estava me fazendo mal.
_ Tá bom e eu sou o bozo*.
Eduardo me deixou em casa, que era caminho para a sua, afirmando que estaria de volta em quinze minutos e eu lhe respondi que não seria necessário já que eu levo no mínimo trinta minutos para tomar banho, ainda mais em dias tristes como este. Dizem que a chuva lava a alma, para mim essa premissa é válida para o banho.
Autor(a): marinamah
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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22 de julho de 2001 19h30min Meus pais me aguardavam na sala, o que era uma raridade em nossa casa. Nós gostamos da liberdade de sofrer sozinho, sem ter que dividir algo que nos machuca, sempre foi assim. _ Querida, senti saudades suas. - Levantou meu pai e veio em minha direção para me abraçar. _ Eu também pai, mas pref ...
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